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O Ambiente Educativo como Recurso Pedagógico para a Multi/interculturalidade

A (RE)CONSTRUÇÃO DO AMBIENTE EDUCATIVO DAS SALAS DA ESCOLA PRIMÁRIA

2. A ESCOLA PÓS-MODERNA COMO ESCOLA ECOLÓGICA

2.2. O Ambiente Educativo como Recurso Pedagógico para a Multi/interculturalidade

Entende-se como ambiente educativo duma sala de aula o conjunto formado pelo espaço físico e tudo o que o constitui e mais as relações ali estabelecidas entre as personagens actuantes (professor e alunos). Dentro duma sala de aula interagem continuamente pessoas específicas, diariamente, o que resulta em fortes relações afectivas e pedagógicas (alunos/alunos e alunos/professores) em simultâneo, onde a parte física da mesma sala influi nessas relações e vice-versa.

Na construção do espaço físico, o professor multicultural apropriado dum modelo pedagógico adverso à modernidade é imprescindível, só assim exerce práticas preocupadas com a organização do espaço educativo, como seja a disposição das mesas e a distribuição das crianças, os materiais pluralistas a utilizar, assim como a (re)construção de todo o cenário envolvente que são as paredes da sala e possíveis áreas vocacionadas para aprendizagens diversificadas, detentoras de «um envolvimento cultural motivador, coadjuvante das aprendizagens nos espaços da aula, dividindo-os em áreas de apoio ao trabalho» (Niza, 2005: 23).

Assumindo que a sala de aula é o espaço físico onde as crianças interagem uns com os outros e com o seu professor e onde desenvolvem a maior parte das aprendizagens veiculadas pela escola, espera-se que o conjunto físico existente na sala de aula, formado pela construção arquitetónica, equipamentos mobiliários, materiais didácticos e os cenários de aprendizagem, funcionem de forma interactiva e sinergética, constituindo-se assim o verdadeiro ambiente educativo, ou seja, o somatório das relações e da construção e (re)construção permanente de todo o espaço físico da sala, por parte dos alunos e sob a mediação do professor, passam a considerar «o espaço uma dimensão curricular» (Oliveira-Formosinho, 2002: 141).

Quando um grupo de crianças, da escola primária, entra naquela que vai ser a sua sala de aula e na companhia do professor que os vai acompanhar durante aquele ano lectivo, dá-se início a uma vida quase nova, há que criar laços de amizade e afectividade entre os vários participantes daquele espaço, mas também laços de identidade e empatia com o espaço físico daquela sala, pois «o cenário de trabalho numa sala de aula deve proporcionar um desenvolvimento cultural estruturado para facilitar o ambiente de aprendizagem curricular» (Niza, 1998: 84) do ensino primário.

Como é evidente, todo este trabalho de aceitação e compreensão educativa advém da gestão e orientação do professor. Normalmente o professor investigador e reflexivo, por isso multicultural, apropria-se das diferenças mais perceptíveis na heterogeneidade infantil com quem vai desenvolver projectos e facultar aprendizagens de reconhecimento das diferenças intra-grupo, para que estes as aceitem e respeitem. Será na sequência desta atitude que se inicia o processo de diálogo entre as várias diferenças e o procedimento à sua integração e adopção. É nesta fase que as crianças assumem as particularidades de cada um como realidades concretas de coexistência, transformando-as em mais-valias pedagógicas.

Possivelmente o professor em permanente negociação com as suas crianças vai interessar-se pelo espaço sala de aula, transformando esse espaço em “riqueza multicultural”, utilizando todo o equipamento mobiliário que aí existe por forma a torná-la num lugar de fácil

movimentação e intervenção de todos nas suas aprendizagens, num lugar de «criação de um clima de livre expressão dos alunos» (Niza, 1998: 79). É neste seguimento que se inclui o material didáctico, que tendo de ser devidamente escolhido, deve ser também adequado e enriquecido em favor da multiculturalidade, daí a «necessidade de construir ambientes escolares mais conhecedores e solidários para o desenvolvimento da educação contemporânea» (Id., Ib.: 84).

Uma questão essencial para o atendimento à multiculturalidade e ao procedimento da interculturalidade, tem a ver com o modelo pedagógico adoptado, como é evidente, não são os modelos tradicionais, inflexíveis, uniformes e daltónicos à diferenciação que tratam estas questões, mas sim modelos multiculturais, facilitadores da aquisição de valores e que respeitam as características culturais de cada um, aqueles que promovem a profundidade das relações, onde as crianças aprendem uns com os outros e aceitam as diferentes diferenças, não como insignificantes mas como diferentes das suas e interessantes de conhecer, que na prática de valores plurais, respeitam e integram, de forma natural, nas suas, alargando assim o seu leque cultural.

É perante o interesse de operacionalizar a multi/interculturalidade, promovendo o conhecimento das diferenças e o seu valor cultural e de enriquecimento pessoal que se coloca a questão da disposição das mesas onde as crianças trabalham assim como a sua própria distribuição pela sala. É óbvio que na sala onde existe o professor multicultural que adopta modelos pedagógicos centrados nas crianças, na sua autonomia e socialização, a disposição das mesas e das crianças torna-se num factor de forte importância para exercer todo o acto pedagógico, pois da sua correcta colocação advêm as francas interacções entre pares, o trabalho cooperativo e a inculcação significativa de aprendizagens por parte das crianças, pois numa sala de aula há que «respeitar a multiculturalidade e de estimular as relações interpessoais com pessoas que não têm o seu fundo cultural» (Freitas e Freitas, 2003: 9). Logo o mais normal em salas do ensino primário pós-moderno, era observar as crianças dispostas em grupo, a cooperar e aprender entre pares, com toda a possibilidade de discutir pontos de vista e de concertar decisões, pois para «um ambiente favorável, são as interacções e interrelações entre as crianças, e não as intervenções específicas, mas as que permitem o desenvolvimento e a diversificação dos intercâmbios nos distintos contextos ... não é só fazendo-se dono da sua acção, mas também nas trocas com os outros, que a criança se apropria do conhecimento e poderá desenvolver-se como pessoa» (Vayer, et al., 1993: 198).

Para que as interacções, entre as crianças, aconteçam efectivamente, defende-se a Aprendizagem Cooperativa na sala de aula, por implicar «que os alunos trabalhem, não apenas

em grupos, mas enquanto grupos, aos quais são muitas vezes atribuídos papéis específicos (por

exemplo, os «estimuladores»)» (Hargreaves, 1998: 89). Aprender cooperativamente é fazê-lo em pequenos grupos de crianças, em que os estudos desta prática têm concluído que na maioria doa casos «os alunos em ambientes onde se pratica a aprendizagem cooperativa têm melhores resultados em diversos aspectos da sua vida escolar: ganham mais motivação pelo estudo, atingem um nível de conhecimentos mais elevado e ajustam-se melhor socialmente ... os alunos com dificuldades de aprendizagem também obtém melhores resultados se integrados em grupos onde se pratique a aprendizagem cooperativa» (Freitas e Freitas, 2003: 8) e ainda, «a cultura de pares permite às crianças apropriar, reinventar e reproduzir o mundo que as rodeia» (Sarmento, 2002: 14).

É muito frequente entrar-se em salas de aula, observá-las atentamente e verificar um cenário com duas facetas, ou salas com paredes “despidas”, ou com algo completamente desfazado das actividades em curso ou da especificidade daquelas crianças. Em contextos multiculturais, onde se impõe «a concepção da ideia de escola equitária» (Oliveira-Formosinho, 2001: 143), é necessário tirar partido dos cenários envolventes à sala de aula e preenchê-los com trabalhos individuais ou colectivos das crianças que vivem nessa sala. Esta postura pedagógica leva cada criança a contribuir para a construção do espaço físico da sua sala através dos resultados das suas aprendizagens; trabalhos esses que lhes servem de reforço positivo, sentindo isso como que uma recompensa pelo seu esforço escolar. É a partir desta atitude e deste procedimento que, tacitamente, surge a motivação e um maior interesse por todas as aprendizagens, por parte das crianças, é ao sentirem-se valorizadas pelos pares, professor e pais que as crianças adquirem competências académicas, cívicas e sociais.

É desta forma que a escola e a sala de aula promove «as trocas sistemáticas de produções de saberes, concretizem a dimensão social das aprendizagens e o sentido solidário da construção cultural dos saberes e de competências instrumentais que os expressam (a escrita, o desenho, o cálculo). O sentido social imediato daquilo que os alunos aprendem, ensinando-se, isto é, cooperando nas aprendizagens de cada um dos outros, sustenta a motivação intrínseca do trabalho» (Niza, 1998: 79).

É certamente muito agradável para o grupo de crianças, e para cada uma em particular, reconhecerem os seus trabalhos nas paredes da sua sala de trabalho, identificando-se e sentindo- se mais competentes, sentimento esse que traz segurança e competência para sugestionar a reconstrução diversa do espaço físico da sala e do engrandecimento pedagógico de todo o ambiente educativo.

As próprias áreas de expressão, de cumprimento curricular obrigatório (dramática, musical, plástica e física), são óptimas áreas para trabalhar a diversidade, se transversal e interdisciplinarmente operacionalizadas, são proporcionadoras de outras aprendizagens que intrincadas nas tidas como fulcrais (matemática e língua materna), pelos professores, vêm completar todo o processo ensino-aprendizagem, pois «as artes permitem participar em desafios colectivos e pessoais que contribuem para a construção da identidade pessoal e social, exprimem e enformam a identidade nacional, permitem o entendimento das tradições de outras culturas e são uma área de eleição no âmbito da aprendizagem ao longo da vida» (Abrantes, et al., 2001: 149). Por vezes não lhes é dada a devida importância nem trabalhadas na devida substância, ou por falta de formação específica ou porque o aprender a ler, escrever e contar, continua a usufruir do maior tempo curricular. Estas áreas continuam a ser muito enriquecedoras para o apetrechamento do espaço físico e ricas, quer no conteúdo, como na produção para o embelezamento e qualidade do ambiente educativo, pela variedade e pela alegria e bem-estar que proporcionam.

Na operacionalização das áreas de expressão surge a necessidade de criar espaços específicos, pelos materiais que envolve a sua prática para a sua execução, constituindo essas zonas, espaços onde as crianças diversificam aprendizagens, cooperam e interagem com as diferenças existentes. É nestes espaços pedagógicos que se cria um ambiente de abertura e de grandes possibilidades de trocas culturais, da sua aceitação e do seu respeito. Verificam-se oportunidades de trocas de saberes culturais duma forma informal e de carácter apreciativo, onde se torna fácil a recontextualização desses saberes.

Para que as referidas áreas facilitem e colaborem na implementação da multi/ interculturalidade entre as crianças, espera-se a mudança e inovação nas salas do ensino primário, quer pela presença do professor multicultural, como com a intervenção da formação contínua de professores. São elas a zona do teatro onde as crianças recontextualizam modos de vida da sua comunidade, expandem a sua criatividade e imaginação e também onde cada criança pode representar a personagem que quer, abrindo mais possibilidades para a interculturalidade, mas trabalhada esporadicamente A zona das experiências também se torna essencial para todo o processo ensino-aprendizagem e um bom lugar para optimizar as interacções entre as crianças, um profundo conhecimento e entendimento na diversidade, por desplotar sentimentos de curiosidade e pesquisa, mas inexistente na grande maioria das salas de aula. A área de expressão plástica, não existe como espaço reservado para aquelas actividades. Esta área continua a ser exercida quase como uma “obrigação” de pôr em prática, pelo menos uma área de expressão, pois as outras são quase esquecidas, logo, é operacionalizada, por essa

razão ou para preenchimento de um tempo “morto”. No entanto, a expressão plástica detém um forte papel de suporte e complemento em todas as áreas curriculares e não curriculares, embora continue a ser pouco planeada e organizada.

As zonas pedagógicas já referenciadas, além de possibilitarem a transversalidade e interdisciplinariedade, facilitam, promovem e implementam a interculturalidade, tendo para isso de existir «preocupações de reorganização/recriação de conteúdos e/ou de metodologias e/ou materiais. Estes serão os que se admite poderem contribuir não só para que as propostas de aprendizagem sejam mais adequadas a características, necessidades e interesses daqueles grupos de alunos mas também da afirmação como cidadãos» (Cortesão, 2000: 45).