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Construção da Comunidade Educativa para a Prática Intercultural

A ECOLOGIA DA ESCOLA MULTI/INTERCULTURAL

1 – A ESCOLA PRIMÁRIA PORTUGUESA

1.3. Construção da Comunidade Educativa para a Prática Intercultural

Decorrente das viragens sociais da pós-modernidade que se reflectem nas suas variadas vertentes, é na educacional que urge alguma alteridade de conceitos assim como o ressurgimento de outros.

Se se considerar a escola como um espaço relacional, onde coabita uma microsociedade (alunos) que reproduz e reflecte a microsociedade onde se insere, depreende-se que as contínuas alterações da sociedade não passam indiferentes à escola e às suas funções pelo seu permanente cruzamento. É nesta lógica que «a reinvento da comunidade é uma tarefa na ordem do dia e vai tendo lugar de múltiplas formas» como refere Santos (cit. por Stoer e Cortesão, 1999: 51). Nesta altura espera-se que as escolas se organizem em comunidades educativas, porque «se as políticas públicas têm uma inevitável dimensão estrutural, elas fazem o sentido pleno no seu cruzamento com as políticas da escola» (Sarmento, 1998: 47).

Entendendo-se que comunidade educativa se define como «uma organização/instituição educativa dotada de autonomia relativa que procura estabelecer entre os seus membros um sistema de interacções assente numa partilha de valores e objectivos, construindo assim uma base de comunicação intersubjectiva» (Sarmento e Ferreira, 1995: 349), faz com que esta nova concepção de vida escolar assuma, concomitantemente, características pedagógicas e organizacionais, parecendo ser o modelo que melhor poderá responder à diversidade e pluralidade social que frequenta a escola.

A referência deste conceito dota-se de grande importância na reconstrução da escola como instituição que se orienta por princípios de autonomia e democracia, onde o leque de actores participativos é alargado na tentativa de conciliar e moderar entre o local e o global (Giddens, 1996; 2000; Santos, 2001) com o intuito de manter a identidade local mas em convívio com a globalização, processo esse, onde a escola tem de fazer uma «gestão

controlada» (Stoer e Cortesão, 1999: 22), impedindo fundamentalismos identitários, por um lado, e rebater o poder homogeneizante do global por outro, em que a escola se tem de dotar de autonomia «em relação ao sistema e à administração central, pois são as situações concretas da aprendizagem que vão determinar os conteúdos e os processos educativos» (Fernandes, 1997: 2).

É no quadro da existência da multiculturalidade e da valorização das diferenças que se fundamenta e ganha sentido esta ideia organizacional e pedagógica de comunidade educativa, essencialmente por favorecer «o aparecimento de experiências alternativas e a edificação de organizações escolares assentes numa lógica de acção interactiva, institucional e localmente inserida e potenciadora de um forte sentimento de pertença» (Sarmento e Ferreira, 1995: 357) e por ser nas formas comunitárias que se fundam «as novas energias emancipadoras» (Santos, 1996: 226), donde sobressaem a socialização, a efectiva participação cívica e a democracia participativa de toda a comunidade envolvida e interessada na escola e no seu quotidiano, onde se criam «articulações horizontais entre a escola e o território ou contexto propondo o reforço destas ligações e a redução das dependências verticais dominantes nos sistemas educativos modernos» (Fernandes, 1997: 2).

Com a formação de verdadeiras comunidades educativas, certamente que será com maior facilidade que a escola rompe e abandona modelos de ensino-aprendizagem mais tradicionais, até porque, «as modificações em curso nos métodos e programas educativos são em igual medida um produto das mudanças na situação social e um esforço para satisfazer as necessidades da nova sociedade que está a formar-se» (Dewey, 2002: 18). A comunidade educativa assume-se, precisamente, como um «novo modelo de escola, caracterizado por promover um processo de partilha de poder entre todos os actores educativos designadamente os professores, pais, alunos e membros da comunidade local em torno de um projecto educativo construído em condições de autonomia» (Sarmento e Ferreira, 1995: 354).

É com a Lei de Bases do Sistema Educativo que surge a abertura para a constituição de comunidades educativas, onde cada escola tem a possibilidade de, com a sua comunidade escolar, abrir as suas portas e convidar, não só as famílias, mas também outras entidades da comunidade envolvente, para que, em perfeita parceria, constituam a sua comunidade educativa e construam o seu próprio Projecto Educativo, fundamentado e desenvolvido em torno dos seus interesses e características culturais específicas. É neste ponto que a escola usufrui de autonomia relativa e tem possibilidades de abandonar o «”sistema de repetição de informações” para o modelo de funcionamento como “sistema de produção de saberes”, isto é, da lógica de consumo para a lógica de produção, que dá a medida de adequação da instituição escolar ao

contexto social e cultural, diversidade dos alunos, às suas experimentações, saberes e interesses» (Id., Ib.: 374).

Uma escola dotada de autonomia, embora relativa, é com certeza capaz de atender a multiculturalidade e desenvolver estratégias para a prática intercultural, atendimento esse que é enformado pela participação, partilha, comunicação e democracia dos intervenientes. No contexto da participação das famílias e outros elementos da comunidade circundante à escola, a existência de comunidades educativas justifica-se plenamente, essencialmente pela intervenção e cooperação partilhada entre comunidade/escola e a possibilidade de fazer a construção da ponte entre essas duas culturas, como referem Stoer e Cortesão (1999). Em todo este processo de construção das referidas pontes, as crianças tornam-se nas fortes potenciadoras dessas mudanças por viverem, ao mesmo tempo, na sua comunidade cultural e na sua comunidade escolar, encontrando-se pois numa posição de mediadores entre as duas culturas, como peças fulcrais na construção do puzzle comunitário, pela sua simultaneidade de vida.

Sintetizando, as comunidades educativas regem-se «pela prática de uma racionalidade comunicativa, onde se conjugam reflexões e sentimentos intercombinados entre alunos e professores, e onde tem lugar a livre decisão sobre as disputas e dissensos, no quadro de dispositivos reguladores que apelem à participação, podem realizar-se contextos educativos comunitários, caracterizados pela mobilização democrática em torno da construção das renovadas dimensões da escola pública de massas» (Sarmento, 1998: 48) tornando-se numa excelente possibilidade de perceber e praticar a interculturalidade e assim consagrar os direitos das crianças que são os actores centrais de todo o acto educativo, ou seja, constituir-se como «um sistema permanente de trocas» (Fernandes, 1997: 2).

É perante esta realidade pedagógica que os professores se constróem multiculturalmente e abandonam «uma espécie de miopia pedagógica que os impede de reconhecerem os alunos que têm à sua frente» (Magalhães, 1998a: 6).