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A (RE)CONSTRUÇÃO DO AMBIENTE EDUCATIVO DA SALA DE AULA E A EDUCAÇÃO MULTI/INTERCULTURAL

5. A sala de aula é a outra casa das crianças

5.1. As produções das crianças

O referido sentimento de pertença e identificação das crianças, relativamente ao ambiente físico da sua sala de aula, parte do seu conteúdo se este for constituído, essencialmente, pelos seus próprios trabalhos e produções.

«A reconstrução da minha sala é permanente, ora se cria mais um canto, ou seja, um espaço para determinada actividade que surgiu no desenvolvimento dum projecto, mas isto já é mais espaçado,

agora o que acontece, umas duas a três vezes por semana é a alteração do que preenche as paredes e placares. P`ra estes espaços só vão trabalhos das crianças, que podem surgir das diversas áreas curriculares e não curriculares em cruzamento com a área de projecto. Vêem-se ali muitos trabalhos escritos mas também muitos de expressão plástica. Às vezes está tudo cheio mas surgem mais trabalhos e os miúdos não os querem guardar, se não só eles é que os vêem e então eles dizem, logo: - Professora, tiram-se esses e pomos estes, agora estes já estão melhores, ou ... a minha mãe já viu esses, agora quero pôr este que se calhar ela vem cá... é assim, eles propõem e faz-se de acordo com a sua vontade... muda-se e eles dizem – Ah, já está diferente a sala ... que bonita! Isto é maravilhoso...» (Prof. Ana, EB1 da Nova Cidade).

Constata-se que os espaços físicos vazios, da sala de aula são preenchidos, constante e exclusivamente por criações das crianças. Esses trabalhos derivam das várias áreas curriculares e não curriculares e advêm das propostas de mudança inferidas pelas crianças nesse mesmo espaço.

É a partir do reconhecimento daquilo que surge e resulta dos seus projectos e actividades, que depois é transposto para a exposição nas paredes e placares, que posteriormente as crianças se valorizam ou criticam mutuamente, pela apreciação dos trabalhos de cada um. É dentro deste procedimento continuado, entre pares, sob a orientação do professor, que as crianças desenvolvem a sua capacidade crítico-reflexiva duma forma construtiva e producente, incitando cada aluno à melhoria progressiva, quer ao nível das aprendizagens programáticas como de cidadania.

«As crianças são muito críticas umas em relação às outras, por isso é necessária a presença atenta do professor para não deixar que elas por vezes exagerem ou sejam indelicadas, há que construir a sua personalidade e carácter dentro dos limites do respeito e igualdade, porque se o professor estiver ali sempre a orientar, eles fazem críticas construtivas, simpáticas e eles aceitam e gostam muito das críticas dos colegas e isso, penso eu, ajuda-os a crescer como pessoas e nas aprendizagens curriculares, gera-se uma pequena competição saudável que conduz à evolução académica, a utilização do espaço físico, para exposição dos seus trabalhos, ajuda-os a tomar consciência das suas falhas e por isso ao esforço e vontade de melhorar» (Prof. Celina, EB1 da Nova Cidade).

Torna-se fundamental para a evolução das crianças como alunos e como cidadãos que o espaço físico da sua sala de aula reflicta a sua vida ali dentro, acabando esta por, tacitamente, traduzir a sua vida no exterior, na família e na comunidade. Neste sentido justifica-se completamente que a construção da aparência da sala aconteça a partir das suas propostas e dos seus interesses, pois só assim reflecte fielmente as características daquele grupo e de cada um, o

seu modo de vida escolar. É por isso fundamental que as alterações de mobiliário e organização da sala seja conduzida pelas crianças, em parceria com o professor mediador e multicultural, e os cenários envolventes possam ser revestidos pelas produções das crianças, para lhes proporcionar o fácil visionamento e concomitante reflexão sobre os seus “adereços”, identificando-se e sentindo esse ambiente que os cerca, de forma afectiva e familiar.

«Para as crianças também se torna muito importante a opinião dos pais, ... a primeira coisa que os miúdos fazem, quando os pais entram na sala, é mostrar-lhes os seus trabalhos, e ... normalmente recebem um elogio e ficam na maior alegria, isso estimula-os a fazer melhor, sentem-se recompensados e isso reflecte-se na parte curricular, porque muito do que ali está exposto é trabalho de português, eles é que nem se apercebem disso...»(Prof. Marta, EB1 da Nova Cidade).

É proposta pós-moderna que a escola, dentro de cada sala de aula, trabalhe na construção do seu espaço físico, necessariamente através das produções das crianças, sejam individuais ou em grupo, através da imagem ou da escrita, trabalhos unidimensionais ou tridimensionais e se possível multirreferenciais por, implicitamente, transpirarem diversas possibilidades de aprendizagens.

É assim que se propõe a reconstrução do ambiente físico das salas de aula de forma permanente, para suscitar aprendizagens novas e diversas, e por manter o espírito criativo das crianças sempre desperto e atento, possibilitando uma postura cada vez mais interventiva, questionadora e argumentativa. É a partir desta abordagem que as crianças melhor identificam diferenças entre os pares, as reconhecem e aceitam como válidas e importantes a partir duma convivência saudável e despreconceituosa, entrando num processo de alteridade sociomoral. É neste contexto de vida escolar que o professor multicultural agencia para organizar a sala de aula e os seus cenários através de mensagens, umas implícitas outras explícitas, mas latentes, que pelo processo de reconstrução e renovação da sala, fisicamente, interferem nos valores e atitudes da infância de forma multi/intercultural.

«Este trabalho do recurso ao espaço físico, embora não seja planificado, em termos da educação multicultural, certamente que resulta, porque recorre-se à imagem e nestas questões das diferenças, as imagens falam mais forte do que as palavras e as crianças adquirem mais rápida e eficazmente estas questões» (Prof. Célia, EB1 de Vale Verde).

É perante este procedimento e assunção da importância da reconstrução do espaço físico das salas de aula que as crianças são respeitadas na sua condição de categoria social específica e

por assim dizer, no cumprimento dos seus direitos. A sala de aula, recorrendo a este dispositivo, que também é pedagógico, concilia-se duplamente com o exercício do ofício de criança (Sarmento, 2002) e do ofício de aluno (Perrenoud, 1986), como se defende no ponto 5 do II Capítulo.

As professoras da escola urbana continuam a ter opiniões mais fundamentadas, sobre a importância do espaço físico da sala de aula ser apetrechado com trabalhos elaborados pelas próprias crianças, por as ajudar a progredir como cidadãos e como alunos pelo empenho verificado na parte curricular a partir da intervenção visual.

«Não sei se o recurso ao espaço físico da sala resulta nas aprendizagens, principalmente nas mais importantes, ... são coisas que eles já conhecem e se calhar nem dão muita importância, ... embora ... claro que todos gostam de ver a sua casa linda, logo também é agradável ter a sala sempre diferente, mas isso gasta muito tempo e não sei ... » (Prof. Amália, EB1 da Ribeirinha).

Denota-se que as professoras das escolas, localizadas em zona rural, ainda não reconhecem, verdadeiramente, a importância desse dispositivo físico extremamente útil, pois se por um lado é compensador para o trabalho levado a cabo pelas crianças ali dentro, por outro incentiva-os para continuar a melhorar, a consolidar aprendizagens e a interagir interculturalmente.