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Constrangimentos à Educação Multi/Intercultural na Escola Primária

A ECOLOGIA DA ESCOLA MULTI/INTERCULTURAL

1 – A ESCOLA PRIMÁRIA PORTUGUESA

1.2. Constrangimentos à Educação Multi/Intercultural na Escola Primária

Reconhecem-se efectivamente alguns constrangimentos patentes na realidade da escola primária e que se transformam em obstáculos à Educação Multi/Intercultural.

Uma situação que actualmente suscita alguma discussão e preocupação é a dispersão da rede escolar e o encerramento das escolas rurais, que a maior parte das vezes é naturalmente, até à saída da última criança. Nos meios rurais há casos de certa forma flagrantes, depara-se com

escolas isoladas geograficamente, de lugar único e com um reduzido número de alunos, muitas há com menos de 10 crianças e algumas com 2 e até 1 só aluno (Costa e Soares, 2004). Esta realidade deve-se aos constantes movimentos populacionais que têm contribuído para a desertificação das aldeias e originado uma forte redução da população escolar. A extinção desses estabelecimentos de ensino vem constituir escolas de maior dimensão e com um maior agrupamento de crianças «visando construir, numa lógica de custo-benefício, ou de acordo com parâmetros pedagógicos inspirados na melhoria de práticas de ensino através do favorecimento de condições de socialização dos alunos em contextos mais alargados, unidades organizacionais mais vastas com o aperfeiçoamento das condições materiais em que se realiza a educação» (Sarmento; Sousa e Ferreira, 1998: 42). Embora o fecho das escolas unitárias possa condicionar e limitar a participação das famílias na nova escola, favorece a interculturalidade pela heterogeneidade e pela possibilidade do trabalho cooperativo. Pois é verdade que em escolas com reduzido número de alunos, certamente as diversidades sociais, étnicas, religiosas, ou outras, serão mais raras, daí as escassas oportunidades de constatar, aprender, partilhar e conviver com as diferenças; é sabido que as questões multiculturais não podem ser trabalhadas em abstracto, para construir valores e princípios de rejeição ao preconceito e às barreiras culturais, tem de haver contacto experiencial para inculcar desde cedo nas crianças a valorização das diferenças como verdadeiros potenciais para a sociedade multicultural dos dias de hoje.

A mobilidade docente, é outro aspecto organizacional da escola primária que contribui para a degradação da qualidade do ensino, por ser «um fenómeno de instabilização, em grande medida promovido pelo Estado, que prejudica a relação de continuidade educativa entre professores, alunos, pais e comunidade local» (Formosinho, Ferreira e Ferreira, 1998: 53). Além de provocar descontinuidade de práticas pedagógicas, arrasta implicações na construção de pontes entre a escola e a comunidade, e sobretudo, no reconhecimento da multiculturalidade existente, impossibilitando a execução do projecto multicultural e a prática intercultural. Todos estes constrangimentos impedem a construção do professor multicultural e da optimização do plano de formação professores em prol da recontextualização da multiculturalidade.

É de acentuar que quando o processo ensino-aprendizagem é interrompido pela mudança de professor, há descontinuidade pedagógica e relacional, surgindo possíveis quebras e rupturas nas relações já alicerçadas entre professor/alunos/pais/comunidade. Urge rever as actuais modalidades dos concursos dos professores e reestruturar o parque escolar. Assim, será mais fácil criar condições para exercer uma pedagogia multi/intercultural que por sua vez, se envolve de aprendizagens cooperativas.

A ligação entre pré-escolar, ensino primário e 2.º ciclo também não é coerente, verificando-se uma «compartimentação institucional» (Formosinho, 1998: 26), o que revela também alguma descontinuidade educativa, parecendo que cada instituição é auto-suficiente e se organiza isoladamente.

A pouca articulação entre o pré-primário e o primário situa-se, principalmente, ao nível dos modelos pedagógicos e curriculares, ou seja, enquanto que no pré-escolar é frequente constatar a utilização, por parte das educadoras, de modelos pedagógicos interactivos, abertos e flexíveis, essa atitude, por parte dos professores primários, é tomada muito isoladamente. Na assunção desta postura interferem as mentalidades dos profissionais envolvidos, educadora/professor.

Quanto à ligação do primário ao 2.º ciclo, a descoordenação situa-se mais ao nível da uniformização do primário e da fragmentação do 2.º ciclo, pois se o primário é operacionalizado por um só docente, o 2.º ciclo tem um professor para cada disciplina, embora se concorde que «a monodocência deve ser mantida, porque é a via mais adequada para concretizar a globalização, que a iniciação às aprendizagens deste nível de ensino implica, mas deve ser apoiada através de professores especializados» (Formosinho, 1998: 31), principalmente nas áreas de expressão, iniciação a uma língua estrangeira e novas tecnologias, na perspectiva de esbater este constrangimento da ligação entre ciclos. Era bom transformar a monodocência em pluridocência globalizante, com valências diversificadas no seio de uma equipa educativa, numa tentativa de poder implementar, efectivamente, a educação multi/intercultural, não duma forma compartimentada, como área curricular, mas duma forma transversal e interdisciplinar.

Há outra realidade emergente da vida pós-moderna que é a formação das famílias, que nalguns casos são monoparentais, noutros, ambos os progenitores trabalham fora de casa, realidade predominante nos meios semi-rurais e urbanos, onde o tecido social é bastante urbanizado, industrializado e mediatizado, o que “obriga” a escola actual a adaptar-se a esses modos de vida, impondo-se a articulação de serviços e recursos numa perspectiva de educação básica, promovendo as parcerias educativas, ou seja, definir «a educação como política social» (Sarmento, 1998: 46). A escola de hoje tem de funcionar a tempo inteiro para se ajustar aos horários de trabalho das famílias e ao seu modo de vida. Já é frequente encontrar escolas com respostas às necessidades das famílias, relativamente à guarda dos filhos após o horário escolar, pois «para que a escola primária cumpra a sua função pedagógica na sociedade avançada e pós- moderna actual, é essencial uma mudança organizacional que permita a criação de construções e concentrações escolares que viabilizem, em termos de segurança, de concentração de recursos,

de pessoal humano especializado, a oferta dos equipamentos e materiais informáticos e audiovisuais necessários à educação nos tempos de hoje» (Formosinho, 1998: 28).

Actualmente as escolas tendem a constituir-se em escolas como comunidades, contribuindo para isso a fixação do corpo docente, possibilitar às escolas primárias aquilo que ainda não lhes é facultado que são recursos financeiros, equipamento e material didáctico para poder construir e operacionalizar projectos e actividades que muitas vezes são pensados mas não executados, por parecerem inexequíveis ou utópicos, onde se incluem os projectos multi/interculturais.