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A ESCOLA PRIMÁRIA COMO CAMPO DE INVESTIGAÇÃO: ORIENTAÇÕES METODOLÓGICAS

4. Contexto da Investigação: Os Casos

A investigação sobre a organização e reconstrução do ambiente educativo das salas de aula, assim como o recurso (ou não) a este para as aprendizagens das crianças, que se vai apresentar na segunda parte, é formada por dois estudos de caso etnográficos em escolas do 1º ciclo do ensino básico. Estes estudos decorreram no ano lectivo 2003/2004, tendo-se dado início ao trabalho de campo no mês de Janeiro e decorrido até ao final do mês de Julho. Antes de ter iniciado o trabalho de campo, propriamente dito, muitos contactos se fizeram e muitas visitas aconteceram para preparar o acesso ao terreno a investigar, conquistar a total confiança e disponibilidade de todos os actores a envolver. A devolução dos escritos, para apreciação e aprovação por parte dos seus autores orais, foi demorada, tendo excedido temporalmente a data dada como fim de permanência do investigador no terreno.

As problemáticas que serviram de ponto de partida para a investigação resultaram na selecção de três escolas, embora duas delas constituam um só caso, pois ambas se enquadram em contextos e ambientes com características muito parecidos, dado serem as duas rurais, a 6 Km. de distância uma da outra, com uma população escolar e uma estrutura organizacional e práxica muito semelhantes.

A partir da análise dos dados pretende-se exercer contrastes entre essas escolas através do cruzamento de informação, e dessa forma, estabelecer aproximações e/ou afastamentos, (dis)semelhanças, ou seja, através das singularidades, desocultar dinâmicas e lógicas de acção nas escolas primárias, como afirma Sarmento (2000a).

A investigação decorre numa escola de meio urbano e incide sobre quatro salas de 1º ciclo e também em duas escolas de contexto rural, com duas salas cada uma, portanto o mesmo total de quatro salas.

Primeiramente faz-se a descrição de cada escola, separadamente, para de seguida se proceder ao «estudo contrastivo» (Sarmento, 2000a: 250) das problemáticas em questão, contrastar meio rural com meio urbano e a vida escolar, e nesta o papel desempenhado pelo

ambiente educativo como recurso pedagógico em favor da diversidade cultural concomitante com as aprendizagens educativas.

O primeiro factor a pesar na escolha destas escolas foi a facto de as conhecer previamente assim como parte do seu corpo docente, razão que em muito contribuiu para o acesso ao terreno e à selecção dos informantes, transformando-se em fortes possibilidades de criar condições para uma investigação colaborativa (Woods, 1987; Goetz e LeCompete, 1988; Sarmento, 2000a) pela necessidade de permanecer nas salas de aula, observar resultados de práticas pedagógicas e ambientes educativos, questionar diversas vezes e mesmo assim, contar permanentemente com a disponibilidade e colaboração de todos os actores envolvidos. Esta hermenêutica interrelacional investigador/sujeitos também foi fruto de um plano ético e colaborativo traçado no início da investigação que sempre foi cumprido impedindo possíveis sobressaltos. Esta assunção de compromissos investigativos teve continuidade aquando da apreciação dos seus relatos e outros dados recolhidos, assim como da interpretação e divulgação pública do que se havia investigado. Tanto o nome das escolas, como dos professores participantes no estudo, foram salvaguardados pelo anonimato, que surgiram no texto final com pseudónimos por eles escolhidos ou pelo investigador, após vontade assim expressa pelos actores. O texto final foi discutido crítica, reflexiva e colaborativamente entre eles e o investigador.

Assumindo que as três escolas seleccionadas se vão tomar como dois casos etnográficos será, principalmente, a situação sócio-geográfico distinta (rural e urbana), a razão que contribuiu para essa opção e assim, perceber de que modo esta diferença influencia ou não atitudes e práticas educativas e ainda, que concepção os professores fazem do ambiente físico das salas de aula, como o aproveitam e reconstróem em benefício do processo ensino- aprendizagem e da Educação Multicultural.

É chegada a altura de descrever as escolas seleccionadas duma forma sucinta: A

Escola da Ribeirinha é uma escola rural, localizada num vale entre a serra da Cabreira e a do

Gerês, junto ao rio Cávado e à estrada nacional n.º 103. É um edifício que ultrapassou recentemente as duas décadas de construção e é do tipo R1, com duas salas e respectivas casas de banho e um anexo pegado à escola onde funciona o serviço de refeitório. O seu logradouro é espaçoso mas em terra batida. Esta escola é frequentada por 28 alunos, onde trabalham duas professoras (uma do quadro geral, outra contratada) no ensino regular e uma outra em apoio educativo, esta do quadro de zona pedagógica, três dias por semana. Há uma auxiliar da Acção Educativa. Este estabelecimento de ensino funciona em regime normal e é sede dum Conselho de Docentes, que é constituído por mais duas escolas primárias, dois jardins de infância e um

EBM, no seu último ano de funcionamento. Esta escola, assim como todas as do conselho, está apetrechada com computador ligado à Internet, impressora e um telefone. O seu Projecto Educativo encontra-se no último ano de execução, pois foi construído para três anos, e intitula- se “À descoberta da Serra da Cabreira”.

Esta escola, por estar num contexto rural, revelou-se importante para esta investigação. Primeiro por incluir, na sua comunidade educativa, um número significativo de famílias com um nível social, económico e cultural baixo e desestruturadas, apresentando problemáticas sociais como a pobreza, maus tratos e violência doméstica, razões que afectam as crianças e se reflectem nas suas aprendizagens pouco sucedidas, assim como em toda a vida da escola, Há ainda um grupo de seis crianças, que frequenta esta escola, vindas de famílias disfuncionais que estão matriculadas nesta escola pelo Centro Social de Acolhimento da localidade sendo aí colocadas pelo Tribunal de Menores. Estas crianças vêm e vão, raramente ali estão mais de um ano lectivo e chegam em número variado, em qualquer altura do ano escolar e de qualquer região da zona norte do país. Foi o enfoque da diversidade cultural aqui existente que levou à sua selecção.

A Escola do Vale Verde dista da anterior cerca de 6 km. tendo a mesma situação

geográfica. É um edifício com construção do Plano Centenário e a funcionar há cerca de três décadas. Tem três salas, duas no rés-do-chão e uma no 1.º andar com acesso por umas escadas interiores. Duas são utilizadas pelo 1.º ciclo e na outra funciona o Jardim de Infância. A escola primária tem 23 alunos e estão aqui colocadas duas professoras do 1.º ciclo, uma do quadro geral e outra do quadro de zona pedagógica, pertencendo também a este quadro a docente de apoio educativo que aqui exerce funções dois dias por semana, perfazendo o seu horário de trabalho (três dias na Escola da Ribeirinha e dois na do Vale Verde). Esta escola tem ainda uma auxiliar da Acção Educativa e beneficia do mesmo equipamento de novas tecnologias de informação referidas na anterior. Pertence ao Conselho de Docentes da Ribeirinha e funciona em regime duplo da manhã por não haver cantina e por algumas crianças habitarem bastante longe da escola. O seu Projecto Educativo é o mesmo da Ribeirinha.

O quotidiano desta escola suscitou interesse para este estudo, e daí a sua escolha, pelo facto de há alguns anos a esta parte ser frequentada por crianças de nacionalidade alemã, crianças que não dominam a língua portuguesa e têm alterado o dia-a-dia desta escola, quer pelas suas particularidades como das suas famílias.

A Escola da Nova Cidade é uma escola urbana da região do Minho, é frequentada por

220 crianças que estão divididas em 9 turmas, a funcionar em regime normal. O edifício desta escola é do tipo P3, as salas eram de área aberta, com comunicação entre si, duas a duas.

Actualmente estão fechadas, portanto isoladas com paredes e portas. Este edifício tem 10 salas mas só 9 são utilizadas para docência, pois uma foi autorizada, no âmbito dum projecto, pela Direcção Regional de Educação do Norte, para a construção de uma biblioteca e audiovisuais. Trabalham aqui 9 professoras, 6 delas pertencentes ao quadro geral e três ao de zona pedagógica, tem duas auxiliares da Acção Educativa e duas tarefeiras. Esta construção é adequada à acção pedagógica, é um edifício que se encontra bem conservado e bem apetrechado em termos de equipamento e material didáctico, só necessita, no dizer das professoras, de um espaço coberto para trabalhar a área de expressão física convenientemente e para os recreios em dias de chuva. Tem serviço de cantina e ATL (actividades de ocupação dos tempos livres). Existe uma Associação de Pais bem consolidada e dinâmica que colabora fortemente com a escola e suas actividades.

Escolheu-se esta escola por incluir na sua população escolar todos os estratos sociais, (baixo, médio e alto) e acima de tudo, pela sua reconhecida inovação pedagógica e dinâmicas de acção. É uma escola que se envolve em vários projectos através das suas crianças e que utiliza uma metodologia de trabalho inovadora (Metodologia de Projecto) que em muito tem contribuído para o reconhecimento pedagógico deste estabelecimento de ensino na cidade. É uma escola que já há algum tempo está associada à formação inicial de professores, tendo 80% do seu corpo docente estável e todo ele já possuir a formação especializada (CESE). O facto de há cerca de três anos, em parceria com a Associação de Pais, ter sido criado o ATL e todos os serviços que ele encerra, tem sido uma mais-valia no apoio às famílias que após as actividades lectivas, continuam a deixar os seus filhos na escola até às 18 h. e 30 m.. O Projecto Educativo desta escola denomina-se «Nós e a Cidade» e como este é construído para execução de todas as escolas do Agrupamento, as professoras da Escola da Nova Cidade contextualizam-no à sua comunidade educativa e operacionalizam-no através de temas integradores que são negociados com as crianças e desenvolvidos dentro da metodologia pedagógica aí praticada.

A vida do investigador nos contextos de acção teve três fases, o acesso, a permanência e o abandono, descrevendo-se agora somente a primeira. O acesso fez-se em duas reuniões do Conselho de Docentes, sendo que na primeira foi esclarecido o porquê do interesse naquelas escolas, assim como o que se pretendia em termos investigativos, fazendo-se imediatamente a selecção dos informantes-chave. Numa outra, foi fornecida a cada participante um pedido, por escrito, de autorização onde se incluíam todos os passos da investigação, assim como um protocolo com os princípios de colaboração entre investigador e investigados. A autorização foi dada de imediato, também ela por escrito. Seguidamente procedeu-se da mesma forma relativamente aos respectivos Conselhos Executivos. Por último, fez-se o pedido à Direcção

Regional de Educação do Norte que respondeu com brevidade e positivamente. Autorização essa que depois foi distribuída a todos os professores envolvidos.