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De Professor Monocultural a Professor Multicultural

4. EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE CULTURAL

4.4. De Professor Monocultural a Professor Multicultural

No dizer de Stoer e Cortesão (1999), o professor monocultural (ou “daltónico cultural”) e professor multicultural poderão ser tidos como “tipos-ideais”, de acordo com o contexto de trabalho, mais ou menos diversificado.

Pode afirmar-se que o professor monocultural foi o primogénito na prática educativa e na «verdade, pode dizer-se que todos os professores são, até certo ponto, mono e inter/multiculturais (isto é, como protagonistas do processo educativo são, por um lado, «portadores» da cultura nacional e, por outro, «obrigados» - lembra-se aqui a chamada «educação compensatória» - a olhar a diferença)» (Id., Ib.: 46).

Como no campo educativo nada é estático mas dinâmico e embora «espartilhada entre múltiplas determinações estruturais, a escola é o lugar que encerra possibilidades de consciência, reflexividade e agência humana» (Magalhães, 1998b: 111), espera-se que os seus actores educativos, na pessoa do professor, se mantenham em permanente “construção”. Construção essa suscitada pela especificidade do contexto de trabalho, das características da população escolar e da comunidade envolvente. É neste cenário que o professor precisa ter o

discernimento suficiente para dar respostas adequadas à diversidade existente na escola e na comunidade que a serve, adequação essa, que impele o professor monocultural a evoluir para o tipo multicultural, construindo-se progressivamente. Pois se o professor monocultural mantém «o olhar passivo sobre a diferença, lendo-a como algo que é necessário corrigir, como um olhar que a reconhece sem a querer conhecer», o multicultural adopta a «educação inter/multicultural não só como filosofia educativa mas também como projecto a realizar nesta época de globalização» (Stoer e Cortesão, 1999: 46).

Actualmente, as políticas educativas propõem “a escola para todos” e a “igualdade de oportunidades” para todas as crianças, mas na realidade, só se verifica o cumprimento da primeira proposta através da obrigatoriedade de sua frequência escolar a partir dos seis anos de idade. Como a sociedade pós-moderna é fragmentada, por encerrar várias culturas torna-se complexa pela sua interacção, mas sendo a escola, o lugar onde a reprodução dessa sociedade acontece, impõem-se desafios a si própria e aos professores. Daí, a segunda proposta, a escola para todos, só se traduzir em eficácia no acesso mas não no sucesso para todas as crianças. A sua implementação só será efectiva e equitativa quando assumida pela escola e professores como um processo a percorrer na diferença, na individualidade e na heterogeneidade, a bater-se constantemente pela permanência e sucesso das crianças na escola.

É neste âmbito de resposta à igualdade de oportunidades para todos que emerge o professor multicultural que se reconstrói de uma forma crítica e consciente, que só através da sua agência educativa, na defesa da «emancipação cultural e da reconstrução social – igualdade para viver e diversidade para conviver» (Peres, 2000: 282) surtirão repercussões multiculturais na reprodução social e cultural do futuro, tornando-se assim, em mais um recurso pedagógico ao serviço da verdadeira igualdade não só no acesso mas, principalmente, no sucesso de todas as crianças.

Esta coerência só será possível quando o professor multicultural-crítico for capaz de analisar as margens do rio onde actua, (sendo elas a comunidade e a escola) para construir a ponte segura, sólida e duradoura numa base de colaboração e flexibilidade e com as crianças como mediadores desse diálogo. A construção dessa ponte tornar-se-á num forte contributo para o exercício da autonomia relativa, permitindo ao professor tornar-se num gerador de «possibilidades de intervenção contra-hegemónica» (Stoer e Cortesão, 1999: 28) e assim, deixar de ser somente um veiculador do Estado.

Como as realidades escolares e os seus contextos de vida são muito diversificados, espera-se professores analistas, multiculturais-críticos e promotores de práticas adequadas a cada realidade, defendendo «a descentração da escola – a escola faz parte da comunidade;

criação de laços entre a escola, família e a comunidade local e global» (Peres, 2000: 282), ou seja, como não há receitas práxicas pré-definidas, será o professor, no seu papel de actor multicultural, a reflectir sobre a constituição das margens do rio para a construção da ponte, numa base de respeito, essencialmente, pelos direitos das crianças.

É neste percurso que o professor mono se constrói em multicultural, assumindo uma posição crítica relativamente à pluralidade e posicionando-se numa “política da diferença”, em que o objectivo da educação por si veiculada é fazer decrescer o imperialismo da escola e da cultura dominante, transformando a Educação Multicultural num espaço de produção e construção de saber a partir das crianças, de uma forma tácita mas consciente e crítica. É neste sentido que o professor multicultural detém um papel de destaque no processo ensino- aprendizagem, através da assunção profunda da “política da diferença”, «política essa capaz de favorecer a multidimensionalidade (entendida como o compósito dinâmico de variáveis como classe social, género e etnia) e o interrelacionamento entre estrutura e cultura» (Stoer e Cortesão, 1999: 45).

O professor multicultural-crítico transforma-se mental e pedagogicamente porque trabalha em função da diversidade sem subverter a verdadeira função da escola, que tem de: 1- transmitir a parte curricular que prepara as crianças com conhecimentos que a sociedade lhes vai exigir, 2- sem folclorizar as diferenças, pois desta forma não há a assunção consciente do respeito pela diferença, mas sim, por o que ela tem de mais proporcionador de boa disposição e ainda, 3- com a preocupação de não guetizar as diferenças como menores, ou seja, «aumentar a consciência de incompletude cultural até ao seu máximo possível» (Santos, 1997: 22) .

Se o professor monocultural se norteia pela «democracia representativa: vontade da maioria e exclusão de minorias» (Peres, 2000: 281), o multicultural caminha em «busca de um equilíbrio dinâmico, entre os dois conceitos da cidadania» (Stoer e Cortesão, 1999: 48), democracia representativa e participativa, onde cada um possa ter voz e lugar para a(s) sua(s) diferença(s), intervindo e participando através da «hermenêutica diatópica» (Santos, 1997) com o intuito de ampliar ao máximo a dita «consciência de incompletude mútua através de um diálogo que se desenrola, por assim dizer, com um pé numa cultura e outro, noutra» (Id., Ib.: 23).