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Espaço escolar da modernidade versus espaço educativo da pós-modernidade

A (RE)CONSTRUÇÃO DO AMBIENTE EDUCATIVO DA SALA DE AULA E A EDUCAÇÃO MULTI/INTERCULTURAL

2. Espaço escolar da modernidade versus espaço educativo da pós-modernidade

A escola moderna imbuía-se de grande objectividade e racionalidade, desenvolvendo um trabalho na sala de aula determinado na obtenção de conhecimentos propostos através da deposição/memorização, onde a dimensão humana era desvalorizada e as crianças atendidas somente como alunos.

As salas de aula eram espaços com quatro paredes despidas, mesas em fila, as crianças a escrever e a ler silenciosamente e também a ouvir, onde as relações eram pouco profundas.

No início do século XXI depara-se com salas mais abertas quer aos pais como à comunidade envolvente e organizada fisicamente de forma informal mas intencional, preparada para atender as suas crianças de acordo com as suas diferenças.

«Eu sei que as crianças de hoje são muito diferentes das de antigamente, não sei se é porque as famílias vêem as crianças doutra maneira e vão alargando essas atenções para os professores, se somos nós que já não somos tão exigentes, ... mas hoje as crianças são mais desinibidas, não sei se é por se dar muitas largas que eles são tão difíceis de controlar, o Jardim também veio ajudar um pouco, eles chegam à escola primária com à vontade a mais. Eu ainda tenho as carteiras em fila e os meninos sentados dois a dois, para mim, ... assim eles concentram-se mais e rende mais o trabalho, por isso é raro pôr os meus alunos a trabalhar em grupo, só fazem barulho e não aprendem grande coisa ... também tenho dois anos de escolaridade o que exige mais ordem» (Prof. Guilhermina, EB1 da Ribeirinha).

Das quatro professoras entrevistadas em meio rural, três delas afirmam continuar a dispor as mesas em fila e as crianças sentadas duas a duas, ou mesmo sozinhas conforme a maneira de ser de algumas, como é o caso das mais faladoras que têm de ficar sentadas sozinhas numa carteira. Afirmam ser dentro deste modelo que se sentem mais à vontade na operacionalização do acto educativo e ser desta forma que as crianças obtêm mais rendimento escolar. Aludem ao caso do Jardim de Infância vir facilitar a entrada das crianças na escola primária, principalmente pela função que desempenham na sua socialização, mas também apropria as crianças de condutas que dificultam a sua entrada, principalmente no início, na escola primária, por terem dificuldades em estar sentadas e em silêncio. Também o caso de um só professor ter dois e muitas vezes os quatro anos de escolaridade, torna-se complicado trabalhar em direcção à (re)organização do espaço físico da sala de aula e muito difícil o trabalho de grupo, por isso quase inexistente. O testemunho dado em cima é muito parecido entre as três docentes.

Nesta lógica de trabalho inscreve-se uma docente da escola urbana que tem uma prática docente dentro desta visão de escola. Os seus alunos continuam a trabalhar dois a dois com as mesas dispostas em fila.

«Eu sei que hoje é moda ter as crianças a trabalhar em grupo e nesta escola isso já é muito frequente, .. mas eu não gosto, sentados dois a dois trabalham melhor e eu também os controlo melhor, tenho 25 alunos e se não houver ordem, nem rende o tempo nem a aprendizagem dos conteúdos» (Prof. Filomena, EB1 da Nova Cidade).

Perante estas práticas pode concluir-se que nos dias de hoje, há um certo desfasamento, entre paradigma e práxis pois, embora as crianças sejam pós-modernas ainda há escolas a exercer dentro da modernidade. Os desencontros ainda são frequentes e a realidade não se depara tão igual ao que postula o paradigma da pós-modernidade. As escolas do ensino primário

caracterizadas por práticas e mentalidades modernas, veiculam a monoculturalidade e a uniformidade. Reflexo disso mesmo são as salas de aula, cujo interior e organização física, transmitem, através do seu visionamento, um conteúdo de rotina e monotonia, pelo esvaziamento de apetrechos e dispositivos que revelem dinamismo e aprendizagens típicas da infância, como refere Blásquez Entonado (1989), (p. 2., II Cap.).

Segundo esta perspectiva de escola e prática docente, todo o espaço físico da sala de aula é entendido como um espaço escolar, como sendo aquele que serve e só é utilizado para expor conhecimentos, para serem assimilados direccionalmente e compartimentalizados, estando as crianças votadas a um papel de inércia.

No entanto, também se encontram escolas e professores caracterizados por mentalidades pós-modernas, práticas multiculturais e espaços físicos correspondentes. Desenvolvem todo o processo de ensino-aprendizagem abraçados por modelos pedagógicos que se sustentam na criança activa.

«Os meus alunos estão em grupo desde o início até ao fim do ano lectivo, para mim é assim que as crianças se sentem bem e é como aprendem mais e melhor. Tenho 25 crianças e cinco grupos de cinco. Os grupos não estão sempre com os mesmos elementos, ... umas vezes sou eu que sugiro alterações, por questões pedagógicas, outras são eles, por razões diversas ... por isso, a disposição das crianças e das mesas também faz parte da organização da sala e ajuda na melhoria do espaço físico» (Prof. Ana, EB1 da Nova Cidade).

«O ambiente físico da sala é muito importante para as crianças, facilitando a sua própria aprendizagem, é como nós, se entrarmos numa casa limpa, arrumada, aconchegada, com mobiliário e decoração aprazível, gostamos de lá estar e queremos tê-la sempre bem arranjada, não é? ... pois com a sala de aula é a mesma coisa, as crianças é que têm de a organizar, decorar e alterar no que diz respeito aos materiais, ao que ela tem lá dentro, ... só quando a sala está ao gosto das crianças é que ela, implicitamente, sugere e facilita as aprendizagens e à aquisição de valores e atitudes no que se refere à cidadania» (Prof. Celina, EB1 da Nova Cidade).

Pode afirmar-se que três das professoras de meio urbano e uma do rural apostam numa escola flexível e assumem a criança como o enfoque da escola e das suas práxis, vendo na construção do espaço físico da sala de aula e seu conteúdo, onde incluem a disposição das mesas para nesta interagirem as crianças, como componente da parte física da sala, essencial para a igualdade de oportunidades e do sucesso escolar de todos. Inferem ainda que um espaço físico apetrechado, de acordo com os interesses das crianças, dos seus gostos e necessidades e

da sua colaboração e participação directa, desperta a motivação e a disposição para as aprendizagens, principalmente as curriculares e de cidadania.

Quando os professores valorizam, desta forma, a construção do ambiente físico das salas de aula, através do contributo das crianças, este espaço define-se como espaço educativo, por funcionar para a vida na sala de aula e ser o resultado dessa vida.

É nesta argumentação que se distingue espaço escolar e espaço educativo. Assume-se o espaço escolar como sendo a sala destinada a receber alunos que se sentam para receber ensinamentos e impossibilitados de interagir e cooperar. A sala não é mais que um espaço físico neutro, completamente desnudado de tudo o que é necessário para as crianças desplotarem vontade e interesse pedagógico.

O espaço educativo é a sala de aula onde a imagem usufrui de grande destaque e se transforma num forte veículo de mensagens, tornando-se então o espaço físico num indutor de motivação e catalizador duma categoria social (infância) que espera uma escola despertadora de curiosidades, com possibilidades de experimentar, pesquisar e trocar diferenças através de códigos de não discriminação a crescer em verdadeira cidadania e democracia. Esta postura moderna e pós-moderna dos professores, relativamente ao espaço físico das salas de aula, vai de encontro ao que se defende no ponto 2. do II Capítulo.