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A ESCOLA PRIMÁRIA COMO CAMPO DE INVESTIGAÇÃO: ORIENTAÇÕES METODOLÓGICAS

6. O Texto Descritivo da Etnografia

A etnografia como método essencialmente qualitativo, tem as suas investigações orientadas para uma apresentação descritiva por excelência. Sendo ela de «natureza retórica» (Sarmento, 2000a: 266), caracteriza-se pela densidade e opacidade do seu conteúdo, cabendo ao investigador dotar-se de grande habilidade e criatividade na redacção do texto etnográfico, com o intuito de o tornar atraente e estimulante para os leitores, é dotar e apresentar um texto científico imbuído de sedução e encanto, como o faria um pintor através da produção de uma tela.

É pela clareza e engenho, através da envolvência escrita, que o investigador dá a conhecer os sujeitos em verdadeira interacção no seu contexto, revelar a interpretação que eles fazem dessa acção, assim como a sua própria interpretação, numa tentativa de recrear «o cenário cultural estudado que permita aos leitores representá-lo tal como apareceu antes da observação do investigador (Goetz e LeCompete, 1988: 28), sem nunca deixar de produzir ciência, pois «o texto científico social é, antes de mais, isso mesmo – texto: o tecido simbólico, a marca inscrita da linguagem com que o autor faz as interpretações das realidades sociais» (Sarmento, 2000a: 266).

No contexto investigativo deste trabalho, que são escolas do 1º ciclo, o dia-a-dia escolar daqueles actores fervilha de emoções, reacções, atitudes, decisões, palavras carregadas de sentido, ou seja, tudo o que diz respeito ao comportamento do ser humano e à sua realidade de

vida, que por vezes, tendo o texto, como único recurso para exteriorizar esse quotidiano, embora se torna num bom instrumento, revela-se um árduo processo.

Disse-se anteriormente que o texto etnográfico é denso e opaco e é-o desde o momento em que o investigador penetra no contexto de vida, interactua com os sujeitos, observa, regista e interroga, recebe dados desorganizados, fragmentados e complexos e descortina “lógicas de acção” nas sombras e opacidades, para o continuar a ser no momento que tem de proceder à analise, discussão e escrita do texto final. Texto esse, que segundo Sarmento (2000a: 269) é «dialógico e polifónico». Recorre a um discurso dialógico, (entre investigador e investigados) na tentativa de compreender e explicar as questões que estiveram na base do estudo, redigindo um manuscrito provisório que é sujeito a uma primeira verificação dos actores envolvidos, onde se espera a sua aceitação ou possíveis correcções para, assim, possibilitar a desconstrução e reconstrução de factos, situações ou testemunhos, sendo refeito e resulte em interpretações verdadeiras e profundas. Concomitantemente, esse discurso também é polifónico porque inclui no corpo do texto a voz aos actores, neste caso dos professores implicados, através de vinhetas destacadas onde se enfocam os seus testemunhos com as interpretações do investigador, sejam eles divergentes ou convergentes, revelem eles conflitos ou singularidades. Por isso se continua a realçar o papel do investigador que se revela fundamental em todos os momentos da investigação, até mesmo no relato e redacção final, ou seja, na construção do texto informador de toda o percurso investigativo.

Neste texto descritivo contrastam-se dois casos singulares com o intuito de obter ambiguidades e possibilitar ao texto etnográfico o confronto com “interpretações alternativas”, emergindo a «expressão da diferença de posição dos actores sociais, dentro das escolas» (Sarmento, 2000a: 271), impondo-se portanto, que o investigador dê a conhecer todos os textos produzidos no decorrer do estudo, para verificação individual, por parte dos próprios autores. Esta atitude, além de validar a investigação, aprofunda e reflecte a colaboração existente entre investigador e investigados. É nesta “discussão“ de dados, entre os seus autores e o próprio investigador, que os mesmos se refinam e emergem outras dimensões de análise que antes tinham sido banidas ou desvalorizadas porque, embora com responsabilidades diferentes, verifica-se sempre «uma conjugação de vontades» (Id., Ib.: 272). É através desta bilateralidade, que se dá continuidade ao aspecto da colaboração gerada aquando do acesso ao terreno de acção, que evoluiu gradativamente no tempo, quer pelos encontros e conversas, como pelo abrir das portas das salas para observar, das entrevistas, da recolha dos documentos para análise e por toda a disponibilidade oferecida, que influiu na redacção final do relatório. É neste processo colaborativo que os professores intervenientes se tornam «co-investigadores» (Sarmento,

2000a: 272) e na altura da redacção do relatório final, os que mais estimulam e incentivam o investigador, ajudando-o a ultrapassar o «sofrimento» (Woods, 1989) da escrita.

É no recurso a essa familiarização e colaboração, entre investigador e investigados, patente no texto, que se facilita ao leitor a apreensão do que realmente acontece nos contextos, o como e o porquê, pois sabendo-se que para além do investigador ter de interpretar e articular dados caóticos, embora interactivos, tem de apresentar um relato coerente, portador de clareza, sentido e significado, porque o problema em etnografia «não é como explicar o que sucede, mas sim como descrever o que sucede» (Woods, 1989: 104).

No final duma investigação etnográfica há muitos reflexos, uns pessoais porque o investigador fica mais conhecedor, naquela problemática, pois foi aprendente, mas surte grandes efeitos nos próprios actores envolvidos, neste caso os professores do 1.º ciclo, que se tornam, a partir daquela altura professores-investigadores das suas práticas, reflexivos e críticos e por isso, mais propensos à mudança e apropriados duma maior «consciência e autonomia nas suas acções» (Torres Santomé, 1988: 18), aperfeiçoando todo o processo de ensino- aprendizagem e adoptando «uma postura de indagação permanente sobre a sua prática» (Id., Ib.: 18), pois o grande enfoque da etnografia educativa é ser «indutiva, generativa e construtiva» (Goetz e LeCompete, 1988: 42).

Em síntese, toda a investigação etnográfica educativa se caracteriza pela «intensidade das relações que se estabelecem entre o investigador e os investigados» (Torres Santomé, 1988: 17) com a pretensão de coadjuvar, mas também de «sugerir alternativas, teóricas e práticas, que levem a uma intervenção pedagógica melhor» (Id., Ib.: 17).

Depois do texto concluído, permite ao leitor dialogar com esse mesmo texto, tornando- se «co-analista» (Lessard-Herbert, et al. 1994: 132) por se defrontar com diferentes interpretações e pontos de vista, detectar lacunas ou incongruências, concretizando-se deste modo o objectivo final do texto etnográfico, que é proceder-se ao «trabalho em que o leitor acrescenta interpretações às interpretações de interpretações» (Sarmento, 2000a: 274).

2.ª PARTE

ANÁLISE DAS DINÂMICAS EDUCATIVAS A PARTIR DO