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A participação do cliente nos processos NPD e NSD

TÁCITO TÁCITO EXPLÍCITO

2.4 A Gestão da Inovação – avanços de pesquisas em manufatura e serviços

2.4.5 A participação do cliente nos processos NPD e NSD

Durante todo este capítulo, a importância do papel dos clientes na inovação tem sido explorada, seja em modelos estratégicos (seção 2.1), seja como fonte de informações para a criação de sentido (seção 2.2) e aprendizagem (seção 2.3), ou como um membro participante do processo NPD/NSD, influenciando diretamente o sucesso do novo produto/serviço (seção 2.4). A questão mais operacional a ser abordada nesta subseção (2.4.6) consiste em analisar como o cliente participa nos processo NPD e NSD, quais ferramentas ou métodos são utilizados.

A área de pesquisa em serviços possui um grande corpo de pesquisas voltadas e estudar o papel dos clientes nos chamados “encontros de serviços” (service encounters) em que ocorre o contato efetivo entre o cliente e algum funcionário ou recurso da empresa, e o serviço de fato é prestado ou entregue (operação e produção). Dessa linha de pesquisa, descobriu-se que os clientes podem ter distintos papéis na operação de um serviço: como recursos produtivos, na gestão da qualidade, e também como concorrentes (ZEITHAML e BITNER, 2003, p. 289), papéis que por sua vez variam conforme o tipo de serviço: processamento de pessoas, processamento de posses, processamento de estímulo mental, ou processamento de informações (LOVELOCK e WIRTZ, 2006, p. 29). Os serviços podem ser desenhados ou projetados para que o cliente tenha um papel mais amplo ou mais restrito na operação e produção de serviços (LARSSON e BOWEN, 1989, p. 213), a ponto de serem considerados “quase funcionários” (BOWEN, 1986; KELLEY, DONNELLY e SKINNER, 1990, p. 315).

As pesquisas descritas ilustram uma área do conhecimento sobre serviços, dedicada a conhecer o papel dos clientes na operação, produção e entrega dos serviços, assunto que não

será abordado nesta pesquisa de doutorado. Essa distinção é importante, pois muitos textos da literatura de serviços carecem de uma distinção mais clara entre as contribuições dos clientes para a produção e entrega de serviços, e sua contribuição para o desenvolvimento de novos serviços, ou inovação.

A área de pesquisa em inovação em serviços (NSD) foca a participação dos clientes na definição de um novo serviço, ou seja, tudo o que ocorre antes do lançamento comercial, antes da operação comercial. Com o objetivo de compor uma visão multiteórica da criação de valor para os clientes, Nambisan (2002) estudou como a participação de clientes no processo NPD/NSD pode ser um meio efetivo para o desafio da cocriação com os clientes. Integrando diversas pesquisas anteriores, Nambisan (2002, p. 395) propõe a seguinte classificação de papéis dos clientes na inovação.

Tabela 2.3 – Classificação dos papéis dos clientes na inovação Papel dos clientes Etapa NSD/NPD Desafios

Clientes como

recurso Geração de ideias

Seleção de clientes inovadores Necessidade de incentivos variados

Infraestrutura para captura do conhecimento dos clientes Diferenças entre clientes atuais e clientes futuros

Clientes como cocriadores

Projeto e desenvolvimento

Envolvimento em inúmeras tarefas de NPD

Natureza do contexto NPD: produtos industriais ou de consumo

Entrosamento firme com time interno NPD

Gerenciamento da incerteza da presença dos clientes Ampliação do conhecimento dos clientes

Clientes como usuários

Teste de produto e suporte de produto

Garantia da diversidade de clientes

Infraestrutura de suporte para as interações entre clientes Gestão das atividades no cronograma

Gestão da atividade em andamento Fonte: Traduzido de Nambisan (2002, p. 395).

A participação do cliente é um assunto estudado tanto no contexto de produtos físicos NPD quanto no contexto de serviços NSD. As pesquisas clássicas altamente citadas, que influenciaram a comunidade acadêmica sobre o valor de se contar com a participação dos clientes nas atividades de inovação, foram desenvolvidas por VonHippel (1986, 1994 e 1998).

A pesquisa de Von Hippel (1986) parte da constatação que as pesquisas tradicionais de marketing são ineficientes para capturar as necessidades dos clientes, quando o mercado é muito dinâmico, por exemplo, os mercados onde há uso de alta tecnologia. Geralmente os clientes pesquisados não possuem uma experiência técnica ou vivencial suficiente para dar bons insights aos pesquisadores de marketing.

As pesquisas da Psicologia mostram que o cérebro humano tem uma tendência a não conceber novas soluções em situações em que há uma solução conhecida disponível na memória recente, fenômeno chamado de Functional Fixedness (VON HIPPEL, 1986). Porém há um tipo de cliente que, sim, possui um conhecimento distinto e valioso, ao qual Von Hippel (1986) chamou Lead-User, ou seja, o indivíduo possui necessidades tão marcantes e específicas que se tornarão necessidades do público em geral no futuro.

Outra característica do Lead-User é o fato de já ter tentado satisfazer suas necessidades por conta própria, ajustando ou modificando um produto já existente e, com isso, ter desenvolvido conhecimento e experiência valiosos. Sob o enfoque do uso da informação, a pesquisa de Von Hippel (1994) trouxe uma contribuição importante ao abordar o valor da informação e a dificuldade de obtê-la.

Para a solução de problemas, muitas vezes é difícil reunir toda a informação necessária, pois está distribuída em distintas fontes, e há um custo de transação envolvido. Essas características definem o conceito de sticky information. Com o objetivo de reduzir esses custos, a solução muitas vezes consiste em se deslocar o foco da solução do problema para a fonte que oferece maior custo (VON HIPPEL, 1994).

Em desenvolvimento de novos produtos/serviços, muitas vezes as informações mais difíceis e valiosas estão na mente dos clientes, o que justifica o empenho em deslocar o processo NPD/NSD para o mais próximo possível dos clientes, explorando o valioso conhecimento gerado por eles no uso dos produtos e serviços (VON HIPPEL, 1994).

Do ponto de vista econômico, Von Hippel (1998) analisou dois casos práticos de desenvolvimento de produtos eletrônicos avançados nos quais o esforço de aproximação com o cliente permitiu o acesso a informações valiosas (sticky information), representando ganhos econômicos importantes. As duas teorias complementam-se ao justificar que é mais efetivo se

aproximar da fonte de informação quando sua coleta é difícil e cara (sticky information), e ao constatar que há perfis específicos de clientes (lead-user) que possuem um conhecimento valioso para o desenvolvimento de novos produtos.

As pesquisas de Von Hippel são altamente citadas e aparentemente são a raiz teórica das pesquisas sobre o envolvimento dos clientes na inovação, motivando um corpo crescente de pesquisas subsequentes.

As pesquisas clássicas, descritas na subseção 2.4.4, sobre fatores de sucesso e fracasso no desenvolvimento de novos produtos e serviços, também revelaram que e a participação do cliente nos projetos muitas vezes contribui positivamente como um fator de sucesso direto ou indireto (deBRENTANI 1989; COOPER et al., 1994; MARTIN e HORNE, 1995; GRUNER e HOMBURG, 2000; deBRENTANI, 2001).

Analisando 25 anos de pesquisas em NPD e NSD Cooper (1999) considera que o fator de sucesso chamado de “voz do cliente” ainda não foi explorado adequadamente. As empresas, que se aproximam dos e compreendem os clientes, têm alcançado como resultado taxas de sucesso maiores que o dobro da média, e conquistado participações de mercado 70% maiores em média (COOPER, 1999, p. 117). O obstáculo mais importante em obter esses benefícios tem sido a ignorância sobre como ouvir o cliente e interpretar as manifestações deles (COOPER, 1999, p. 119). Aparentemente essas considerações influenciaram o interesse acadêmico em se aprofundarem pesquisas.

Porém há outros pesquisadores que desenvolveram argumentos contrários, ponderando que ouvir os clientes pode não ser proveitoso para certos contextos de inovação, e em alguns momentos essa participação pode até ser prejudicial. A pesquisa mais citada sobre essas limitações, de autoria de Christensen e Bower (1996), analisa as limitações de se ouvirem os clientes em contextos de projeto marcados como altamente turbulentos e de alto conteúdo tecnológico.

A questão central reside no conceito de que clientes muitas vezes não conseguem articular e manifestar suas necessidades devido a limitações de conhecimento técnico, linguagem e atualização. Essas limitações fazem com que os clientes não tenham a habilidade necessária para articular suas necessidades futuras (CHRISTENSEN e BOWER, 1996). Outros autores

destacaram que, pelos mesmos motivos de limitações de comunicação, o envolvimento dos clientes nos projetos aumenta a incerteza e ambiguidade dos projetos (MARTIN e HORNE, 1999). Mais especificamente, a participação do cliente em projetos NPD/NSD pode trazer um excesso de informações que tende a aumentar a confusão, duplicação de esforços e aumentar o tempo para lançamento (time to market) do novo produto/serviço (DATAR et al., 1996).

A questão da confusão no projeto ainda é um assunto polêmico na literatura, Alam (2006, p. 476), por exemplo, encontrou evidências de que a participação do cliente nas etapas iniciais do processo NSD (front-end) tem poder de reduzir significativamente a confusão natural dessas etapas.

A crítica e polêmica, porém, não inibiu o desenvolvimento contínuo ao longo da última década (1991-2000) a respeito do fenômeno da participação dos clientes na inovação, o que se verifica pela crescente atenção à elaboração de teorias que sustentem seu estudo. A necessidade de uma compreensão mais holística dos benefícios e desafios da participação do cliente na inovação motivou o desenvolvimento de pesquisas mais abrangentes. Nambisan (2002, p. 392) afirma que, em essência, a participação do cliente na inovação é efetiva quando a empresa abandona o paradigma da exploração do conhecimento dos clientes e adota o da cocriação com eles.

Para que a empresa gerencie a participação dos clientes na inovação, Nambisan (2002, p. 398) considera que há quatro dimensões de atenção gerencial: (1) o padrão de interação com os clientes (frequência, foco na tarefa ou no diálogo e grau de controle); (2) criação de conhecimento (conversão de tácito a explícito, armazenagem e disseminação); (3) motivação dos clientes (benefícios percebidos, quem participa); (4) integração com o time de projeto (definição de papéis, transparência, métricas de acompanhamento).

As quatro dimensões propostas por esse autor (2002, p. 410) formam a base teórica para que a empresa possa gerir eficientemente seu relacionamento com os clientes e permitir a construção de “contratos psicológicos” que fomentem continuamente a colaboração mútua. A dimensão de motivação dos clientes tem recebido atenção crescente nas pesquisas, assim como o estudo de que tipo de cliente pode de fato contribuir para a inovação.

Nambisan e Baron (2007) estudaram empiricamente como a percepção de benefícios dos clientes, ao participarem de projetos de inovação, constrói laços emocionais e afeta a disposição dos clientes em continuar colaborando e interagindo com a empresa no futuro. A principal conclusão de Nambisan e Baron (2007, p. 55) é que, para alcançar cocriação com os clientes, a empresa deveria reduzir seu foco nos resultados do projeto (novo produto/serviço) e dedicar mais atenção ao processo de criação de conhecimento em si, pois é por si só uma fonte de valor importante, em termos de relacionamento com os clientes e formar motivação para projetos futuros. Segundo Nambisan e Baron (2007, p.45), a empresa deve buscar motivar os clientes para a cocriação, planejando benefícios percebidos pelos clientes em torno de quatro categorias: benefícios de aprendizagem (cognitivo); benefícios de integração social (pertencer a um grupo, identificação social); benefícios de integração pessoal (conquista de reputação ou status); benefícios hedônicos (prazer na solução de problemas, garantir a qualidade desejada do novo produto).

A percepção de benefícios e o conjunto de experiências vividas nos projetos constroem laços afetivos com a empresa determinando a qualidade da participação dos clientes no projeto atual e principalmente em projetos futuros (NAMBISAN e BARON 2007, p. 57). Lundkvist e Yakhlef (2004) aprofundam a análise nos aspectos psicológicos e cognitivos do diálogo com os clientes e complementam as dimensões motivacionais de Nambisan e Baron (2007).

No diálogo com os clientes, o que mantém os indivíduos juntos é a garantia de reciprocidade conquistada pela contabilidade pessoal que cada parte constrói das atitudes de apreciação mútua, em outras palavras, confiança na reciprocidade. Durante o diálogo, ocorre a criação coletiva de sentido formando uma representação mental compartilhada em torno de um propósito comum, e um dos resultados dessa co-orientação de propósito é a transferência de intenção de um interlocutor para outro.

Em resumo, a empresa que tem como objetivo a cocriação de valor para a inovação deve considerar os clientes como atores legítimos do processo de inovação, transformá-los em funcionários ou uma extensão do time de projeto (LUNDKSVIST e YAKHLEF, 2004, p. 252-253).

Outro aspecto-chave da participação dos clientes na inovação é a questão da seleção dos clientes, ou seja, que tipos de clientes têm maior potencial de contribuição. Kristensson,

Gustafsson e Archer (2004) levaram a efeito uma pesquisa de laboratório para comparar o potencial de contribuição de distintos tipos de clientes num projeto de inovação em serviços de telecomunicações móveis. Os participantes foram classificados em dois grupos de clientes conforme seu grau de conhecimento técnico sobre telecomunicações móveis (usuários comuns, usuários avançados) e um grupo de profissionais de desenvolvimento de produto (grupo de controle para comparação). As ideias geradas e desenvolvidas por grupo foram avaliadas por quatro painéis de juízes representativos de áreas de conhecimento distintas (engenharia, marketing, computação e atratividade aos clientes). Os resultados mostraram três conclusões importantes: (1) usuários comuns produziram as ideias mais originais evidenciando o valor do pensamento divergente; (2) usuários comuns produziram as ideias mais bem avaliadas em termos de valor e (3) profissionais de desenvolvimento com os usuários avançados produziram as ideias mais exequíveis (KRISTENSSON, GUSTAFSSON e ARCHER, 2004, p. 11).

Em sintonia com esses resultados, Franke, Von Hippel e Schereir (2006, p. 311) testaram os componentes teóricos que definem a teoria lead-user e encontraram que usuários com menor perfil lead-user (usuários comuns) podem ser fonte de ideias valiosas, porém em menor quantidade e valor do que usuários com perfil mais próximo do lead-user (usuários avançados).

Em resumo, as pesquisas descritas mostram um avanço crescente do conhecimento sobre como gerir a participação de clientes em projetos de inovação e que tipo de contribuição pode ser obtida. De particular interesse é o trabalho de Kristensson, Matthing e Johansson (2008) no qual desenvolveram um conjunto de premissas estratégicas para preparar o ambiente organizacional propício para promover a participação dos clientes em seus projetos de novos serviços independentemente do método utilizado.

O modelo normativo baseado em sete premissas estratégicas contribui para a prática por reunir conhecimento acumulado por empresas e pesquisadores sobre os desafios organizacionais presentes no envolvimento mais intenso dos clientes nos projetos (KRISTENSSON, MATTHING e JOHANSSON, 2008, p. 487). Essa área de pesquisa evoluiu a ponto de até mitigar a argumentação crítica de Christensen e Bower (1996) sobre o limitado valor de ouvir os clientes em contextos de alta turbulência tecnológica. Matthing et

original technology readiness index), ou seja, uma métrica capaz de identificar comportamentos e atitudes inovadoras em clientes e, com base nessa métrica, selecionar clientes capazes de contribuir efetivamente mesmo para projetos de alto conteúdo tecnológico. Esta área de pesquisa tem mostrado uma crescente atenção acadêmica, particularmente da comunidade europeia e mais especificamente da comunidade sueca.