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O processo de desenvolvimento de novos serviços – NSD

TÁCITO TÁCITO EXPLÍCITO

2.4 A Gestão da Inovação – avanços de pesquisas em manufatura e serviços

2.4.4 O processo de desenvolvimento de novos serviços – NSD

Nas subseções 2.4.1 e 2.4.2 foram descritas as trajetórias históricas percorridas pelas linhas de pesquisa em produtos NPD e em serviços, NSD, com suas diferenças justificadas em parte pelo entendimento das características distintivas e do conceito de serviços apresentados na subseção 2.4.3.

Nesta subseção, são apresentadas pesquisas focadas no desenvolvimento de modelos normativos de inovação em serviço, com o processo de desenvolvimento de novos serviços (ou simplesmente processo NSD) seu elemento central.

As revisões da literatura de inovação em serviços de Johne e Storey (1998) e Menor, Tatikonda e Sampson (2002) dedicam grande atenção ao assunto processo NSD. Com o objetivo de construir conhecimento sobre o “como” na inovação em serviços, o processo NSD talvez seja o tema que mais atenção recebeu de pesquisadores. Os primeiros modelos normativos de processo NSD apresentavam um forte viés da indústria de bens físicos, em que o modelo de Booz et al. (1982) pode ser entendido como marco inicial desta linha de pesquisa (MENOR, TATIKONDA e SAMPSON, 2002, p. 139-140).

O modelo de processo NSD de Booz et al. (1982) caracterizava-se pela linearidade das etapas e o alto nível de controle empregado, gerando importantes debates sobre a questão da formalização e controle na inovação em serviços. Apoiada em sua experiência executiva e de pesquisa, Shostack (1981) classifica duas modalidades de processo NSD. A primeira, chamada molecular model (modelo molecular), ou seja, diferentes elementos do serviço são desenvolvidos como unidades independentes, que podem ser compradas pelos clientes de forma individual ou conjugada. A segunda, chamada de blueprint, em que o projeto possui um alto grau de formalização e documentação, empregando ferramentas como diagramas, cronogramas, interdependências e outras ferramentas de gestão de projeto. Ambas as modalidades propostas visam diminuir os desvios para se atingirem as características desejadas do serviço.

Mantendo o foco no grau de formalização e controle, Shostack (1984) propôs quatro dimensões críticas que um processo NSD deve possuir para que tenha eficiência: objetividade, precisão, apoiado em fatos, e numa metodologia sólida. Essas dimensões de precisão e

organização de atividades propostas por Shostack (1984) trazem alguma similaridade com os processos NPD típicos da manufatura, devido principalmente à ênfase do controle e rigor no processo.

Lovelock (1984) verificou que, mesmo quando a empresa emprega um processo NSD mais rigoroso (do tipo blueprint), muitas vezes o novo serviço não atende às necessidades do cliente. Isso ocorre, pois as pressões e conflitos internos voltados à eficiência operacional (entre marketing e operações principalmente) sobrepõem os objetivos de atender as necessidades dos clientes, ou, como proposto por Nijssen et al. (2006), a disposição de canibalizar rotinas e investimento prévios não é suficiente. Para equilibrar o conflito interno, Lovelock (1984) propõe a elaboração de dois blueprints, um com o foco da empresa, e outro com o foco do cliente.

Anos mais tarde, Scheuing e Johnson (1989) construíram um modelo normativo de processo NSD com 15 etapas, que se caracteriza pela participação explícita dos clientes e dos funcionários de áreas operacionais desde a etapa de desenvolvimento de conceito (etapa 4) até a de testes de mercado (etapa 13). A pesquisa de campo de Scheuing e Johnson (1989) mostrou também que poucas empresas empregam um processo mais formalizado de NSD. Em geral, não há uma gerência interna (função) dedicada ao lançamento de novos produtos, a responsabilidade fica com o departamento de marketing. Há pouca atividade em geral dedicada a NSD e, quando há projetos de novos serviços, são liderados tipicamente por comitês multidisciplinares (SCHEUING e JOHNSON, 1989).

10 anos após a pesquisa de Scheuing e Johnson (1989), a revisão da literatura de Johne e Storey (1998) observou essencialmente o mesmo comportamento organizacional. Até este ponto da história de pesquisa sobre o processo NSD, nota-se uma forte influência dos modelos de processo NPD, caracterizando-se a inovação em serviços como retardatária, comparada à inovação em produtos (Droege, Hildebrand e Forcada, 2009, p. 132).

O enfoque começa a mudar com algumas pesquisas que ressaltam a singularidade de serviços e a necessidade de haver modelos próprios. Edvardsson, Haglund e Mattsson (1995, p. 26) acompanharam o desenvolvimento de dois projetos de novos serviços, desde as fases iniciais até o lançamento, e identificaram que a inovação em serviços é um processo extremamente complexo com relação ao controle e planejamento. Embora nenhuma das duas empresas

possuísse um processo NSD formalmente executado, foi possível identificar quatro grandes etapas (rotinas tácitas) executadas com certo grau de sobreposição, em contraste ao modelo normativo sequencial proposto por Scheuing e Johnson (1989).

Edvardsson, Haglund e Mattsson (1995, p. 34) concluem que o processo NSD eficiente deve buscar um correto balanceamento entre criatividade (improvisação), planejamento e controle formal. Edvardsson e Olsson (1996) trouxeram uma nova perspectiva ao processo de NSD, ao considerarem que o processo NSD tem como produto final criar os pré-requisitos que formam o novo serviço, e não o serviço em si. O serviço é criado a partir do momento em que o cliente interage com os pré-requisitos.

Para construir esse pré-requisito, Edvardsson e Olsson (1996, p.159) propõem três grupos de atividades que formam o processo NSD:

i. o desenvolvimento do Conceito do serviço – descrição e entendimento das necessidades dos clientes, e como podem ser satisfeitas pelo novo serviço (similar ao service offer descrito na seção anterior);

ii. o desenvolvimento do Processo do serviço – representa a cadeia de atividades que devem funcionar em sintonia para a produção do serviço. Esta atividade define grande parte do custo final do serviço e tem forte impacto na qualidade percebida e satisfação dos clientes. O processo define a interação do cliente com a empresa, por esse motivo deve seguir uma lógica amigável.

iii. o desenvolvimento do Sistema do serviço – representa os recursos estáticos empregados na produção do serviço, instalações, recursos humanos, equipamentos e estrutura organizacional.

O conceito que governa o processo NSD é a qualidade projetada do serviço, ou seja, um processo NSD eficiente visa encontrar os pré-requisitos que garantam o uso racional de recursos, atendimento das necessidades dos clientes, com qualidade percebida frente aos concorrentes. Além de uma descrição mais clara do que é o produto final do processo NSD, Edvardsson e Olsson (1996, p. 156) enfatizam a importância da participação do cliente interno e externo no processo e essa participação pode ocorrer nas três etapas propostas na Figura 2. 13.

Figura 2.13 – O processo de serviço

Fonte: Traduzido de Edvardsson e Olsson (1996, p. 156).

A distinção entre cliente interno e cliente final auxilia a prever o encadeamento das tarefas dentro da empresa para projetar a qualidade do serviço. A preocupação exagerada em atender clientes internos traz em si um risco com relação à inflexibilidade de áreas funcionais, porém ainda é menor do que o risco de não considerá-las e enfrentar problemas maiores na produção e entrega do serviço.

Sundbo (1997, p. 451) considera que o grau de formalização e controle no processo NSD dependerá de quantas e quais pessoas têm a autonomia e comportamento empreendedor para inovar. As etapas iniciais são essencialmente complexas e pouco controladas e as fases finais, altamente formalizadas e controladas. Esse autor (1997, p. 445) enfatiza, ainda, que a participação de clientes no processo NSD é ainda mais valiosa em serviços do que no processo NPD (produtos físicos). O modelo normativo de processo NSD recebeu mais uma versão com a contribuição de Johnson, Menor, Roth e Chase (2000) apud Fitzsimmons e Fitzsimmons (2000, p. 90). Empresa de serviços Serviço interno Clientes Parceiros e fornecedores Definir requerimentos de qualidade Entender as necessidades dos clientes internos

Entender as necessidades dos clientes externos Serviço

Figura 2.14 – Modelo cíclico de processo NSD

Fonte: Johnson et al. (2000) apud Fiztsimmons e Fiztsimmons (2000, p. 90).

Segundo Goldstein et al. (2002, p. 122) esse modelo cíclico de processo NSD caracteriza-se por enfatizar o caráter interativo e não linear entre quatro grandes etapas, e contém como elemento central o entendimento organizacional do conceito do serviço, compartilhado pelo time de projeto e pela organização.

Outro destaque do modelo cíclico é a presença de fatores capacitadores destacados na área circular cinza da Figura 2.14, que, segundo os autores, são tão necessários quanto a definição e planejamento formal de etapas do processo NSD. Aparentemente, as pesquisas mais recentes em torno da proposição de um modelo normativo de processo NSD foram desenvolvidas por Alam (2002) e Alam e Perry (2002). Construído com base em 36 entrevistas com empresas australianas (Figura 2.15), esse modelo buscou entender como deveria ser o processo NSD para empresas que buscam uma forte orientação para mercado (KOHLI e JAWORSKI, 1990; NARVER e SLATER, 1990).

Capacitadores Pessoas Produto Tecnologia Sistemas Ferramentas Times Contexto Organizacional DESENHO ANÁLISE DESENVOLVIMENTO LANÇAMENTO

Figura 2.15 – Modelo de processo NSD com foco no cliente

Fonte: Traduzido e adaptado de Alam e Perry (2002, p.525).

O modelo de Alam e Perry (2002, p. 525) aponta duas características importantes a observar: explicita a sobreposição e recursividade entre algumas etapas do processo e busca descrever a contribuição que pode ser obtida pela participação dos clientes em cada etapa do processo NSD. Apesar da sobreposição das etapas, o modelo apresentado por Alam e Perry (2002) mostra uma correspondência maior com os modelos lineares (BOOZ et al., 1982; SCHEUING e JOHNSON, 1989) do que com o modelo cíclico da Figura 2.14, ou seja, o foco considera somente a definição e planejamento de etapas do processo NSD e não os fatores capacitadores.

Modelo paralelo de processo NSD

1. Plano estratégico 3. Seleção de ideias 5. Formação de time multifuncional 7. Treinamento 6. Projeto do Serviço / sistema de processos 9. Teste de marketing 10. Comercialização 2. Geração de ideias 4. Plano de negócio 8. Teste-piloto do Serviço Sim/Não Sim/Não Sim/Não Sim/Não Sim/Não Sim/Não

Comentários em dados financeiros.

Descreve necessidades, problemas e sua solução. Critica o serviço existente identificando lacunas e gera lista de requerimentos para novo serviço. Sugere estimativa de vendas, tamanho do mercado, benefícios e atributos. Relaciona intenção de compra para diferentes conceitos.

Comentários limitados sobre estimativa financeira e lucratividade de cada conceito, inclusive dados da concorrência.

Atividades exercidas pelos clientes

Opina com alta gerência na seleção dos membros do time.

Revisa e desenvolve o projeto do serviço, identifica pontos falhos, observa os primeiros testes com pessoas internas.

Sugere melhorias no treinamento dos funcionários. Participa em testes simulados da operação do serviço e sugere melhorias na configuração final. Comentários e aprimoramentos no plano de marketing, e marketing mix.

Avalia o desempenho geral, o desejo de melhorias futuras, e monitora os comentários boca-a-boca entre clientes potenciais.

Em paralelo com as pesquisas que buscaram construir e propor modelos normativos de processo NSD, foram desenvolvidas pesquisas empíricas com o objetivo de identificar se as empresas usam algum tipo de processo NSD, qual o nível de formalização e controle aplicado, e eficiência do processo todo.

Froehle et al. (2000, p.13) analisaram 182 empresas de serviços estadunidenses e identificaram que o grau de formalização e controle apoiado por ferramentas de TI (tecnologia da inovação) tem um grande impacto na velocidade e eficiência do processo NSD. As pesquisas de Diniz et al. (2007) e Marcondes e Mello (2007) visam analisar até que ponto o desenvolvimento de novos serviços em casos selecionados de empresas brasileiras (banco e comércio exterior respectivamente) emprega o planejamento e controle, em outras palavras, se há um processo NSD definido. Concluíram que há uso de mecanismos de governança sobre o desenvolvimento de novos serviços, porém sem uma rigidez linear na execução das etapas como preconizado por Scheuing e Johnson (1989). O pensamento dominante que subjaz nas três pesquisas descritas é a ideia de que processos e ferramentas tradicionais de NPD possam ser aplicadas e adaptadas para NSD, o que leva a realizar pesquisas com foco mais intenso nos processos do modelo recursos-processos de Froehle e Roth (2007).

Analisando os processos NSD normativos, descritos nesta subseção é possível notar que o modelo de Johnson, Menor, Roth e Chase (2000) apud Fitzsimmons e Fitzsimmons (2000, p. 90) é o único que compreende os dois componentes teóricos, “recursos” e “processos”, propostos por Froehle e Roth (2007) (Figura 2.11). A predominância de modelos normativos lineares na literatura mostra que, aparentemente, há uma expectativa de controle, em se construir uma “fábrica” de novos serviços, com base na formalização de etapas.

Apesar de pesquisas anteriores mostrarem que a inovação em serviços seja uma competência a ser desenvolvida com base no equilíbrio de recursos organizacionais entre criatividade e processo (EDVARDSSON, HAGLUND e MATTSSON, 1995; EDVARDSSON e OLSSON, 1996), os modelos normativos de NSD publicados até aqui ainda não conseguiram capturar essas duas dimensões num processo NSD normativo amplamente aceito. Mesmo na inovação em produtos manufaturados, Droege, Calantone e Harmacioglu (2008, p. 282) questionam até que ponto é, de fato, possível estabelecer algum controle sobre o sucesso das atividades de inovação. Os autores sugerem, ainda, que o meio mais efetivo de fomentar o sucesso da inovação por meio de fatores intraorganizacionais consiste em se definir uma estratégia

proativa de inovação, pois é a partir dela que se definem as questões de estrutura organizacional e processos (DROEGE, CALANTONE, e HARMACIOGLU, 2008, p. 282).

Em resumo, a evolução histórica das pesquisas sobre inovação parece transferir o foco dos aspectos de formalização e controle (modelos normativos), para dedicar atenção crescente aos fatores organizacionais mais abstratos e controle restrito. Em outras palavras, as pesquisas tendem a considerar as influências entre as duas dimensões do modelo Recursos-Processos proposto Froehle e Roth (2007).