• Nenhum resultado encontrado

1.2 A PERCEPÇÃO SOCIAL DO RISCO

1.2.2 A perspectiva construcionista

A perspectiva construcionista, partindo das críticas dirigidas ao realismo, consolida-se na década 80, por influência do movimento ambientalista e da preocupação internacional com a escalada crescente dos os riscos ambientais.

Segundo essa concepção, o risco ambiental nunca é inteiramente objetivo e a sua avaliação jamais pode ser realizada de modo integralmente neutro, livre das percepções e valorações morais, pois não há garantias de isenção para o observador externo do risco (LIEBER; ROMANO-LIEBER, 2002, p. 79). Sustenta-se, assim, na perspectiva construcionista, que a percepção do risco ocorre sempre em contextos socioculturais e apresenta um caráter dinâmico, sujeita que está a um constante processo de negociação e construção (VIEGAS, 2007, p. 21- 22).

Dessa maneira, a constituição dos problemas ambientais passa a ser compreendida como um processo aberto à formulação tanto do conhecimento científico quanto ao conhecimento popular, com a consequente valorização do senso comum, da percepção dos leigos e da abordagem não científica.

Essa perspectiva apresenta, assim, o mérito de acentuar o contexto sociocultural em que o risco é compreendido e negociado, aspecto bastante negligenciado pela perspectiva realista, sendo reivindicada por outros campos do saber, como a antropologia cultural, a filosofia, a sociologia e a história.

Muito dos avanços no campo do construcionismo devem-se aos trabalhos desenvolvidos pela antropóloga britânica Mary Douglas e pelo cientista político americano Aaron Wilavsky, que foram pioneiros no debate em torno das razões que levam as pessoas a valorizarem determinados riscos e desprezarem outros.

Segundo a posição destes autores, esse fenômeno só pode ser explicado, considerando-se que tanto a percepção do risco como o estabelecimento dos seus níveis de tolerabilidade dependem de construções coletivas.

A ideia de construção social dos riscos afasta completamente a tese da neutralidade na sua constatação, pois, como salienta Hannigan: “[...] nenhuma construção social de risco é neutra ou inteiramente

correta, pois é formada a partir de argumentos competidores, provenientes de culturas diversas” (HANNIGAN, 2009, p. 161).

Douglas e Wildavsky (1983, p. 01) reconhecem que a maior parte das pessoas não está consciente da maior parte dos riscos que correm e que não é possível calcular com precisão a totalidade de riscos enfrentados em determinado momento por dada sociedade. Daí a necessidade de se selecionar quais riscos devem ser conhecidos e quais devem ser ignorados.

É exatamente a inviabilidade de se proteger de todas as ameaças que faz com que cada sociedade fixe uma espécie de lista de prioridades. No entanto, em razão do desconhecimento existente em torno dos riscos, nunca se tem a certeza de que os riscos eleitos são aqueles que, efetivamente, têm a potencialidade de causar os piores danos (DOUGLAS; WILDAVSKY, 1983, p. 03).

Dessa forma, para o construcionismo, a ordenação social dos problemas ambientais nem sempre corresponde à necessidade real da sociedade, mas é sempre mediada pela cultura (VIEGAS, 2007, p. 25)

O risco é compreendido por Douglas e Wildavsky (1983, p. 05) como um produto do conhecimento sobre o futuro e o consentimento sobre as perspectivas desejadas e, por isso, a sua percepção é encarada como um processo social. Segundo eles, toda sociedade depende de uma combinação de confiança e medo (DOUGLAS; WILDAVSKY, 1983, p. 06).

Dessa forma, a escolha dos riscos que merecem mais atenção é feita, tendo como base os diferentes princípios sociais que guiam o comportamento de cada sociedade, pois são estes princípios que determinam a visão seletiva do ambiente natural e terminam por influenciar na filtragem das ameaças mais relevantes (DOUGLAS; WILDAVSKY, 1983, p. 06).

Como cada sociedade apresenta seus próprios princípios sociais, pode-se dizer que cada uma delas produz sua própria visão seletiva em torno do ambiente natural e escolhe os riscos mais importantes (DOUGLAS; WILDAVSKY, 1983, p. 08).

Os autores destacam que os riscos que devem ser enfrentados são selecionados no mesmo pacote em que as suas instituições sociais são escolhidas e que, por isso, a consciência individual sobre certos perigos varia conforme um estilo de vida adotado por cada um. Consequentemente, Douglas e Wildavsky (1983, p. 09-10) compreendem que as pessoas que se filiam a diferentes formas de organização social estão dispostas a reconhecerem diferentes tipos de riscos.

Apesar de muito interessante e de explicar de maneira mais adequada as diferenças entre culturas e países diversos na percepção social do risco, a perspectiva construcionista também não está livre de críticas. Hannigan destaca que:

Risk and Culture tem provocado muito interesse e

uma torrente de criticismo. Muito do criticismo foca no argumento dos autores, que os ambientalistas se mobilizam por solidariedade ao invés de por razões de propósito. Isto é, ao invés de ver os ambientalistas como parte de uma resposta moral para uma crise real da sociedade, eles escolheram tratar os riscos como um bicho- papão que serve ao mesmo propósito de certas proibições alimentares entre os povos tribais. Os ambientalistas, então, não são considerados como atores racionais, mas como “verdadeiros crentes”, abertos à manipulação por profetas ideológicos. (HANNIGAN, 2009, p. 162).

Com isso, questiona-se o relativismo absoluto proposto pelos construcionistas, que termina, muitas vezes, esvaziando a própria realidade dos problemas ambientais. A visão por eles apresentada é vista pelos realistas como sobressocializada e indiferente à dimensão objetiva dos riscos ao meio ambiente.

Contudo, essa perspectiva alterou definitivamente a forma de análise social do risco. Não se pode negar hoje que o risco é uma construção sociocultural, embora não possa ficar confinado nas percepções e construções sociais. Nesse sentido, as análises técnicas do risco também podem ser compreendidas como parte integrante do seu processo de construção social.

1.2.3 Processo social de construção do risco ambiental e o papel da