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A evolução da responsabilidade civil pode ser dividida em quatro fases: a fase primitiva, a fase romana, a fase das codificações e, por fim, a fase moderna da Revolução Industrial.

Nos tempos primitivos, não havia intervenção do Direito sobre a responsabilização, que também não se orientava pela ideia de culpa. A ocorrência do dano legitimava a reação imediata da vítima ou de seu clã contra o seu agente ou seu grupo (ALTERINI, 1999, p. 174). A vingança era imposta de maneira privada, instintiva e brutal, sem a necessidade de averiguação da presença de culpa de quem causou o dano ou a existência de critérios e limites (GONÇALVES, 2008, p. 4) (SAMPAIO, 2003, p. 66,87).

Alsina (1997, p. 27) observa que, durante o período da vingança privada, a injustiça não era apreciada de acordo com a sua causa, mas segundo o seu efeito, também não se consideravam as circunstâncias relativas à pessoa do seu autor, mas o prisma da vítima.

Em Roma, a evolução dos costumes acarretou o advento da Lei de Talião, que inseriu, pela primeira vez, a ideia de proporcionalidade no contexto da responsabilidade civil, embora ela tenha preservado a finalidade de vingança, encarada ainda como direito da vítima (SAMPAIO, 2003, p. 87). Trata-se do período da vingança limitada, momento em que a responsabilidade passa a recair, necessariamente, sobre o autor do dano e a apresentar, como características, o fato de ser meditada, proporcional e guardar relação direta com a ofensa que a originou (ALTERINI, 1999, p. 174).

A vingança limitada também foi consagrada em outros diplomas importantes como a Lei mosaica, o Código de Hammurabi, as Leis de Manú e a Lei das XII Tábuas.

Paralela e sucessivamente, as novas valorações éticas ou utilitárias inseriram a composição voluntária no contexto da responsabilização. Com ela, a paixão humana se modera (ALSINA, 1997, p. 28) e o sangue passa a ser substituído pelo ouro e a satisfação instintiva da vingança pelo recibo de alguma prestação patrimonial (ALTERINI, 1999, p. 174). A composição desponta, assim, como uma

medida facultativa, que abre para o ofensor a oportunidade de oferecer determinada quantia em dinheiro, de modo a evitar a imposição da vingança da vítima sobre seu próprio corpo (ALSINA, 1997, p. 28).

Com a consolidação das organizações políticas e a afirmação da autoridade estatal, o sistema de compensações torna-se institucionalizado e obrigatório, assumindo, como missão, a manutenção da tranquilidade pública. O Estado, então, passa a fixar para cada modalidade de dano, certa quantia em dinheiro, estabelecendo um tabelamento das composições, que deveriam ser aceitas tanto pela vítima quanto pelo agente causador da ofensa (ALTERINI, 1999, p. 176), intervindo também na fixação de castigos para os culpáveis.

Surge, assim, o período da composição tarifada, que pretende abolir e suplantar a vingança privada e representa uma manifestação da inteligência social no sentido de que a solução dos conflitos é matéria que também interessa ao Estado, não se limitando aos particulares (LIMA, 1998, p. 21).

Alsina (1997, p. 28) nota que, a partir do momento em que o Estado assume a função de aplicar sanções repressivas, castigando os culpáveis, produz-se uma grande transformação no conceito de responsabilidade, que passa a se desdobrar em duas noções: de um lado, a responsabilidade penal, que persegue o castigo do delinquente e, de outro, a responsabilidade civil, que pretende ressarcir a vítima pelo dano sofrido.

Neste contexto, a aplicação da pena, que antes era atribuída à vítima, torna-se monopólio do Estado, remanescendo para os ofendidos apenas a possibilidade de perseguir uma indenização pelo dano sofrido, não mais compreendida como vingança, mas como reparação.

Em seguida, a Lei Aquilia avança, instituindo contra o autor de determinados danos uma ação única, que tinha por objeto o monte do prejuízo calculado sobre o mais alto valor que a coisa destruída ou deteriorada houvesse alcançado no ano ou no mês em que ocorreu o delito (ALSINA, 1997, p. 32).

Vale observar que, inicialmente, tanto a Lei das XII Tábuas quanto a Lei Aquilia tinham como objetivo castigar o delito e, por isso, não consideravam a culpa como fator computável para determinar a responsabilidade ou graduar o alcance do dever de responder. Essa imputação era meramente objetiva e chegava ao extremo de responsabilizar animais e coisas inanimadas pelos danos por eles provocados (ALSINA, 1997, p. 42). Foi apenas nos fins da República

que os jurisconsultos romanos, influenciados pelas ideias gregas, inseriram a culpa como requisito para o exercício das ações previstas na Lei Aquilia (ALSINA, 1997, p. 42). A partir de então, a ideia de culpa passa a acompanhar todo o desenvolvimento do direito romano clássico, chegando até os dias de hoje.

Schreiber (2009, p. 13), percebe, no entanto, que a culpa, nesta primeira versão, apresentava um caráter eminentemente objetivo, bastante atrelado à ideia de injúria, ou seja, de ato contrário ao direito.

No entanto, apesar de a Lei Aquilia constituir uma tentativa de generalização em relação ao direito anterior, ela não chegou a formular uma regra geral de responsabilidade, remanescendo algumas hipóteses em que certos fatos não davam direito a qualquer ação (ALSINA, 1997, p. 36).

Para Aguiar Dias (2006, p. 28), foi o trabalho da jurisprudência que ampliou o campo de aplicação da ação prevista na Lei Aquilia que, inicialmente, assistia apenas ao proprietário da coisa destruída ou deteriorada e, com a construção pretoriana, foi sucessivamente ampliada aos titulares de outros direitos reais e aos peregrinos.

No contexto moderno, os redatores do Código Civil napoleônico resgataram diversas ideias presentes no direito clássico, estabelecendo, de modo definitivo, a distinção entre a pena e a reparação civil do dano e o princípio segundo o qual todo dano deve ser reparado por quem, culposamente, o tenha dado causa, abandonando a técnica de enumerar os casos de composição obrigatória (ALSINA, 1997, p. 50) (DIAS, 2006, p. 30).

O Código Civil napoleônico foi o responsável por traçar as bases do moderno sistema de responsabilidade civil extracontratual, elegendo como princípios fundamentais: (a) a obrigação geral de responder pelos danos causados a outrem; (b) a culpa como fundamento para a imputação do dano ao autor do fato; (c) a possibilidade da culpa ser intencional ou decorrente de negligência ou imprudência; (d) o dano como elemento indispensável para a responsabilidade civil e (e) a compreensão da obrigação de responder como uma sanção ressarcitória e não repressiva (ALSINA, 1997, p. 50).

Schreiber (2009, 12) assinala que, neste período, a ideologia liberal e individualista, então dominante, determinou o desenvolvimento de um sistema de responsabilidade alicerçado no mau uso da liberdade individual, justificando, desta forma, a concessão de um amplo espaço à atuação dos particulares.

Nesse cenário, os sistemas de responsabilidade coletiva e vingança familiar assim como o sistema de responsabilidade delitual não

se mostravam mais adequados aos novos valores, os primeiros por extrapolarem, com suas consequências, a esfera do indivíduo e, com isso, afetarem o binômio liberdade – responsabilidade tão caro aos juristas modernos e o segundo, por estar bastante apregoado à tipicidade dos delitos e das penas, estas muitas vezes de natureza corporal (SCHREIBER, 2009, p. 13).

Por outro lado, a culpa adotada pelos modernos, diversamente do direito romano republicano, passou a apresentar uma forte conotação moral. Isso foi possível graças à influência de noções gregas e orientais, individualistas em essência, e à propagação da ideologia cristã, que agregou à culpa contornos éticos e morais, aproximando-a da noção de pecado e oferecendo uma justificativa ética para o próprio dever de indenizar (SCHREIBER, 2009, p. 13-16).

Em outras palavras, pode-se dizer que a responsabilidade civil pautava-se na noção de ato ilícito, compreendido como a conduta reprovável daquele que por negligência, imprudência ou imperícia, viola direito e causa dano a outrem (MORAES, 2006b, p. 248). Para que a responsabilidade surgisse, era necessário que a vítima demonstrasse a violação a um dever de cuidado, exigível do agente causador do dano. Para Moraes (2006b, p. 248), esta exigência de uma avaliação ético- jurídica do comportamento do agente para imputar-lhe o dever de reparar era considerada como princípio axiomático, vinculada à ideia de punição pelo ilícito cometido.

A concepção subjetiva da responsabilidade civil consagrada no direito francês foi universalizada durante o movimento codificador dos séculos XIX e XX e continua servindo como princípio básico da responsabilização na maior parte dos ordenamentos jurídicos.

2.2 A EMERGÊNCIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL SEM