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2.5 A RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL

2.5.5 A prescrição da pretensão reparatória do dano ambiental

A controvérsia sobre a (im)prescritibilidade da pretensão reparatória do dano ambiental alimenta-se, em parte, pela ausência de disciplina legal. Não há na legislação brasileira qualquer dispositivo referente à prescrição dos direitos difusos e coletivos. Existe apenas a previsão geral de que a pretensão de reparação civil prescreve em três anos30.

De acordo com Cristiano Farias (2005, p. 545), a prescrição, juntamente com a decadência, é instituto que decorre da projeção de efeitos jurídicos pelo decurso do tempo. A manutenção de situações jurídicas não solucionadas por longo período, além de favorecer a ocorrência de conflitos e de prejuízos, contraria a segurança jurídica.

Os dois institutos justificam-se pelo interesse social que existe em torno da estabilidade das relações jurídicas. Surgem como medidas de ordem pública para que a instabilidade do direito não se perpetue com o sacrifício da harmonia social. Por meio deles, o Estado remove a situação de desequilíbrio antijurídico, que deveria ter sido corrigida com o exercício da pretensão (ou do direito).

Atualmente, a doutrina distingue prescrição e decadência, tomando por base, a modalidade de direitos com que se relacionam. Dessa forma, enquanto a prescrição vincula-se aos direitos a uma prestação, a decadência guarda proximidade com os direitos potestativos.

O direito a uma prestação, de acordo com Didier Jr., seria “o poder jurídico, conferido a alguém, de exigir de outrem o cumprimento de determinada prestação” (2008, p. 192). É o que ocorre com os direitos absolutos, que apresentam sujeito passivo universal e, como conteúdo jurídico, uma prestação negativa e com as obrigações em geral. A lesão a esses direitos faz nascer, para o seu titular, uma pretensão.

Já o direito potestativo seria o poder conferido a alguém de submeter outrem à alteração, criação ou extinção de situações jurídicas (DIDIER JR., 2008, p. 196). Esses direitos se exercem com a simples manifestação de vontade do seu titular, sem exigir do sujeito passivo a prática de qualquer ação material. Por isso, eles não estão submetidos à

violação ou inadimplência e não trazem consigo uma pretensão. Tome- se como exemplo o direito de anular um negócio jurídico.

Nesta linha, a prescrição pode ser definida como a perda da pretensão de um direito violado em virtude da inércia do seu titular, no curso de determinado espaço de tempo estipulado pela lei.

Pode-se constatar que, na prescrição, não é o direito subjetivo descumprido pelo sujeito passivo que desaparece com a inércia do titular, mas o direito de exigir em juízo a prestação inadimplida (THEODORO JR., 2003, p. 5).

Desse modo, apesar de desguarnecido da pretensão, o direito subjetivo persiste de maneira débil, porque não está mais amparado no poder jurídico de exigir o seu cumprimento pelas vias jurisdicionais. Contudo, caso o devedor esteja disposto a cumpri-lo, o pagamento será reputado válido e eficaz (THEODORO JR., 2003, p. 16-17).

Observa-se também que a prescrição é um acontecimento meramente acidental na vida do direito subjetivo, posto que só emerge do fato anormal do inadimplemento. Por isso, o prazo prescricional só se origina a partir do descumprimento da prestação e, dentro do seu curso, o credor poderá reagir, forçando a execução da prestação descumprida (THEODORO JR., 2003, p. 34).

É a comunhão desses dois fenômenos: a inércia (fenômeno subjetivo e voluntário) e o decurso do tempo (fenômeno objetivo) que atuam como agentes extintivos da pretensão.

A prescrição atua contra a inércia no exercício da pretensão, buscando restituir a estabilidade do direito e apagando “o estado de incerteza resultante da perturbação, não removida pelo seu titular” (LEAL, 1982, p. 10).

Deve-se observar que, com o advento da prescrição, o direito continua a existir, o que se esvai é a possibilidade do titular exigir o seu cumprimento.

Diferentemente da prescrição, a decadência afeta o próprio direito potestativo, fulminando-o. Ela consiste no perecimento do próprio direito em virtude do seu não exercício dentro de um determinado prazo estabelecido por lei.

De acordo com Theodoro Jr. (2003, p. 34), na esfera dos direitos potestativos, surgem faculdades, com prazo marcado para o seu exercício e que deixam de valer quando, por qualquer motivo, o titular deixe transcorrer o tempo previsto. Por conta destas particularidades, o prazo decadencial deve ser contado a partir do nascimento do direito potestativo (THEODORO JR., 2003, p. 35).

É possível notar que o instituto da prescrição apresenta uma feição bastante individualista. Como bem sintetiza Cristiano Farias, ele pretende “que um determinado direito não seja exercitado indefinidamente, funcionando como uma espada de Dâmocles sobre aquele a quem se dirige a pretensão” (FARIAS, C., 2005, 546).

O seu principal fundamento é “a segurança das relações jurídicas, cuja estabilidade se recomenda ainda quando não se ajusta com rigor e por inteiro ao ideal de justiça” (THEODORO JR., 2003, p. 18). Neste sentido, cabe à prescrição o trabalho de consolidar situações de fato que tenham perdurado por um longo período e que, em nome da segurança e da paz social, devem se tornar definitivas (THEODORO JR., 2003, p. 19).

Ele é bem justificado e aplicado quando se está diante de direitos individuais e disponíveis. Transportando a sua aplicação para o âmbito ambiental, encontram-se diversos entraves, pois, como observa Parkinson (2005, p. 207), os danos ambientais normalmente são duradouros e não resultam de uma única ação localizável no tempo, dependendo um lento processo para que se manifestem.

Outra dificuldade diz respeito à identificação do marco inicial para o cômputo do prazo prescricional, uma vez que reconhecimento da existência do dano ambiental depende da realização de diversas perícias para que se identifique a origem, o mecanismo de produção e os agentes causadores. Não raro, existe um longo período de tempo entre o seu reconhecimento e a propagação das primeiras moléstias.

O principal argumento para a defesa da imprescritibilidade da pretensão de reparação do dano ambiental é o reconhecimento do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, na Constituição Federal de 1988, como direito fundamental e, como tal, irrenunciável, inalienável e imprescritível.

Essa conclusão parte de uma concepção material de direito fundamental que, com base no § 2º do art. 5º, compreende que além dos direitos consagrados no Título I da Constituição Federal, também gozam dessa prerrogativa outros direitos decorrentes do regime e dos princípios constitucionais adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Torna-se, então, inconteste o caráter fundamental do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, direito consagrado em diversos tratados internacionais, indispensável para a preservação do direito à vida e para a concretização do princípio fundamental da

dignidade da pessoa humana. Esse é o caminho trilhado pelo Supremo Tribunal Federal em diversos acórdãos.31

Pode-se afirmar, com segurança, que o caráter fundamental do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado já se encontra pacificado na jurisprudência brasileira.

Em outra senda, é certo que, frequentemente, o dano ambiental não tem os seus efeitos circunscritos ao presente. Uma das características da sociedade de risco é a produção de riscos com projeções para o futuro, que podem comprometer a qualidade de vida e a própria existência das futuras gerações.

Dessa forma, como seria possível estabelecer um prazo determinado para o exercício da pretensão de reparação a partir da lesão do meio ambiente, se a invisibilidade dos seus efeitos e a sua projeção para o futuro escapam de uma delimitação temporal?

Aplicar a regra geral da prescrição aqui significaria o comprometimento da própria eficácia da responsabilidade civil ambiental. Seria legar ao Direito ambiental uma mera função simbólica na gestão dos riscos ambientais.

Neste cenário, percebe-se que, no contexto do dano ambiental, existem dois valores contrapostos, de um lado, a necessidade de estabilidade das relações jurídicas e, de outro, a proteção do meio ambiente e a preservação do direito das futuras gerações.

Dessa forma, na solução dessa colisão não se pode admitir a prevalência da segurança jurídica e dos interesses individuais sobre a possibilidade de reparação do dano ambiental, com prejuízos tanto para a geração presente quanto para os que virão.

Por conta disso, jurisprudência brasileira tem se firmado no sentido de que a pretensão de reparação de danos ambientais está protegida pela imprescritibilidade. É o que se extrai deste trecho da ementa do Acórdão em Recurso Especial n. 647.493-SC, de relatoria do Ministro João Otávio de Noronha.

Com relação à prescrição, em se tratando de pretensão que visa à recuperação de meio

31 Tome-se como exemplo os acórdãos do STF no Mandado de Segurança nº 22.164-SP e na Ação Direta de Inconstitucionalidade n º 3540-DF.

ambiente degradado, é imprescritível o direito de ação coletiva [...]32.

Mais recentemente, a segunda turma do Superior Tribunal de Justiça reiterou essa orientação no Recurso Especial nº 1120117 / AC, julgado em novembro de 2009 e relatado pela Min. Eliana Calmon. Segundo fragmento da ementa:

ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL -

DIREITO AMBIENTAL- AÇÃO CIVIL

PÚBLICA – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL – IMPRESCRITIBILIDADE DA REPARAÇÃO DO DANO AMBIENTAL – PEDIDO GENÉRICO – ARBITRAMENTO DO QUANTUM DEBEATUR NA SENTENÇA: REVISÃO, POSSIBILIDADE – SÚMULAS 284/STF E 7/STJ.

[...]

5. Tratando-se de direito difuso, a reparação civil assume grande amplitude, com profundas implicações na espécie de responsabilidade do degradador que é objetiva, fundada no simples risco ou no simples fato da atividade danosa, independentemente da culpa do agente causador do dano.

6. O direito ao pedido de reparação de danos ambientais, dentro da logicidade hermenêutica, está protegido pelo manto da imprescritibilidade, por se tratar de direito inerente à vida, fundamental e essencial à afirmação dos povos, independentemente de não estar expresso em texto legal.

7. Em matéria de prescrição cumpre distinguir qual o bem jurídico tutelado: se eminentemente privado seguem-se os prazos normais das ações indenizatórias; se o bem jurídico é indisponível,

32 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão em recurso especial n. 647.493-SC. Relator: Ministro João Otávio de Noronha. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/jurispruden cia/doc.jsp?livre=meio+ambiente+e+minera%E7%E3o&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=1 >. Acesso em: 01 maio 2008.

fundamental, antecedendo a todos os demais direitos, pois sem ele não há vida, nem saúde, nem trabalho, nem lazer, considera-se imprescritível o direito à reparação.

8. O dano ambiental inclui-se dentre os direitos indisponíveis e como tal está dentre os poucos acobertados pelo manto da imprescritibilidade a ação que visa reparar o dano ambiental.

[...]

O presente acórdão concebe a imprescritibilidade como decorrência lógica da fundamentalidade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Além disso, faz uma importante diferenciação, extensível a todos os direitos coletivos e difusos, destacando que quando o bem jurídico tutelado é privado, deve se orientar pelos prazos prescricionais comuns, mas se tratando de direito fundamental, indisponível, a pretensão reparatória sempre será imprescritível.

2.6 PRINCÍPIOS INFORMADORES DA RESPONSABILIDADE