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2.5 A RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL

2.5.1 Elementos da responsabilidade civil ambiental

Como assinalado, a responsabilidade civil por danos ao meio ambiente exige como elementos a presença de uma conduta ou atividade, a ocorrência de dano e a existência de nexo causal.

Com relação à conduta ou atividade abrangida pela responsabilidade civil ambiental, deve-se questionar a respeito da sua natureza, o que implica em determinar se ela se restringe às condutas e atividades consideradas perigosas ou alcança as demais (aquelas que não comportam perigo) e esclarecer se ela se aplica apenas às condutas e atividades ilícitas ou também incide sobre os comportamentos compatíveis com a legislação.

19 De acordo com o art. 14, §1º da Lei 6.938/1981: “Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade [...]” (BRASIL, 2007, p. 790-791).

20 Segundo o §3º do art. 225 da Constituição Federal: “§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados” (BRASIL, 2010, p. 146).

No âmbito interno dos Estados, a definição das atividades sobre as quais deve incidir a responsabilização ambiental é bastante diversa. Ordenamentos jurídicos como o francês, o holandês e o italiano optaram acolher a responsabilidade civil subjetiva como regra, adotando a teoria objetiva apenas para as substâncias e atividades perigosas. No entanto, é possível verificar certa tendência em direção à generalização da responsabilização objetiva (CATALÁ, 1998, p. 106).

Já no âmbito dos tratados internacionais, a maior parte deles ainda limita a responsabilidade objetiva por danos ambientais às atividades e substâncias que comportam perigo.

No caso do Brasil, pode-se dizer que o país optou por um sistema abrangente de responsabilidade civil ambiental que, dentre outros méritos, não difere as atividades perigosas das demais e, por isso, faz prevalecer o risco evidenciado pela própria existência do dano sobre a periculosidade inerente da atividade ou substância considerada em si. De fato, para haver a incidência da responsabilidade civil ambiental, exige- se apenas que o dano ambiental decorra de atividade que, direta ou indiretamente, afete o meio ambiente.

Essa conclusão pode ser evidenciada pela leitura do art. 3º, inc. IV da Lei 6.938/1981, que conceitua poluidor como “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental”, alcançando todos aqueles que, por meio de suas atividades, não importando a qualificação da atividade como perigosa ou não, produzam dano ambiental.

Por conta disso, tanto respondem objetivamente por dano ambiental, uma indústria que, ao produzir e comercializar uma substância perigosa, causa degradação ambiental, quanto um pequeno agricultor que, ao realizar uma queimada em sua propriedade, destrói áreas consideradas de preservação permanente.

Na discussão a respeito do caráter lícito ou ilícito da conduta, deve-se ter em mente que a ilicitude não se confunde com a culpabilidade, pois, muito embora a ilicitude seja um indício da culpabilidade, é perfeitamente possível haver comportamentos ilícitos e não culpáveis.

Dessa forma, pode-se entender como ilícito o comportamento que viola as normas de proteção ambiental, sejam elas emanadas do Poder Legislativo ou fixadas pela Administração.

Deve-se indagar, portanto, se o agente que exerce uma atividade em consonância com as normas ambientais ou de acordo com uma licença ou autorização administrativa, mas, ainda assim, causa degradação ambiental, pode ser responsabilizado civilmente.

A Lei italiana nº 349, de 08 de julho de 1986, que cria o Ministério do Meio Ambiente e estabelece normas sobre os danos ambientais, exige, em seu art. 18, como pressuposto para a responsabilização civil, que o fato doloso ou culposo também viole disposições legais ou de provimentos adotados com base na lei. No entanto, a maior parte dos tratados internacionais e das normas internas dos Estados considera que o cumprimento das normas de proteção não configura excludente da responsabilidade civil ambiental.

No mesmo sentido, para a maior parte da doutrina brasileira, a discussão do caráter lícito ou ilícito da conduta não é relevante para a incidência da responsabilidade civil ambiental, uma vez que o dano ambiental sempre será reputado como ilegal, ilegítimo ou injusto, gerando para o causador o dever de ressarci-lo.

Esta compreensão é tributária das modernas teorias, que entendem que a injustiça do dano é mais relevante que a injustiça da ação danosa21.

A responsabilização civil ambiental por comportamento lícito deflagrador de dano ambiental justifica-se uma vez que, além de lucrar com a atividade ou comportamento danoso, o agente degradador comumente repassa os custos da reparação para o preço final dos seus produtos.

Por outro lado, é certo que os padrões de qualidade ambiental estabelecidos pelos Estados, além de muitas vezes obsoletos, não raro são incompletos, lançando muitas dúvidas quanto ao seu rigor científico e sobre as circunstâncias em que as licenças e as autorizações são concedidas.

21 Apesar desta compreensão, verifica-se no direito brasileiro, o ressurgimento de uma função punitiva da responsabilidade civil, através da aplicação da doutrina anglo-saxônica do

punitive damages, sobretudo nas hipóteses de responsabilização por danos extrapatrimoniais.

Para Martins-Costa (2005, p. 22-23), considerando que o dano moral não deixa “lastros patrimoniais”, a sua indenizabilidade termina adotando como fundamento implícito, a noção de pena privada, na medida em que tem como objetivo a tarefa de não deixar o ofensor impune. Para aprofundamento do tema, leia-se: MARTINS-COSTA, Judith; Mariana Souza, PARGENDLER. Usos e abusos da função punitiva. In: Revista CEJ, n. 28, jan./mar. 2005. Disponível em: http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/cej/article/view/643/823. Acesso em: 31 de janeiro de 2012 e VAZ, Carolina. Funções da responsabilidade civil: da reparação à punição e dissuasão: os punitive damages no direito comparado e brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.

O dano e o nexo de causalidade serão aprofundados, sucessivamente, nos próximos capítulos desta tese. Por conta disso, neste tópico, serão traçadas apenas as linhas gerais destes dois elementos que compõem da responsabilidade civil ambiental.

Verifica-se que além da dificuldade de identificar o dano ambiental, este elemento apresenta uma noção ambivalente, podendo referir-se tanto ao dano ecológico puro quanto ao dano individual causado por intermédio do meio ambiente.

Em face do princípio da reparação integral, toda e qualquer dano ambiental, seja ele individual, coletivo, patrimonial ou extrapatrimonial deve ser ressarcido do modo mais abrangente possível pelos seus causadores, tenham eles dado causa direta ou indiretamente à lesão.

O dano ambiental também apresenta diversos traços peculiares, que o distanciam dos danos tradicionais e impõem necessários ajustes à teoria clássica da responsabilidade civil, dentre eles, destacam-se: seu caráter transindividual, a incerteza e a invisibilidade quanto à sua produção, seu caráter extensivo no tempo e no espaço, suas propriedades cumulativas e sinergéticas e a ampla dispersão das suas vítimas e causadores.

Por sua vez, o nexo de causalidade pode ser compreendido como o enlace material que vincula o comportamento lesivo ao dano ambiental. Embora seja elemento comum a qualquer forma de responsabilização civil, é no campo da teoria objetiva que ganha maior importância.

Embora o seu conceito seja de fácil compreensão, é no âmbito do nexo de causalidade que se encontram os maiores óbices para a efetivação da responsabilidade civil, pois há grandes dificuldades, sobretudo diante da complexidade do dano ambiental, de se identificar as causas do evento lesivo e de se comprovar o liame causal.

2.5.2 Teoria do risco acolhida pelo ordenamento ambiental