• Nenhum resultado encontrado

3.3 DIMENSÕES DO DANO AMBIENTAL

3.3.4 Dano ambiental extrapatrimonial ou moral

Ao lado do dano ambiental material, também é possível que a perturbação ao meio ambiente acarrete lesões a valores imateriais relevantes para uma dada coletividade ou, indiretamente, atinja direitos personalíssimos de determinados particulares, configurando, assim, danos ambientais extrapatrimoniais ou morais.

A reparação do dano moral ganhou um grande incremento com a Constituição Federal de 1988, que previu nos incisos V e X do art. 5º, a possibilidade de indenização pelo dano exclusivamente moral55. A reparabilidade deste dano também está expressa no art. 186 do Código Civil brasileiro que dispõe que: “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” (grifo nosso).

55 De acordo com os incisos V e X do art. 5º da Constituição Federal: Art. 5º [...] V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; [...] X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (BRASIL, 1988).

Do mesmo modo, não há qualquer dúvida a respeito da possibilidade de sua reparação e da cumulação entre o dano patrimonial e o moral oriundos do mesmo fato. Este entendimento encontra-se, inclusive, sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça.56

Muito embora a dogmática civil clássica tenha atrelado o dano moral à ideia de sofrimento individual, verifica-se que, na atualidade, a doutrina e a jurisprudência têm alterado esta concepção e estendido a sua aplicação para a pessoa jurídica e para grupos de pessoas. Prova disso são a redação do art. 52 do Código Civil pátrio que determina que: “Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade” e a súmula 227 do Superior Tribunal de Justiça, que preleciona que a pessoa jurídica também pode ser vítima de dano moral.

Embora a maior parte das definições de dano moral recorra à noção de sofrimento humano não gerado por uma perda pecuniária, essa compreensão tem sido encarada como excessivamente ampla, permitindo que quase todo incômodo ou desconforto configure dano moral. Essa constatação tem imposto uma revisão crítica do conceito dano moral, que indaga se, efetivamente, toda dor, tristeza ou constrangimento pode ser considerado como elemento concreto e adequado para legitimar a reparação de dano moral. Nesta reconstrução, destacam-se os trabalhos da Moraes que enfatiza que:

O fato é que a reparação dos danos morais não pode mais operar, como vem ocorrendo, no nível do senso comum. Sua importância no mundo atual exige que se busque alcançar um determinado grau de tecnicidade, do ponto de vista da ciência do direito, contribuindo-se para edificar uma categoria teórica que seja elaborada o suficiente para demarcar as numerosas especificidades do instituto. A ausência de rigor científico e objetividade na conceituação do dano moral têm gerado obstáculos ao adequado desenvolvimento da responsabilidade civil além de perpetrar, cotidianamente, graves injustiças e incertezas ao jurisdicionados. (MORAES, 2006b, p. 243).

56 A Súmula 37 do STJ determina que: “são cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato”.

Por conta da alta generalidade e das dificuldades apresentadas pelo conceito de dano moral, a doutrina mais moderna tem vinculado o dano moral aos direitos da personalidade, considerando-o como uma lesão a esses direitos, construindo, assim, uma acepção objetiva de dano moral, em contraposição a sua feição subjetiva e terminando por oferecer um critério mais técnico para a sua identificação (MORAES, 2006, p. 246).

Nesse novo cenário e socorrendo-se de uma visão constitucionalizada de dano moral, Moraes (2006, p. 246) prefere conceituá-lo como a lesão à dignidade da pessoa humana.

Quanto ao dano moral ou extrapatrimonial ambiental, verifica-se que a sua reparação tem previsão expressa no art. 1º caput da Lei 7347 de 1985 (Lei da Ação Civil Pública)57.

Este dano se traduz num prejuízo não patrimonial, decorrente de uma lesão ao meio ambiente, que afeta a coletividade ou o indivíduo, podendo-se falar, assim, tanto na existência de danos ambientais morais coletivos quanto de danos ambientais morais individuais.

Em sua dimensão individual, o dano ambiental moral configura uma violação a direitos personalíssimos pertencentes ao indivíduo, causada reflexamente por uma perturbação ao meio ambiente. Em razão do seu caráter individual, os valores auferidos a título de indenização devem ser destinados ao particular, de forma direta.

Na sua acepção coletiva, por sua vez, consiste num dano extrapatrimonial que atinge vítimas plurais, deriva de um mesmo fato lesivo e apresenta uma feição social, na medida em que surge das relações que os membros da coletividade estabelecem com o meio ambiente ou de circunstâncias físico-temporais. Dessa forma, ele consiste numa lesão na esfera social de um grupo de sujeitos pela ofensa a interesses não patrimoniais coletivos, que apresentam uma base fática comum, ainda que não exista uma prévia relação jurídica entre os seus membros.

Para Pastorino (2005, p. 177), o dano moral coletivo seria o padecimento geral da população pela perda sofrida pelo meio ambiente ou um objeto integrante do mesmo. Quando a restauração ou recomposição ambiental é viável, vincula-se ao tempo que transcorre desde o evento danoso até sua reparação, como compensação pelo

57 De acordo com o aludido dispositivo: “Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: I - ao meio-ambiente”.

tempo transcorrido sem poder gozar de um ambiente em seu máximo nível possível de qualidade.

Segundo Steigleder (2004, p. 164), o fundamento para a sua admissibilidade é a existência de valores que norteiam a coletividade, concebida como um conglomerado de pessoas que vivem em determinado território e encontram-se unidas por fatores comuns. Esses valores portam referência à comunidade, independentemente dos seus membros e, por isso, apresentam natureza autônoma e indivisível.

No entanto, o dano ambiental extrapatrimonial coletivo nem sempre foi interpretado dessa forma.

Numa primeira aproximação, este dano foi compreendido pela doutrina brasileira como uma lesão capaz de causar dor, sofrimento ou aflição a uma coletividade ou grupo de pessoas, afetivamente vinculados ao bem ambiental afetado.

Nesse sentido, era a definição de Mirra (2010, p. 438), para quem o dano moral ambiental, como dano coletivo, consistiria na dor ou no sentimento de frustração da sociedade decorrente da agressão a um determinado bem ambiental, ao qual a coletividade se sentisse especialmente vinculada, seja por laços de afeição, seja por algum vínculo especial a respeito.

Paccagnella (2010, p. 594) também acolheu esse entendimento, considerando que o objetivo da responsabilização pelo dano moral coletivo era o mesmo do dano moral individual, ou seja, reparar o sofrimento, a dor, o desgosto do ser humano. A única diferença era que o dano extrapatrimonial coletivo referia-se ao sofrimento de diversas pessoas dispersas em certa coletividade ou grupo social (dor difusa ou coletiva), em vista de certo dano ao patrimônio ambiental.

Dessa forma, a diminuição da qualidade de vida da população, o desequilíbrio ecológico, a lesão a um determinado espaço protegido, os incômodos físicos ou lesões à saúde, deveriam ser consideradas como lesões ao patrimônio ambiental. O dano moral, por sua vez, surgiria quando, além (ou independentemente) dessa repercussão física no patrimônio ambiental, houvesse ofensa ao sentimento difuso ou coletivo. Por conta disso, sempre que dano ambiental fosse alvo de comoção popular, com ofensa ao sentimento coletivo, também haveria dano moral ambiental indenizável (PACCAGNELLA, 2010, p. 596).

No entanto, a partir da nova a compreensão conferida pela doutrina ao dano moral, é possível vincular o direito ambiental ao direito da personalidade. Essa possibilidade decorre da compreensão dos direitos da personalidade como categoria aberta, da equiparação entre o direito ao meio ambiente e os interesses relacionados à pessoa e da

consagração deste direito no texto constitucional como direito da personalidade, de caráter autônomo e desvinculado de outros direitos, como o direito à vida ou à saúde (LEITE; AYALA, 2010, p. 278).

Nesse sentido, o direito ao meio ambiente deve ser compreendido como um direito da personalidade, autônomo em relação à saúde e aos direitos patrimoniais, pois a existência de um ambiente ecologicamente equilibrado representa uma condição indispensável para o completo desenvolvimento da personalidade humana. Para Leite (2010, p. 285), este direito da personalidade tem caráter difuso e caracteriza-se pela união indeterminada dos sujeitos e pela existência de certa comunhão de interesses, pois este dano atinge toda a coletividade, de forma indiscriminada.

Assim, através de uma visão renovada deste instituto, o dano extrapatrimonial ambiental dispensa a existência de dor como elemento essencial, bastando, para a sua configuração, a ocorrência de ofensa a valores coletivos, compreendidos como o conjunto de crenças, costumes, significados coletivos, sentimentos religiosos, valores espirituais ou morais, materializados por meio de tradições, conhecimentos ou saberes de caráter coletivo, cultural ou social.

Embora a sua aceitabilidade seja crescente, ainda existem, na doutrina, autores contrários à reparabilidade do dano moral coletivo.58 As principais objeções ao seu reconhecimento fundam-se no requisito da pessoalidade do dano, na ausência de sujeito individual lesado, na dificuldade de se identificar os lesados e para provar, quantificar e reclamar judicialmente a reparação (GALDÓS, 2009, p. 289).

É certo, porém, que, se problemas existem em torno do tema, a sua solução não passa pela mera negação da sua existência, cabendo, assim, aos juristas a tarefa de adaptar os mecanismos da responsabilidade civil às peculiaridades do dano moral coletivo, como forma de garantir o atendimento aos ditames do princípio da reparação integral.

Ademais, neste cenário, parece, no mínimo, contraditório admitir- se a reparação do dano moral que afeta as pessoas jurídicas e negar a reparabilidade do dano que atinge os valores imateriais que regem a coletividade.

58 Defendem este posicionamento, dentre outros, Edgardo Saux e Eduardo Zannoni na Argentina, e Rui Stoco no Brasil.

O dano moral pode ser classificado como objetivo ou subjetivo. Do ponto de vista objetivo, o agravo que se reveste de uma feição social, na medida em que nasce das relações da pessoa em seu ambiente ou circunstância físico-temporal e sua reparação tem por finalidade proteger o meio ambiente como bem autônomo pertencente à coletividade. Já sob a perspectiva subjetiva, o dano moral ambiental relaciona-se com as afeições íntimas, convicções e crenças e pretende assegurar um interesse particular pertencente a uma pessoa determinada. De acordo com Steigleder (2004, p. 174), é possível identificar ainda algumas categorias de dano ambiental extrapatrimonial coletivo, na sua dimensão objetiva, que seriam: (a) o dano ambiental coletivo, caracterizado pela diminuição da qualidade de vida e do bem-estar da coletividade; (b) o dano social, que consiste na privação de microbens ambientais degradados e, por fim, (c) o dano ao valor intrínseco ao meio ambiente que seria o valor do meio ambiente considerado em si mesmo.

No entanto, como ocorre com os danos ambientais em geral, não é qualquer perturbação que pode configurar dano extrapatrimonial ambiental, mas apenas aquela que seja relevante, ultrapassando o limite de tolerabilidade.

Diversamente do dano ambiental moral individual, aqui o agravo é coletivo e não se traduz pessoalmente a seus membros, por conta disso, eventual indenização deve ser destinada ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, voltando-se para a recomposição do ambiente afetado.

Do ponto de vista probatório, enquanto o dano ambiental moral individual atinge pessoas determinadas e pode ser comprovado com certa facilidade, o dano moral coletivo, em razão de afetar o meio social e o ambiente de uma coletividade, é menos evidente e tem uma prova mais difícil. Por conta disso, há no Brasil forte tendência doutrinária59 no sentido de que, em sede de dano ambiental moral coletivo, não se deve exigir a prova concreta de sua realização, presumindo a sua ocorrência em virtude da gravidade da lesão.

Com relação à quantificação, encontram-se aqui os mesmos problemas enfrentados na discussão do dano ambiental material.

O dano ambiental extrapatrimonial percorreu um longo caminho até ter a sua exigibilidade reconhecida pelos tribunais. São precedentes importantes para o seu reconhecimento jurisdicional as apelações cíveis nº 70001616895 e 2001.001.14586, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, respectivamente.

59 Seguem este entendimento, dentre outros: José Rubens Morato Leite, Annelise Monteiro Steigleder e André de Carvalho Ramos.

O primeiro acórdão, de 17/05/2001, foi relatado pelo Des. Jorge Alberto Pestana e cuidava de ação indenizatória proposta pelo proprietário de um imóvel localizado no Município de Santa Maria contra uma empresa de engenharia, que teria ingressado em sua propriedade sem sua autorização e degradado uma área de aproximadamente 2.470 m2, com o objetivo de ali instalar uma rede elétrica.

O julgado reconheceu expressamente a possibilidade de indenização por dano moral para aquele que tem sua propriedade agredida ecologicamente e foi assim ementado:

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS

PATRIMONIAIS E MORAIS.

RESPONSABILIDADE CIVIL.

Quando o dano ambiental foi ocasionado por terceiro, possível a indenização por dano moral pela lesão ocorrida. Inexiste pagamento de dano material caso houve acordo em outro processo, que tem como parte o Ministério Público, para a recomposição da área ao estado anterior ao evento. Deram provimento em parte. Decisão unânime.

A segunda apelação, de relatoria da Des. Maria Raimunda T. Azevedo, foi julgada em 07/08/2002 e teve a seguinte ementa:

AÇÃO CIVIL PUBLICA. POLUIÇÃO

AMBIENTAL. CORTE DE ARVORE. FALTA

DE AUTORIZACAO JUDICIAL.

CONSTRUCAO SEM LICENCA.

RESSARCIMENTO DOS DANOS. DANO MORAL. FIXACAO DO VALOR. RECURSO PROVIDO. EMBARGOS DE DECLARACAO. ACOLHIMENTO.

Poluição Ambiental. Ação Civil Pública formulada pelo Município do Rio de Janeiro. Poluição consistente em supressão da vegetação do imóvel sem a devida autorização municipal. Cortes de árvores e inicio de construção não

licenciada, ensejando multas e interdição do local. Dano à coletividade com a destruição do ecossistema, trazendo consequências nocivas ao meio ambiente, com infringência, às leis ambientais, Lei Federal 4.771/65, Decreto Federal 750/93, artigo 2º, Decreto Federal 99.274/90, artigo 34 e inciso XI, e a Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro, artigo 477. Condenação a reparação de danos materiais consistentes no plantio de 2.800 árvores, e ao desfazimento das obras. Reforma da sentença para inclusão do dano moral perpetrado a coletividade. Quantificação do dano moral ambiental razoável e proporcional ao prejuízo coletivo. A impossibilidade de reposição do ambiente ao estado anterior justifica a condenação em dano moral pela degradação ambiental prejudicial a coletividade. Provimento do recurso.

A apelação foi interposta pelo Município do Rio de Janeiro e pretendia a revisão da sentença em ação civil pública, que, apesar de condenar um particular na obrigação de recompor o ecossistema degradado (com a plantação de 2.800 espécies nativas, a demolição das obras realizadas e a retirada de entulho), indeferiu o pedido de condenação na obrigação de reparar os danos morais causados à coletividade.

O Tribunal seguiu o entendimento da relatora, segundo o qual a condenação imposta com o objetivo de restituir o meio ambiente ao estado anterior não impedia o reconhecimento da reparação do dano moral ambiental, reconhecendo, no caso concreto, a presença de lesão moral coletiva, consistente na perda de valores ambientais pela coletividade, que ficaria privada durante um período de 10 a 15 anos do acesso aos recursos naturais degradados.

O Superior Tribunal de Justiça analisou a exigibilidade do dano ambiental moral coletivo apenas em 2006, por meio do Recurso Especial 598281 / MG, relatado pelo Min. Luiz Fux.

Tratava-se de recurso extraordinário contra acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que entendeu pela impossibilidade de condenação de dano moral coletivo em sede de ação civil pública na qual se discute a reparação de danos ao meio ambiente.

Embora o voto do relator tenha sido favorável ao reconhecimento do dano ambiental moral coletivo, a primeira turma terminou perfilhando o entendimento do Min. Teori Zavascki.

Para este ministro, apesar do dano ambiental ou ecológico possa, em tese, acarretar também o dano moral, a vítima do dano moral deve ser, necessariamente, uma pessoa, pois este dano não seria compatível com a transindividualidade da lesão. A ementa foi elaborada da seguinte forma:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL

PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. DANO

MORAL COLETIVO. NECESSÁRIA

VINCULAÇÃO DO DANO MORAL À NOÇÃO DE DOR, DE SOFRIMENTO PSÍQUICO, DE

CARÁTER INDIVIDUAL.

INCOMPATIBILIDADE COM A NOÇÃO DE TRANSINDIVIDUALIDADE

(INDETERMINABILIDADE DO SUJEITO

PASSIVO E INDIVISIBILIDADE DA OFENSA E DA REPARAÇÃO). RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.

O equívoco desta decisão está no não reconhecimento de que, ao lado das lesões individuais, no dano moral coletivo, existe a ofensa a valores relevantes para a sociedade que, em razão do seu caráter comum, não são usufruídos de maneira individual ou exclusiva. Nessas lesões, a vítima direta é a coletividade e não os indivíduos isoladamente considerados, ainda quando as consequências destes danos repercutam sobre eles (GALDÓN, 2009, p. 289).

Mais recentemente, a segunda turma teve oportunidade de apreciar a questão, por meio do Recurso Especial 1057274 / RS, de relatoria da Min. Eliana Calmon.

O acórdão debateu a possibilidade de configuração de dano moral coletivo perpetrado por empresa de transporte que exigia procedimento de cadastramento de idosos para que estes pudessem gozar do benefício do passe livre, em aberta violação ao art. 39, § 1º do Estatuto do Idoso, que exige, para concessão da gratuidade, apenas a apresentação de documento de identidade. Eis a ementa do acórdão:

ADMINISTRATIVO - TRANSPORTE - PASSE LIVRE - IDOSOS - DANO MORAL COLETIVO - DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA DOR E DE SOFRIMENTO - APLICAÇÃO

EXCLUSIVA AO DANO MORAL

INDIVIDUAL - CADASTRAMENTO DE

IDOSOS PARA USUFRUTO DE DIREITO -

ILEGALIDADE DA EXIGÊNCIA PELA

EMPRESA DE TRANSPORTE - ART. 39, § 1º DO ESTATUTO DO IDOSO - LEI

10741/2003 VIAÇÃO NÃO

PREQUESTIONADO.

1. O dano moral coletivo, assim entendido o que é transindividual e atinge uma classe específica ou não de pessoas, é passível de comprovação pela presença de prejuízo à imagem e à moral coletiva dos indivíduos enquanto síntese das individualidades percebidas como segmento, derivado de uma mesma relação jurídica-base. 2. O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprovação de dor, de sofrimento e de abalo psicológico, suscetíveis de apreciação na esfera do indivíduo, mas inaplicável aos interesses difusos e coletivos.

3. Na espécie, o dano coletivo apontado foi a submissão dos idosos a procedimento de cadastramento para o gozo do benefício do passe livre, cujo deslocamento foi custeado pelos interessados, quando o Estatuto do Idoso, art. 39, § 1º exige apenas a apresentação de documento de identidade.

4. Conduta da empresa de viação injurídica se considerado o sistema normativo.

5. Afastada a sanção pecuniária pelo Tribunal que considerou as circunstâncias fáticas e probatória e restando sem prequestionamento o Estatuto do Idoso, mantém-se a decisão.

5. Recurso especial parcialmente provido.

Importam, neste julgado, particularmente os seguintes trechos do voto da relatora:

O dano moral extrapatrimonial deve ser averiguado de acordo com as características próprias aos interesses difusos e coletivos, distanciando-se quanto aos caracteres próprios das pessoas físicas que compõem determinada coletividade ou grupo determinado ou indeterminado de pessoas, sem olvidar que é a confluência dos valores individuais que dão singularidade ao valor coletivo.

O dano moral extrapatrimonial atinge direitos de personalidade do grupo ou coletividade enquanto realidade massificada, que a cada dia mais reclama soluções jurídicas para sua proteção. É evidente que uma coletividade de índios pode sofrer ofensa à honra, à sua dignidade, à sua boa reputação, à sua história, costumes e tradições. Isso não importa exigir que a coletividade sinta a dor, a repulsa, a indignação tal qual fosse um indivíduo isolado. Estas decorrem do sentimento coletivo de participar de determinado grupo ou coletividade, relacionando a própria individualidade à ideia do coletivo.

Verifica-se, a partir da análise destes acórdãos, que os tribunais nacionais têm amadurecido a ideia de dano moral ambiental coletivo, apontando para a tendência doutrinária que admite a sua reparabilidade integral, independentemente da possibilidade de mensuração individual da ofensa a interesses difusos ou coletivos da comunidade ou da existência de prova de que houve dor, sentimento ou lesão psíquica aos indivíduos.

3.4 DILUIÇÃO DOS REQUISITOS PARA A REPARAÇÃO DO