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2.6 PRINCÍPIOS INFORMADORES DA RESPONSABILIDADE

2.6.4 Princípios do poluidor-pagador e do usuário-pagador

Segundo Aragão (1997, p. 59), o princípio do poluidor pagador tem a sua primeira afirmação na OCDE, de 1975, onde foi definido como: “princípio que se usa para afetar os custos das medidas de prevenção e controle da poluição, para estimular a utilização racional dos recursos ambientais escassos e para evitar distorções ao comércio e ao investimento dos recursos internacionais”.

Dessa forma, tem-se que, primordialmente, os dois objetivos almejados pelo princípio eram de cunho estritamente econômico e voltavam-se para o encorajamento da utilização racional dos recursos ambientais escassos e para a contenção das distorções que as medidas de proteção ambiental poderiam causar ao comércio e ao investimento internacionais.

Atualmente, pode-se constatar que o princípio do poluidor pagador adquire outro alcance que se relaciona estreitamente com a prevenção dos danos ambientais e, subsidiariamente, com a reparação e a repressão dos danos ambientais. Ele procura, assim, compelir o

poluidor a pagar pela poluição que pode ser ou que já foi causada (MACHADO, 2001, p. 48).

Contudo, não se pode confundir o significado do princípio com a ideia de que basta o poluidor pagar para ter o direito a poluir, ou com a pretensa constituição de uma licença para poluir. Na verdade, a real intenção do princípio é a de forçar o poluidor a adotar medidas que previnam a ocorrência do dano ambiental e não a de cobrar para que o poluidor exerça a sua atividade livremente, sem se preocupar com as consequências que o seu exercício possa acarretar para o meio ambiente. Assim, na sua dimensão preventiva, a compreensão do princípio do poluidor pagador pressupõe o entendimento acerca do que são as externalidades negativas da produção.

Entende-se por externalidades negativas o conjunto dos efeitos sociais secundários da produção, de caráter nocivo, que não são espontaneamente considerados nem contabilizados nas decisões de consumo de quem desenvolve a atividade que os gera (ARAGÃO, 1997, p. 32). Por isso, aquele que causa esses transtornos a outrem não paga por eles.

Ora, o que o princípio do poluidor pagador exige é a correção e a internalização desses custos sociais nocivos, que são um subproduto da atividade desenvolvida, fazendo com que os preços do mercado sejam compatíveis com a totalidade dos custos dos danos ambientais gerados pela poluição ou pela sua prevenção (BENJAMIN, 1998, p. 19). Para que este fim seja alcançado, o produtor deve custear as medidas de diminuição, eliminação ou neutralização do dano ambiental.

O poluidor também deve arcar com as despesas provenientes de uma eventual degradação ambiental, quando as medidas por ele empregadas não forem suficientes para evitar a ocorrência do dano. Nesta linha, Machado lembra que “o investimento efetuado para prevenir o dano ou o pagamento do tributo, da tarifa ou do preço público não isentam o poluidor ou predador de ter examinada e aferida sua responsabilidade residual de reparar o dano” (MACHADO, 2001, p. 48). Nesta hipótese, concretiza-se a função subsidiária do princípio, que consiste precisamente em buscar a reparação do dano ambiental ocorrido. Ressalte-se, ainda, que a obrigação de reparar a degradação persiste, mesmo que o poluidor comprove que adotou todas as medidas adequadas para prevenir a degradação do meio ambiente.

Contudo, quando as condições de concorrência no mercado forem favoráveis, o produtor pode transferir os custos das medidas preventivas

para o preço do produto final. Por isso, em virtude da repercussão que a internalização dos custos ambientais acarreta sobre os preços dos produtos, a adoção do princípio pode implicar numa injusta distribuição das riquezas, fazendo com que o consumidor pague pela utilização de produtos que não prejudiquem o ambiente (DERANI, 2001, p. 162-163). Outro problema referente ao princípio diz respeito aos limites que o mercado impõe para a internalização dos custos ambientais. Segundo Derani:

[...] as leis que dispõem sobre a internalização dos custos ambientais concentram-se geralmente até o limite em que não se sobrecarrega o valor dos custos de produção, evidentemente porque levando a aplicação do princípio do poluidor pagador até os seus limites, chegar-se-ia à paralisação da dinâmica do mercado, por uma elevação dos preços impossível de ser absorvida nas relações de troca. (DERANI, 2001, p. 163).

Nesse caso, embora o princípio do poluidor pagador não possa exercer a sua função preventiva em toda a sua extensão, ele obrigará o produtor a escolher entre arcar sozinho com as despesas das medidas de prevenção ou pagar o alto custo da reparação dos danos ambientais eventualmente causados.

O princípio do usuário pagador, por sua vez, é uma derivação do poluidor-pagador e determina que os preços do mercado de consumo devem ser sempre um reflexo dos custos ambientais e sociais decorrentes do uso e do esgotamento do recurso. Pretende, desta maneira, corrigir a falha do mercado, segundo a qual o usuário, que contribui para a poluição e para o esgotamento dos recursos naturais, em geral, não arca com as suas externalidades negativas, repassando-as para toda a coletividade que, antes, é titular do bem ambiental. Quando esse princípio não incide no mercado é fácil perceber que a coletividade sofre um duplo prejuízo decorrente da não compensação pela utilização do meio ambiente e das despesas necessárias para protegê-lo.

De acordo com Benjamin (1998, p. 16), a responsabilidade civil é encarada, em termos econômicos, como uma técnica de incorporação das externalidades sociais e ambientais decorrentes da atividade

produtiva e isso é possível graças à estreita relação que mantém com o princípio do poluidor pagador.

Também é possível traçar um paralelo entre a emergência deste princípio e o histórico da responsabilidade civil. Segundo Parkinson (2005, p. 99-100), o surgimento do princípio do poluidor pagador coincide com a decadência da importância da culpa para a responsabilidade civil ambiental e com a tendência de objetivação dos danos. Nesse contexto, a responsabilidade civil perde, cada vez mais, o seu substrato moral e imputa os prejuízos ambientais ao poluidor, operando uma espécie de presunção de responsabilidade e tornando irrelevante a existência de autorizações ou licenças administrativas.

A responsabilidade civil é a forma jurídica mais direta de viabilização desse princípio e deve atuar sempre como a ultima ratio, ou seja, internalizando as externalidades negativas sempre que outros mecanismos não se mostrarem eficientes na prevenção do dano ambiental (BENJAMIN, 1998, p. 16).

No mesmo sentido, Derani sustenta que a reparação da degradação ambiental pode ser concebida apenas como função subsidiária do princípio, porque “o custo a ser imputado ao poluidor não está exclusivamente vinculado à imediata reparação do dano. O verdadeiro custo está numa atuação preventiva, consistente no preenchimento da norma de proteção ambiental” (DERANI, 2001, p. 166).

De fato, este é o melhor entendimento que se deve ter em torno do princípio do poluidor-pagador, sob pena de aceitar-se a existência de um verdadeiro direito adquirido de poluir ou causar degradação ambiental.