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Apresentaremos neste trecho da discussão algumas contradições a respeito da constituição dos espaços coletivos no CAPS, pois elas possibilitam aprofundar a compreensão a respeito das configurações e experiências intersubjetivas emergentes. Explorar tais contradições também contribui para a reflexão e o delineamento de novos vetores e tendências que partem das mesmas. Além disso, algumas das contradições a serem apresentadas já começaram a ser enfrentadas e problematizadas, tanto no decorrer da pesquisa, quanto posteriormente, no processo de supervisão.

Durante a investigação observamos certa fragilidade na constituição de espaços

coletivos intra e extra-institucionais do CAPS. Os espaços coletivos favorecem a

democratização das relações institucionais através de processos de gestão participativa e compartilhada, possibilitando o explicitamento e enfrentamento dos conflitos, o exercício de práticas comunicativas interativas e a construção de processos e ações mais articulados, podendo estimular uma maior cooperação interprofissional (ONYETT, 1999; CAMPOS, 2000a; COSTA-ROSA, 2000; PEDUZZI, 2003; FURTADO, 2007).

Por outro lado, CECILIO (1999) faz uma ressalva relevante ao lembrar que os

espaços coletivos também podem representar uma ameaça por publicizar determinados

interesses que alguns atores não podem ou não querem revelar. Além disso, nem todas as práticas comunicativas se pautam necessariamente pela interação e o consenso, já que a linguagem não se reduz a um ato de comunicação, mas é também um instrumento de ação e poder (BOURDIEU, 1998b).

Entre as diversas modalidades de espaços coletivos, enfocaremos mais especificamente as reuniões (rodas) de equipe, por ser um espaço intra-institucional formal bastante representativo das interações estabelecidas entre os trabalhadores. E também porque as diversas percepções emergentes sobre este espaços contribuíram na identificação de algumas configurações relacionais a serem apresentadas posteriormente.

Para os trabalhadores mais envolvidos no processo de reorganização do CAPS, as reuniões de equipe são um espaço significativo, que ainda precisa de muitos ajustes, como uma maior presença dos médicos e o estímulo a uma participação menos reticente dos trabalhadores de nível médio. Consideram, no entanto, que as reuniões representam uma possibilidade de explicitar as divergências e construir alguns consensos, incentivando um exercício político através da participação:

“Daí a importância das rodas de tá fortalecendo, é muito importante e que a gente tem tentado criar e não teve, não teve no serviço, de tá dialogando apesar....é um espaço que tem que ser, por isso que eu chamo de político porque todo mundo vai pensando, vai colocando, vai discutindo...” (tns1)

Parece assim, que vigora entre estes trabalhadores uma concepção de

participação voluntária (BORDENAVE, 2000), caracterizada pela criação de um

processo sob responsabilidade dos proponentes, que definem as metas, objetivos e métodos do projeto coletivo do serviço. Além disso, entre os trabalhadores mais envolvidos na reorganização das ações do CAPS parece vigorar uma concepção de participação na qual seus próprios membros se colocam enquanto sujeitos do processo, no intuito de deslocar o eixo de poder, compreendendo participação também como co- responsabilização e transformação consoante com concepções de participação popular defendidas no SUS (CAMPOS, 2000ª; ALBUQUERQUE, 2007).

Já, outros profissionais menos envolvidos com o processo de reorganização - que também se percebem menos ouvidos pela coordenação, bem como a grande maioria dos trabalhadores de nível médio e também os médicos, consideraram as reuniões cansativas, improdutivas e esvaziadas de sentido.

A não participação nas reuniões revestiu-se então de diversos sentidos, caracterizando-se tanto por uma ausência nas reuniões quanto por uma presença marcada por uma espécie de participação imposta, caracterizada por BORDENAVE (2000) como uma participação forçada em um grupo ou atividade, observada no CAPS sobretudo entre trabalhadores subalternos convocados a estar presentes em reuniões que consideram esvaziadas de sentido e nas quais evitam expor suas idéias. Assim, essa não

participação se configura de diferentes maneiras, segundo as posições de saber/poder

Entre os médicos encontramos uma não participação caracterizada por sua ausência nas reuniões de equipe, relacionada por estes a questões como: a) perceberem certo desinteresse em sua participação da parte da coordenação e de outros trabalhadores, sobretudo por haver coincidência entre o horário da reunião e a manutenção de suas agendas de consultas; b) o fato da reunião ser um espaço esvaziado

de sentido, pouco produtivo, com encaminhamentos vagos; c) o fato da reunião acirrar

os conflitos e as trocas de acusações entre os membros da equipe.

Outros profissionais também reiteraram esse esvaziamento de sentido da reunião, atribuindo-o ao formato da reunião, à natureza de suas discussões, e, à ausência de muitos trabalhadores. Assim a ausência nas reuniões parece ser ao mesmo tempo causa e efeito do esvaziamento de sentido das mesmas. Por outro lado, a ausência específica dos médicos nas reuniões foi atribuída ao próprio desinteresse dos médicos e

conivência da gestão em permitir a não participação desses profissionais, reiterando

uma concepção de participação imposta.

A não participação de trabalhadores do nível médio na reunião foi atribuída por outros profissionais a questões como: a) o fato de vários destes trabalhadores não se sentirem incluídos no processo; b) o desinteresse e auto-exclusão expressões de desresponsabilização e delegação do poder; c) a percepção de resistências e boicotes ao projeto coletivo, o que nos parece relacionar-se ao exercício de contra-poderes, havendo assim, um significado político nessa não participação; d) a ambivalências e contradições no estímulo à participação dos trabalhadores de nível médio, já que há um discurso em que se pretende incentivar a participação, mas muitas vezes se delegam tarefas a estes trabalhadores justamente nos horários das reuniões.

Já tanto os próprios trabalhadores de nível médio bem como outros profissionais atribuíram a ausência dos primeiros às reuniões a questões como: a) certo esvaziamento de sentido da própria reunião, pelo caráter de suas discussões e pela falta de encaminhamento de suas deliberações; b) ao fato de a reunião representar um espaço de cobranças e acusações.

No decorrer do trabalho de campo observamos algumas reuniões de equipe. Percebemos que estas aconteciam semanalmente no fim de expediente, havendo dificuldades para começar, pelos atrasos e idas e vindas dos trabalhadores, realmente parecendo que parte deles fugia das mesmas. As reuniões não eram registradas, dificultando retomar questões e encaminhamentos anteriores. Assim, as reuniões não

pareciam ajudar muito a alinhavar certa continuidade do processo, nem a encaminhar o cumprimento de suas decisões, representando um encontro mais pontual, de caráter administrativo e informativo. No decorrer de pelo menos duas das reuniões observadas também surgiu um clima de tensão, com cobranças, acusações e posturas defensivas entre os trabalhadores.

Segundo SIMPSON (2007), reuniões semanais, com registros formais e certo monitoramento dos encaminhamentos e decisões são importantes para a integração do cuidado. Neste sentido, parece que faltavam consignas e pactuações mais claras nas reuniões do CAPS. O esvaziamento de sentido das mesmas levou alguns trabalhadores a estabelecerem estratégias de participação alternada, em uma espécie de escala informal como forma de burlar certa obrigatoriedade de participação, como vemos no relato de trabalhadores do nível médio:

“Fica um `empurra-empurra` pois ninguém quer ir. Toda vez é assim: “- Vai tu, hoje! - Eu? Eu não! Vai, tu!”. (TNM 2)

Por outro lado, há também trabalhadores de nível médio que percebem haver um movimento no sentido de estimular sua maior participação, com certa tentativa de diluir as diferenças entre nível superior e nível médio através da participação na reunião. A seguir temos um exemplo desta situação:

“Então diferença tem, mas na roda não, eles (trabalhadores de nível superior) sempre chamam a gente em tudo, na roda, em reunião” (TNS2)

Essa minimização das diferenças talvez represente um exercício de maior horizontalização do poder, que não pode, no entanto, limitar-se apenas ao momento da reunião. Autores como ONYET (1999) destacam a importância da constituição de espaços que possibilitem justamente a exposição das diferenças, onde a formulação de consensos não se limite a uma pretensa ‘democracia’ que obscureça a discussão de questões relacionadas ao exercício do poder e da hierarquia.

Apesar dessa referência ao estímulo à participação de trabalhadores de nível médio, surgiram ambivalências e contradições a tal participação, advindas de alguns profissionais e da coordenação, visto delegarem tarefas a alguns trabalhadores de nível médio no decorrer da reunião que inviabilizariam sua participação. Essa questão emerge na seguinte fala, enunciada justamente por um trabalhador de nível superior:

“E eles porque não se sentem fazendo parte e outra vezes também é

cômodo pra equipe que eles fiquem de plantão, lá pegando as emergências enquanto a roda acontece, né?” (TNS 7)

O fato de a reunião não contar com a presença de todos – por desinteresse, temor ou impossibilidade, nem representar um espaço deliberativo e compartilhado de decisão ou de explicitamento e co-responsabilização das contradições e conflitos emergentes no serviço também parece relacionar-se à sua desvalorização. As dificuldades em encaminhar, de fato, o que foi decidido, também contribuem para o esvaziamento de sentido da reunião. Algumas destas questões se ilustram nestes relatos:

“É impressionante como a gente sente dificuldade enquanto equipe de dialogar sobre essas coisas, de confrontar. Nós não temos tido reuniões, né, institucionais, administrativas com a presença de todos. As reuniões são sempre de uma parte da equipe e na maioria das vezes os médicos estão ausentes nas reuniões.(TNS 7)

“E são mais informativas né? As reuniões têm sido mais, assim, pra dá os informes das mudanças, dos procedimentos.” (TNS8)

“É, mas aí falta um tempo de planejamento, de conversa, de discussão e aí fica muita coisa não dita, muitas inquietações, muitos conflitos que ficam por baixo do pano e não são colocados e discutidos e trabalhados em equipe e isso é muito freqüente, né?” (TNS 9)

Quanto à valorização da presença dos médicos na reunião pareceu-nos haver certa ambivalência tanto da parte dos próprios quanto de outros profissionais. Embora os médicos tenham referido considerar importantes as reuniões, diversos foram os motivos alegados para sua não participação nas mesmas, tais como: a falta de tempo pelo não desagendamento de seus pacientes no dia/horário da reunião; a percepção de que a reunião é desgastante por ter que atender pacientes mesmo se participarem dela; a experiência de ter se sentido incompreendidos ao expor determinadas questões em reuniões anteriores; e a expectativa e necessidade de receber convites para a participação.

O não desagendamento de pacientes como fator impeditivo para a participação ilustra-se na fala abaixo:

“A gente trabalha muito e se reúne, praticamente, quase não há reunião. Quando me chamam pra reunião, tô cheio, lotado de pacientes pra atender, que eu não consigo ir” (P 1)

O desgaste de ter que atender mesmo caso se participe da reunião transparece nestes trechos:

“Eu já fui numa reunião..., sobre acolhimento com paciente psiquiátrico, quando foi ela (coordenadora) chegou: “Você tem que sair daqui pra ver seus paciente.” “Eu não vou. Eu lhe não disse que cê desmarcasse?” Ah, às vezes não roda sintonia, né? Reunião é reunião. Vamos discutir, agora bota paciente no meio, não pode ser.”(P1)

“e eu já participei de reuniões aonde eu ia pra reunião, pessoas me aguardavam, a reunião terminava duas, três horas depois. Reuniões que muitas vezes eram bastante desgastantes, não vou dizer desgastante, mas exigiam muito, e que quando você terminava abria a porta tinha trinta pessoas esperando. Então ficou agendada uma nova reunião pra daqui a quinze dias e quando se aproximava o dia eu já tava querendo fugir dessa reunião e fugia. Digo: “Ah, não vou mais fazer como naquele dia não (...)”.” (P 2)

Certa pressão por atendimento da parte da própria equipe também parece desestimular a participação:

“às vezes o discurso diferente da prática, “é mesmo,o não vamos agendar nesse dia” e neste dia quando você vai olhar a agenda, dias antes, semanas antes foi colocado “é só um, é só um” e no próprio dia da reunião “olha, depois que acabar tu podes ver esse caso?”(P2)

A coordenação admitiu problemas para realizar o desagendamento de pacientes marcados de longa data. Contudo, pareceu-nos haver certa relação entre o não

desagendamento das consultas e a questão da auto-regulação com redução da carga

horária de trabalho vigente entre os médicos. Assim, por um lado desagendar consultas psiquiátricas de alguns usuários implicaria em ter menos horas de atendimento médico em uma situação em que estes profissionais já têm uma flexibilidade de horário que lhes possibilita menor permanência no serviço em relação aos demais profissionais. Por outro lado, pareceu haver certa dificuldade em realizar uma participação voluntária da parte de alguns médicos, ao delegar para a coordenação e outros trabalhadores a responsabilidade em organizar seu tempo de trabalho de maneira a possibilitar-lhes a participação nas reuniões.

Certo temor de ser incompreendido, por isso já ter ocorrido em reuniões anteriores também foi referido um psiquiatra, como mostramos a seguir:

não em grupo). Se você me perguntasse: “Ah, mas em reuniões você

teve oportunidade?”Tive, só que pouco. Falando de mim, tenho participado de reuniões. Então se isso já foi colocado em outras situações já em grupo e eu percebi que não foi bem compreendido.” (P 2)

A incompreensão pode representar dificuldades de comunicação e escuta dentro da equipe, o que talvez gere certa descrença na reunião enquanto espaço coletivo de acolhimento das diferenças. O enfrentamento de situações conflitivas pode gerar desgastes levando a evitar espaços de maior explicitação dos conflitos como as reuniões. O trecho selecionado revela um pouco esta situação:

“aí o jogo de acusações, né? Quer dizer, se tenta fazer reunião, e eu já vi que certas reuniões não funcionam, tem que ter uma coisa diferente porque na reunião tradicional todo mundo já entra se defendendo e já entra, não sei não (risos).” (P2)

Ao tomar um caráter predominantemente de espaço de cobrança e troca de acusações, a reunião de equipe revela dificuldades no compartilhamento da

responsabilização coletiva (LOPES et al., 2007), bem como na constituição do

mecanismo de aderência narcisista que, segundo KÄES (1991 apud ONOCKO CAMPOS, 2004) possibilita que os trabalhadores se autorizem a assumir que tem sentido e vale a pena trabalhar em determinada instituição. O que também revela dificuldades da reunião se constituir enquanto espaço de elaboração desse sofrimento institucional, ao invés de tornar-se um espaço de acirramento do mesmo.

A reunião de equipe deve permitir a emergência dos conflitos e sua elaboração (PEDUZZI, 2003). Esta questão apresenta algumas especificidades para os CAPS, visto que nestes os trabalhadores têm que lidar cotidianamente com o sofrimento do outro e problemas graves de saúde mental, o que pode contribuir para alguns processos de desagregação vividos por algumas equipes.

Ao analisar a experiência do Centro de Atenção Diária do Instituto de Psiquiatria da UFRJ (IPUB), ZUSMAN (2000) aponta para alguns riscos observados no contato diário com a loucura, com a possível adoção de defesas inconscientes por parte dos profissionais, reproduzindo sintomas psicóticos como a cisão e a desagregação na instituição. O autor ressalta a importância da formação de equipes coesas, capazes de acolherem as angústias psicóticas e elaborar estratégias terapêuticas mais eficazes como

prioridade para o trabalho em saúde mental.

Além das questões relacionadas a certa falta de suporte para o acolhimento das diferenças, ao sofrimento institucional e aos riscos de desagregação da equipe pelo próprio contato com a loucura, há também uma questão específica emergente nas reuniões que diz respeito à falta de integração do trabalho médico ao processo de trabalho da equipe, bem como reclamações sobre alguns privilégios, relacionados à auto-regulação da carga horária destes profissionais. Talvez essa publicização de situações que envolvem interesses pessoais e corporativos também esteja relacionada a certo desconforto e desgastes referidos por alguns médicos a respeito das reuniões, reforçando sua ambivalência em relação à participação nas mesmas.

A expectativa de haver necessidade de convite para participar da reunião foi relatada por um dos psiquiatras, o que pode sugerir certa necessidade em assumir uma posição de distinção, com certa formalidade e distância do resto dos trabalhadores. Ao averiguar sobre a pouca participação dos psiquiatras, ficou de certo modo clara essa necessidade de ser convidado para participar:

“Bem, eu diria o seguinte..., pouco difere pouca participação... ou talvez pouco convite, também que eu receba (risos).” (P1)

Pareceria haver nessa necessidade de convite a uma reunião aberta e amplamente divulgada entre os trabalhadores certa ‘concessão’ ou ‘favor’ em participar.

O fato de a reunião coincidir com o agendamento dos médicos foi interpretado por estes como desinteresse em favorecer sua participação por parte do restante da equipe e da coordenação. Já, como dissemos, a ausência dos médicos nas reuniões também foi compreendida por outros profissionais como desinteresse e descompromisso dos médicos com o serviço, associada a certa conivência da coordenação.

A idéia de uma falta de compromisso aparece na fala subseqüente: “Eu acho que falta o compromisso do psiquiatra com o serviço, tá entendendo? Ele não veste, eu acho que só tem um psiquiatra aqui que veste um pouco a bandeira do serviço, né? E assim com suas limitações. Mas há uma ausência. É tanto que há ausência de compromisso com as reuniões, há ausência de compromisso com o horário, há uma ausência de compromisso com as necessidades do serviço (...)” (TNS 9)

E a percepção de conivência da gestão com a ausência dos psiquiatras nas reuniões se ilustra abaixo:

“A gestão acaba permitindo que eles não venham e a equipe não tem muito como questionar, então há uma tolerância muito grande, uma permissividade muito grande é como se fosse um atendimento a parte e impressionantemente não se questiona as posturas, a gente enquanto equipe questiona e já houve varias reuniões em que a gente questionou e não tinha médico presente (...)” (TNS 7)

Imputar a ausência dos médicos às reuniões quase que exclusivamente ao descompromisso dos mesmos pode ser também uma maneira de lidar com certo desconforto e ambivalência que a presença destes pode causar nas reuniões. A triangulação adotada nos permitiu o observar uma reunião que inicialmente não contou com a presença médica. Nesse momento surgiram questionamentos e conflitos bem explícitos envolvendo a recusa dos médicos em atender pacientes novos sob alegação de suas agendas já estarem lotadas. Com a chegada de um médico à reunião, percebemos mudanças nos tons mais ardentes de indignação com a situação.

A presença do médico pareceu intimidar alguns trabalhadores. Para BOURDIEU (1998b) a intimidação enquanto violência simbólica só pode ser exercida sobre uma pessoa predisposta a senti-la, enquanto outras a ignoram. A figura do médico parece exercer assim, um poder simbólico invisível e eficaz, justamente por possuir a cumplicidade de todos e de todas, que não querem ter ciência de que estão sujeitos a ele (BOURDIEU, 2000). O poder simbólico também se expressa através de uma violência

simbólica, ou seja, uma relação de dominação exercida, em parte, com o consentimento

de quem a sofre. Sua raiz estaria presente nos símbolos e signos culturais, especialmente no reconhecimento tácito da autoridade exercida por certas pessoas e grupos de pessoas entre as demais. Deste modo, a violência simbólica nem é percebida como violência, mas sim como uma espécie de interdição desenvolvida com base em um respeito que "naturalmente" se exerce de um para outro.

Assim, nessa reunião percebemos tanto elogios acintosos à presença do médico, quanto expressões não verbais de certo desconforto. No decorrer da reunião, o médico preencheu o restante do tempo com suas demandas, deslocando a pauta elaborada anteriormente à sua chegada. Esta situação nos levou a refletir que, apesar das reclamações a respeito da ausência dos médicos às reuniões, subliminarmente alguns profissionais talvez temessem a presença deles nas mesmas. A fala abaixo, algo

reticente, ilustra de certo modo esta questão:

“Aí é que a participação deles [médicos], normalmente o que acontece é o seguinte: o que acontece eu acho que na prática assim, eles [médicos] dão a voz dentro dos grupos e a gente que,... a voz nas reuniões (...)” (TNS 9)

Também no decorrer da reunião esse médico assumiu um lugar de autoridade cuja fala performativa enunciava um discurso cujo eficácia se ligava à “pronúncia

daquele que o pronuncia” , seguro de sua competência estatutária, e da sua autoridade

de locutor (BOURDIEU, 1998b:58). A competência lingüística não se trata apenas de uma capacidade técnica, mas também estatutária, acompanhada, na maior parte das vezes, da capacidade técnica (BOURDIEU, 1998b).

CHAUÍ (2006) também considera que há interlocutores mais autorizados que