• Nenhum resultado encontrado

Africano e Interamericano

CAPÍTULO 3 – DA EFETIVIDADE DA PROTEÇÃO INTERNACIONAL

3.3 Da Efetividade formal dos direitos humanos sociais no âmbito dos países que integram o Mercosul

3.3.2 Do Constitucionalismo Argentino e da recepção dos direitos sociais

3.3.2.2 A reforma constitucional de 1994 e a proteção dos direitos sociais

A última reforma operada no Texto Constitucional Argentino data de 1994 e teve como marco inicial a Lei n. 24.309, fruto do “Pacto de Olivos”. A referida reforma buscou conservar os valores e princípios consagrados na Constituição histórica de 1853-1860, de

284

SANTOS, Hermelino de Oliveira (Coord.). Constitucionalização do direito do trabalho no Mercosul. São Paulo: LTR, 1998. p. 71.

285

CAMPOS German J. Bidart. Los sistemas constitucionales iberoamericanos. Madrid: Dikson, 1992. p. 47. 286

DROMI, Maria Laura San Martino de. Formación constitucional argentina. Buenos Aires: Ciudad Argentina, 1995. p. 225.

287

modo a permanecerem inalterados os 35 primeiros artigos da Constituição, já que se passou a incluir novos dispositivos só a partir do Artigo 36. 288

Com a reforma de 1994, a Constituição Argentina passou a ser estruturada basicamente em duas partes: a primeira, dividida em dois capítulos, o primeiro versando sobre “Declarações, Direitos e Garantias” e o segundo sobre “Novos Direitos e Garantias”; e a segunda parte, versando sobre a estruturação do governo e as autoridades da nação.

No que se refere aos direitos sociais, a reforma constitucional de 1994 manteve inalterados os Artigos 14 e 14 bis, o primeiro versando sobre a liberdade de trabalho e de associação, e o segundo, incluso com a reforma de 1957, garantindo a maioria dos direitos sociais, tanto individuais como coletivos; sendo importante trazer a redação de ambos os Artigos, conforme se segue:

Art. 14. Todos os habitantes da Nação gozam dos seguintes direitos, conforme as leis que regulamentem seu exercício, a saber: de trabalhar e exercer qualquer atividade lícita; de navegar e comercializar; de peticionar ás autoridades; de entrar, permanecer, transitar e sair do território argentino; de publicar suas idéias pela imprensa sem censura prévia; de usar e dispor de sua propriedade; de se associar com fins úteis; de professar livremente seus cultos; de ensinar e aprender.

Art. 14 bis. O trabalho em suas diversas formas gozará da proteção das leis, que assegurarão ao trabalhador: condições dignas e equitativas de trabalho; jornada limitada; descanso e férias remuneradas; retribuição justa; salário mínimo; igual remuneração para trabalho igual; participação nos lucros das empresas, com controle da produção e participação na direção; proteção contra a despedida arbitrária; estabilidade ao empregado público; organização sindical livre e democrática, reconhecida pela simples inscrição em registro especial. [...]

Segundo Torres de Carvalho, do teor dos referidos Artigos depreende-se que é diretamente da Constituição que surge a tutela dos direitos sociais, comumente do direito ao trabalho, competindo à legislação infraconstitucional regulamentar os referidos direitos, ocorre, porém, que “não há leis razoáveis e a vigência de leis inconstitucionais frustra e diminui o gozo dos direitos referidos no dispositivo”. 289

Nesse sentido, San Vicente assere que quase todos os direitos sociais enunciados no Artigo 14 bis foram expressados de forma meramente programática, salientando, contudo, que em alguns casos prevalece o entendimento da aplicabilidade imediata ou auto-executoriedade (direitos self-executing), como é o caso do dispositivo que trata da estabilidade no emprego,

288

ROSA, Elianne M. Meira. Constitucionalismo social no Mercosul. São Paulo: Themis, 2002. p. 105. 289

CARVALHO, Regina Duarte Torres de. A Constituição Argentina. In: SANTOS, Hermelino de Oliveira (Coord.). Constitucionalização do direito do trabalho no Mercosul. São Paulo: LTR, 1998. p. 73.

bem como que na Argentina, ao contrário do Brasil, não existe a ação de inconstitucionalidade por omissão do trabalhador. 290

Meira Rosa 291 ensina que tanto para a doutrina argentina quanto para a Suprema Corte, embora o Artigo 14 bis consagre amplamente os direitos sociais e a liberdade de trabalhar, ele não lhes confere características de direitos subjetivos, ou seja, de justicialidade, conforme se aufere da decisão jurisprudencial que se segue:

[...] não existe dúvida alguma de que a Constituição Nacional ampara o direito de exercer livremente a atividade laboral (art. 14), e declara sua proteção de conformidade com as leis que regulamentam seu exercício, as mesmas que devem assegurar as condições enumeradas no art. 14 bis. Contrariamente ao que parece inferir-se do texto inicial, ele não teve, nem houve em qualquer instante da história constitucional argentina, mesmo na vigência do texto de 1949, o sentido de assegurar um direito subjetivo individual e que o Estado tivesse a obrigação de garantir a cada habitante o trabalho por este solicitado [...]. A proteção que é reconhecida consiste em um dever genérico do Estado em promover as condições sociais e econômicas de maneira a proporcionar a toda a sociedade o exercício do direito de trabalhar [...]. 292

A Carta Argentina prevê algumas peculiaridades relativas aos direitos sociais, estabelecendo um regime diferenciado quando estatui o descanso semanal de 36 horas (semana inglesa, Artigo 204, LCT) para os empregados urbanos; de modo que o legislador constituinte entende como remuneração justa o salário capaz de satisfazer a subsistência do trabalhador e de seu núcleo familiar e de oferecer as condições mínimas para um convívio digno em sociedade; salário este chamado de mínimo vital e móvel, porque vinculado às mudanças sócio-econômicas vivenciadas pela sociedade e cuja fixação fica a cargo do atual Conselho Nacional de Emprego Produtividade e Salário Mínimo Vital e Móvel, que integra representantes do setor público e do privado. 293

A Constituição Argentina também preconiza a participação dos trabalhadores nos lucros da empresa, porém muito embora esta tenha sido uma das maiores inovações da reforma de 1957, até os dias atuais ainda não foi aprovada lei infraconstitucional regulamentando a matéria. A referida Magna Carta também prevê a estabilidade no serviço público, nos moldes da Carta Internacional Americana de Garantias Sociais de Bogotá, de 1948, bem como a liberdade e pluralidade sindicais e direitos relativos à greve e à negociação

290

SAN VICENTE, Osvaldo Mantero de. Derecho del trabajo de los países del Mercosur, Um estúdio del Derecho Comparado. Montevidéu: Fundación de Cultura Universitária, 1996. p. 97.

291

ROSA, Elianne M. Meira. Constitucionalismo social no Mercosul. São Paulo: Themis, 2002. p. 107. 292

CSN, in re: “Aranda x Capitania de los Puertos del Litoral Fluvial s. amparo”, LA Ley, Suplemento de 2-6-93.

293

coletiva e o recurso à conciliação e arbitragem 294, sendo que a doutrina explica que a Constituição, ao se referir aos Grêmios no Artigo 14 bis, seja na acepção de reunião de empregados inseridos no âmbito de uma mesma atividade ou de associação organizada que agrupa trabalhadores afins, indubitavelmente reconheceu o fenômeno sindical.

Da análise dos dispositivos constitucionais argentinos pertinentes aos direitos sociais afere-se que esses direitos foram consagrados sob um aspecto preponderantemente principiológico, ou seja, como normas programáticas, não dotadas de justiciabilidade; o que dificulta a concretização dos referidos direitos, que ficam condicionados à legislação infraconstitucional, que muitas vezes são omissas. Nesse cenário, a falta de regulamentação infraconstitucional dos direitos sociais, somada aos processos inflacionários e aos condicionamentos sócio-econômicos ruins acabaram por diminuir e obstruir a vigência sociológica e o gozo efetivo dos direitos vinculados ao constitucionalismo social. 295

3.3.2.3 Da posição hierárquica dos tratados de direitos humanos no ordenamento

Outline

Documentos relacionados