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Africano e Interamericano

CAPÍTULO 3 – DA EFETIVIDADE DA PROTEÇÃO INTERNACIONAL

3.3 Da Efetividade formal dos direitos humanos sociais no âmbito dos países que integram o Mercosul

3.3.3 Do constitucionalismo brasileiro e da recepção dos direitos sociais

3.3.3.1 Antecedentes históricos à Constituição de 1988

Antes da prolação da atual Carta Política, o Brasil perpassou por seis Constituições, constando como a primeira delas a Constituição Imperial de 1824, outorgada por Dom Pedro I após a independência do Brasil. A Carta Imperial adotou a forma monárquica de governo e uma estruturação estatal fundada nos Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e Moderador, sendo exercido este último pelo monarca e com o objetivo de velar pela independência e harmonia dos demais poderes. Ocorre que, uma vez proclamada a República, em 1889, o novo governo editou nova Constituição, em 1891, que sedimentou as bases do governo na forma republicana e no sistema presidencialista. 296

Durante o período inaugural do constitucionalismo brasileiro, não se cogitava ainda em se falar de direitos sociais já que a estruturação econômica brasileira sedimentou-se no regime escravocrata até 1888. Salienta-se, contudo, que a Carta Imperial já trazia alguns direitos voltados ao amparo do cidadão e que hoje figuram no rol dos direitos sociais, conforme disposto no seu Artigo 179, que garantia os “socorros públicos” em seu inciso XXXI e a “instrução primária gratuita a todos os cidadãos” em seu inciso XXXIII. 297

Sob a égide da Constituição Republicana, algumas legislações infraconstitucionais tiveram por objetivo assegurar alguns direitos sociais, principalmente no que se refere à proteção dos trabalhadores. Nesse sentido, o Decreto 1313/1891 regulamentou o trabalho dos menores de 12 anos, só permitindo aprendizado nas fábricas de tecidos às crianças que contassem com pelo menos 8 anos e o Decreto n. 979, de 1903, garantiu a sindicalização rural, enquanto a Lei n. 1637, de 1905, trouxe a sindicalização para empregados urbanos. 298

Embora Leis e Decretos tenham sido editados com certo enfoque social, a primeira Constituição Republicana teve um enfoque eminentemente liberal, até porque a industrialização vivenciada pelo Brasil era ainda considerada incipiente, não havendo um

296

CARVALHO, Regina Duarte Torres de. A Constituição Argentina. In: SANTOS, Hermelino de Oliveira (Coord.). Constitucionalização do direito do trabalho no Mercosul. São Paulo: LTR, 1998. p. 79. 297

ROSA, Elianne M. Meira. Constitucionalismo social no Mercosul. São Paulo: Themis, 2002. p. 125-126. 298

SUSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, Segadas; TEIXEIRA, Lima. Instituições de direito do trabalho. 21° ed. v. 1. São Paulo: LTR, 2004. p. 53.

proletariado organizado capaz de exigir a elevação dos direitos sociais à garantias constitucionais. 299

O Constitucionalismo social foi inaugurado no Brasil com a Carta de 1934, que inspirada pelas Constituições do pós-guerra, em especial pela Constituição Mexicana de 1917 e pela Constituição da República Espanhola de 1931, acabou por incorporar o chamado “sentido social do Direito”, que, nas palavras de Mello Franco, compreende todas as manifestações da “tendência de enquadrar, dentro do molde das normas constitucionais, as mais importantes relações humanas estabelecidas no seio da sociedade” 300; de modo que a Constituição tem alargado o seu campo e nele passa-se a introduzir a preocupação com a ordem econômica e social, a família, a educação e a cultura, bem como com a legislação trabalhista e a melhoria das condições de trabalho.

É cediço notar que além de prever uma série de direitos sociais, a Carta de 1934 também instituiu a “Justiça do Trabalho”, além de disciplinar um plano de proteção social que representou de assistência para a previdência social abrangente, inclusive no que concerne aos acidentes de trabalho. 301

Com o advento da Constituição de 1937, editada sob o regime ditatorial que reprimiu algumas liberdades através de um intervencionismo exacerbado, os postulados da Constituição anterior referentes aos direitos sociais foram mantidos, de modo que o trabalho foi definido como um “dever social” e, como a Carta de 1937 foi influenciada pelos ideais corporativistas sedimentados na Carta del Lavoro Italiana, editada por Mussolini em 1927, o texto constitucional sedimentou a organização da economia em corporações, com a assistência e proteção do Estado, bem como o regime de unidade sindical e controle estatal.302

Foi também durante a vigência da Constituição de 1937 e seguindo os ideais corporativistas que a influenciaram que foi editada a Consolidação das Leis Trabalhistas, em 1943, que buscou sistematizar e harmonizar a legislação trabalhista então existente; ocorrendo também a inclusão no Código Penal de 1940 da tipificação relativa aos crimes contra a organização do trabalho.

299

FERREIRA, Pinto. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 59-60. 300

FRANCO, Afonso Arinos de Mello. Curso de direito constitucional brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1987. p. 197-198.

301

OLIVEIRA, Fábio Leopoldo de. O Salário Social no Brasil. In: ROMITA, Arion Sauão (Coord.) Curso de Direito constitucional do trabalho – Estudos em Homenagem ao Professor Amauri Marcado do Nascimento. São Paulo: LTR, 1991. p. 248-249.

302

Em 1946, instalou-se Assembléia Nacional Constituinte e promulgou-se nova Constituição, que apresentando muitas semelhanças com a Carta de 1934, restaurou as liberdades públicas subtraídas pelo regime ditatorial anterior, além de condicionar o exercício do direito de propriedade ao bem-estar social, bem como introduzir título novo referente à família, educação e cultura. 303

Foi na Constituição de 1946 que apareceu, pela primeira vez, em texto constitucional brasileiro, a expressão “justiça social”, configurando meta de ordem econômica; diferentemente de Carta de 1934, que se referia tão somente à organização da ordem econômica “conforme os princípios da justiça e as necessidades da vida social”, exprimindo assim o propósito de garantir a todos uma existência digna, segundo critérios de justiça social e tomando como condição desta o desenvolvimento nacional. 304

Com relação aos direitos sociais, a Carta de 1946 manteve a proteção conferida pelas Constituições de 1934 e 1937, ampliando sua área de abrangência e trouxe como inovações o direito de greve, tido, pela Carta de 1937, como “recurso anti-social”, a participação dos trabalhadores nos lucros das empresas, a assistência aos desempregados, bem como o alargamento da proteção da família, educação e cultura. 305

Em 1967, como conseqüência do Ato Institucional n. 4, de 7 de dezembro de 1966, o Congresso Nacional votou e aprovou a Constituição de iniciativa do Presidente da República, que buscou harmonizar a legislação então fragmentada e dispersa em emendas constitucionais e disposições originariamente assentadas em Atos Institucionais.

No plexo dos direitos sociais, Evaristo de Moraes Filho ensina que a referida Constituição praticamente copiou os dispositivos da Carta anterior, aproximando-se também da Carta de 1937, pela semelhança dos regimes, de modo que a Constituição de 1967 também trouxe contribuições importantes no que se refere à previsão da desapropriação para fins de reforma agrária, à concessão de salário-família aos dependentes do trabalhador, a integração do trabalhador na vida e no desenvolvimento da empresa etc. 306

303

CRETELLA JÚNIOR, José. Elementos de direito constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 34.

304

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 265.

305

ROSA, Elianne M. Meira. Constitucionalismo social no Mercosul. São Paulo: Themis, 2002. p. 147-148. 306

MORAES FILHO, Evaristo de. A Ordem Social na Emenda Constitucional n. 1. In: Estudos sobre a Constituição de 1967 e sua Emenda n. 1. São Paulo: Fundação Getúlio Vargas, 1977. p. 250.

Em 1969, a Constituição de 1967 teve seu texto alterado pela Emenda n. 1, que longe de ter natureza de emenda constitucional, figurou como verdadeira Constituição. A Carta de 1969 não trouxe modificações significativas na proteção dos direitos sociais e buscou enfocar a questão do desenvolvimento econômico nacional.

A oitava e até então última Carta Política Brasileira foi promulgada em 1988 e foi resultado da retomada do equilíbrio da vida nacional e de um novo pacto político-social, após longo período marcado pelo autoritarismo que havia se instalado no país desde 1964, representando a restauração do Estado Democrático de Direito e enfocando o valor social do trabalho, a busca pela erradicação da pobreza e da marginalização, pela redução das desigualdades sociais e regionais e pela promoção do bem comum.307

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