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Africano e Interamericano

CAPÍTULO 2 – DOS DIREITOS HUMANOS SOCIAIS E DOS INSTRUMENTOS DE PROTEÇÃO ADOTADOS PELO MERCOSUL

2.2 Da proteção dos direitos humanos sociais no Mercosul

2.2.1.1 Constituição e sentido do Mercosul

O Mercado Comum do Sul – Mercosul foi criado pelo Tratado de Assunção, em 1999, que estabeleceu a formação desse bloco entre Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai, no intuito de fortalecer os seus mercados nacionais; buscando, por meio da integração maximizar seus processos de desenvolvimento econômico com justiça social, aproveitar de forma mais eficaz os recursos disponíveis, fomentar a preservação do meio ambiente, promover o melhoramento das interconexões físicas, bem como a coordenação de políticas macroeconômicas da complementação dos diferentes setores da economia; tomando como base os princípios da gradualidade, flexibilidade e equilíbrio. 198

Desde a segunda Guerra mundial, os Estados passaram a conviver em uma verdadeira comunidade jurídica organizada, também chamada de “Comunidade Internacional”; na medida em que tomaram consciência de que os entraves do subdesenvolvimento só poderão ser superados com a integração e cooperação dos povos, que se consubstancia pela via das relações internacionais.

Nesse contexto, a idéia de relativização da soberania dos Estados face à cooperação e integração internacional ganha destaque, e, com ela, o surgimento de várias organizações internacionais, de vocação universal e regional, como a Liga das Nações (1919-1939), a Organização das Nações Unidas (1945), a Organização dos Estados Americanos (1948), a Organização Internacional do Trabalho (1919).199

198

SANTOS, Antônio Carlos Viana; RULLI JÚNIOR, Antônio. Mercosul – espaços de integração, soberania, jurisdição, harmonização, cidadania, Tribunal de Justiça Supranacional e Parlamento do Mercosul. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001. p. 1.

199

BASSO, Maristela (org.). Mercosul – seus efeitos jurídicos, econômicos e políticos nos Estados membros. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. p. 15-17.

Várias organizações de cooperação e integração econômica também começaram a se constituir, dentre as quais figura como a primeira a Organização Européia de Cooperação Econômica – OEC, hoje conhecida como OCDE – Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico, com sede em Paris; sendo que foi graças ao trabalho dessa organização na recuperação de seus países membros e na consecução dos ideais de integração e cooperação econômica, que os europeus, em 1951, criaram a Comunidade Européia do Carvão e do Aço (CECA) e, em 1957, a Comunidade Européia de Energia Atômica (CEEA) e a Comunidade Econômica Européia (CEE), hoje “fundidas organicamente e denominadas de União Européia, após o Tratado de Maastricht de 1992. 200

Essa busca pela integração e cooperação econômica, embora tenha sido iniciada pelos europeus, ganhou, posteriormente, espaço nos outros continentes, com a criação da Organização para a Unidade Africana (OUA); do Conselho de Ajuda Mútua Econômica (CAME ou COMECON), dos países do Leste Europeu, hoje em extinção; da Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC), de 1960, depois substituída, em 1980, pela Associação Latino-Americana de Integração (ALADI); do Grupo Andino ou Sistema Andino de Integração; da Área de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA) e, finalmente, do Mercado Comum do Sul (Mercosul). 201

Assim, a superação do conceito clássico de soberania estatal e, por conseguinte, a admissão da idéia de sua relativização, aliada à concepção de que o desenvolvimento dos Estados depende da cooperação e integração regionais e internacionais, corroboraram o surgimento de verdadeiros blocos econômicos que hoje redefinem os contornos do cenário mundial e que, quando constituídos através de um tratado, recebem o nome de organizações internacionais, encontrando-se regidos pelo direito internacional.202

É em meio a esse contexto que surge o Mercosul, cujos antecedentes históricos encontram alguma ressonância, na visão de Denise Luiz, na criação da Comissão Econômica para a América Latina (CE-PAL), em fevereiro de 1948, por intermédio de técnicos das

200

BASSO, Maristela (org.). Mercosul – seus efeitos jurídicos, econômicos e políticos nos Estados membros. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. p. 16.

201

Ibidem, p. 16. 202

BASSO, Maristela (org.). Mercosul – seus efeitos jurídicos, econômicos e políticos nos Estados membros. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. p. 17.

Nações Unidas, liderados pelo argentino Raul Prebisch, no intuito de fomentar a criação de um Mercado Comum Latino-Americano. 203

Em 1960, foi criada a Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC), com o objetivo unir os países da América do Sul e México, excetuando-se as Guianas, em prol da concretização de uma área de livre comércio num período de 12 anos, de modo a promover a inserção internacional das economias dos países envolvidos. Essa organização, no entanto, não conseguiu alcançar o seu objetivo, em razão da pouca flexibilidade do Tratado de Montevidéu, da falta de adesão do setor privado, da instabilidade política vivenciada pelos Estados naquele momento e caracterizada pelo autoritarismo político emergente em quase toda a América Latina, bem como devido à falta de dinamismo em razão do grande número de associados e das diferenças estruturais dos mesmos. 204

Superado o fracasso da ALALC, criou-se a ALADI (Associação Latino-Americana de Integração), através da assinatura do Tratado de Montevidéu, em 12.08.1980, pela Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, México, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela, com o objetivo de definir novas diretrizes de orientação do processo de integração dos referidos países. 205

Souza Luiz assere que embora a ALADI tenha proporcionado novas perspectivas integracionais no âmbito da América Latina, seus objetivos foram atropelados pelas fortes modificações ocorridas na conjuntura da economia internacional, no final da década de setenta, somadas às fortes conseqüências negativas advindas da crise do petróleo, que desencadeou um período de recessão econômica, com elevação das taxas de juros internacionais e a dificuldade de acesso às opções externas de financiamento, por parte dos países em desenvolvimento. 206

Além do que, a forte crise de balanço de pagamentos, as altas taxas de juros e a retração do mercado internacional ocasionaram “uma escala de protecionismo” entre as

203

LUIS, Denise de Souza. Integração jurídico-social do Mercosul – a necessidade do estudo da “saúde pública” como um dos segmentos dos direitos sociais. Curitiba: Juruá, 2002. p. 29-30.

204

KUNZLER, Jacob Paulo. Mercosul e comércio exterior. São Paulo: Aduaneiras, 1999. p. 84. 205

MACHADO, João Bosco M. Mercosul: processo de integração – origem, evolução e crise. São Paulo: Aduaneiras, 2000. p. 62.

206

LUIS, Denise de Souza. Integração jurídico-social do Mercosul – a necessidade do estudo da “saúde pública” como um dos segmentos dos direitos sociais. Curitiba: Juruá, 2002. p. 32.

relações comerciais dos países da ALADI, mitigando seus objetivos de integração originários.207

Os antecedentes recentes do Mercosul estão relacionados, em grande parte, com as relações comerciais mantidas entre Brasil e Argentina, que ficaram um tanto estremecidas a partir de discussões diplomáticas relativas à utilização dos recursos hídricos das bacias dos rios Paraná-Paraguai, “originadas pelas tratativas de construção da Itaipu Binacional através do Tratado Bilateral Brasil-Paraguai de 1975”. Nesse cenário, a assinatura do Acordo Triparte entre a Argentina, Brasil e Paraguai, em 1979, estabilizou as relações, permitindo a compatibilização das cotas das usinas hidrelétricas de Itaipu e Corpus, e, em conseqüência, uma maior aproximação diplomática entre os referidos países. 208

Na década de oitenta, a América Latina vivenciou um verdadeiro processo de redemocratização, bem como a abertura mundial das fronteiras econômicas; de sorte que, diante desse novo cenário econômico mundial, Brasil e Argentina passaram a estreitar suas relações. Nesse âmbito, o início do verdadeiro processo de aproximação entre esses dois países se deu em 1985, quando Brasil e Argentina assinaram a Declaração Conjunta sobre Política Nuclear, no intuito de maximizar a cooperação nesse setor.

Em 1986, Brasil e Argentina assinaram doze protocolos de cooperação, bem como a Ata para a Integração Brasil-Argentina, também chamada de Ata de Buenos Aires, na qual foi instituído o Programa de Integração e Cooperação Econômica (PICE), com o objetivo de “propiciar um espaço econômico comum, com a abertura seletiva dos respectivos mercados e estímulo à complementação de setores específicos da economia dos dois países”.209

Posteriormente, Brasil e Argentina assinaram o Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento (TICD), que preconizava, em um primeiro momento, a liberação do intercâmbio comercial entre aqueles dois países e a harmonização das políticas aduaneira, comercial, agrícola, industrial, de transportes e comunicações e, numa segunda etapa, a harmonização das demais políticas necessárias à formação do mercado comum. Nesse sentido, iniciativas de coordenação das políticas fiscal, monetária e cambial previstas no tratado deveriam propiciar o aprofundamento da integração comercial e produtiva entre Brasil

207

LUIS, Denise de Souza. Integração jurídico-social do Mercosul – a necessidade do estudo da “saúde pública” como um dos segmentos dos direitos sociais. Curitiba: Juruá, 2002. p. 33.

208

Ibidem, p. 33. 209

DRUMOND, Maria Cláudia e; MARQUES, Renato. Mercosul: introdução e desenvolvimento. Brasília: Senado Federal, 1998. p. 16.

e Argentina; conjuntamente com a assinatura de protocolos específicos nas áreas do trigo, de alimentos, de bens de capital, biotecnologia, automobilística etc. 210

Sob este contexto e objetivando antecipar a formação de um mercado comum entre Brasil e Argentina, esses dois países assinaram, em 1990, a Ata de Buenos Aires, que estabeleceu a criação do referido mercado pelo prazo de quatro anos e meio e que traçava um programa de rebaixas tarifárias generalizadas, lineares e automáticas e de eliminação de barreiras não tarifárias. 211

Também no ano de 1990, Brasil e Argentina assinaram no âmbito da ALADI o Acordo de Complementação Econômica (ACE – 14), no intuito de consolidar o programa de integração comercial previsto na Ata de Buenos Aires; de sorte que em 26.03.1991, em Assunção, no Paraguai, os governos da Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai assinaram o Tratado de Assunção, que constituiu o Mercado Comum do Sul – Mercosul entre os países signatários e teve como fonte inspiradora as normas instituidoras do GATT, do Tratado de Roma e do Tratado de Montevidéu, de 1980, sendo considerado um Tratado misto, na medida em que a adesão de novos membros ficou vinculada à manifestação favorável dos Estados-partes dele participantes; entrando em vigor em novembro de 1991. 212

Segundo Basso, o Tratado de Assunção, aberto à adesão de qualquer outro Estado membro da ALADI, representa um “passo inovador no processo de cooperação e integração latino-americana e insere-se, perfeitamente, dentro da realidade atual de formação de blocos econômicos entre países de uma mesma sub-região que buscam uma melhor posição no comércio mundial”. 213

O Tratado de Assunção figura, em verdade, como um tratado fundacional através do qual Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai manifestaram a intenção de constituir no futuro um “mercado comum”, denominado “Mercado Comum do Sul” – Mercosul e determinaram a data de 31 de dezembro de 1994 para então decidirem acerca da estruturação do Mercosul, suas atribuições e o sistema de tomada de decisões.

210

MACHADO, João Bosco M. Mercosul: processo de integração – origem, evolução e crise. São Paulo: Aduaneiras, 2000. p. 66-67.

211

Ibidem, p. 66-67. 212

MACHADO, João Bosco M. Mercosul: processo de integração – origem, evolução e crise. São Paulo: Aduaneiras, 2000. p. 66-67.

213

BASSO, Maristela (org.). Mercosul – seus efeitos jurídicos, econômicos e políticos nos Estados membros. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. p. 17.

Em 17 de dezembro de 1994, aqueles quatro países celebram o Protocolo de Ouro Preto, considerado documento adicional ao Tratado de Assunção e cuja grande inovação reside no fato de ter conferido ao Mercosul personalidade jurídica internacional. O Protocolo de Ouro Preto consolidou os órgãos já existentes no âmbito do Mercosul (Conselho do Mercado Comum e Grupo do Mercado Comum, instituídos no intuito de consolidar os objetivos traçados pelo Tratado de Assunção) e acrescentou à sua estrutura os seguintes órgãos: a Comissão de Comércio, a Comissão Parlamentar Conjunta e o Foro Consultivo Econômico e Social. Quanto à Secretaria do Mercosul, esta já existia, mas a partir do Protocolo passou a ter sede definitiva em Montevidéu.214

O objetivo do Tratado de Assunção e do Protocolo de Ouro Preto não é o de constituir uma mera cooperação “econômica” entre os Estados signatários, mas o de estabelecer uma verdadeira “integração” entre os mesmos, caracterizada pela livre circulação de pessoas, bens, serviços e capitais (efeitos econômicos) e pela alteração da estrutura jurídica interna e tradicional dos ordenamentos jurídicos dos Estados-partes (efeitos jurídicos) a partir da formação de um direito comunitário. 215

Muito embora sejam esses os objetivos, o estágio atual do Mercosul se coaduna com o de uma união aduaneira, com o objetivo, claro, de se chegar a um mercado comum e, finalmente à constituição de uma verdadeira comunidade, nos moldes da União Européia.216 É importante salientar que a Venezuela passou a fazer parte do Mercosul em julho de 2006, depois de atender a algumas exigências, como, por exemplo, a adoção da TEC – Tarifa Externa Comum; sendo que Chile, Equador, Peru, Colômbia e Bolívia participam, até o momento, como países associados ao Mercosul; mas poderão vir a integrar esse “bloco econômico”.

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