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Africano e Interamericano

CAPÍTULO 2 – DOS DIREITOS HUMANOS SOCIAIS E DOS INSTRUMENTOS DE PROTEÇÃO ADOTADOS PELO MERCOSUL

2.1.2 Do contexto histórico de reconhecimento dos direitos humanos sociais

Embora a noção da existência de direitos inerentes à pessoa humana seja relativamente antiga, os direitos sociais passaram a ser reconhecidos e tutelados como conseqüência da Revolução Industrial e da adoção da economia capitalista, que trouxeram a mecanização do trabalho humano e, com ela, a necessidade de se limitar a autonomia contratual a partir de direitos garantidores de condições materiais mínimas relativas ao indivíduo, comumente àqueles integrantes da classe operária, face às mazelas de exploração praticadas contra os mesmos. 152

Inicialmente a comunidade internacional estava voltada à tutela de direitos civis e políticos, como reflexo da adoção do Estado Liberal, garantidor da liberdade individual e da igualdade formal. As inúmeras explorações vivenciadas pelos trabalhadores demonstraram, no entanto, que a liberdade não bastava para assegurar a igualdade, pois os mais fortes depressa se tornam opressores, 153 denotando a necessidade de um Estado capaz não só de garantir liberdade política e igualdade formal aos indivíduos, mas condições efetivas de existência digna, ou seja, passou-se a exigir do Estado a garantia de igualdade material dentro do âmbito de justiça distributiva; o que só é alcançado a partir da tutela e efetivação dos direitos sociais.

Ora, o Estado Liberal, em nome da liberdade, que não podia sofrer restrições sob o pretexto da autonomia contratual, abstinha-se de tomar medidas para garantir uma igualdade jurídica que desaparecia diante da desigualdade econômica. Assim, o individualismo marcado

151

GASPARINI, Caio Augusto Limongi. Efetivação dos Direitos Sociais dos Trabalhadores mediante a aplicação do Pacto Sociolaboral do Mercosul. Cadernos de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico. São Paulo, v. 4, n. 1, p. 9-21, 2004. p. 10.

152

CEZARINO JÚNIOR, Antônio Ferreira. Direito social. São Paulo: LTR: USP, 1980. p. 45. 153

RIPERT, Geoges. O regime democrático e o direito civil moderno. Tradução de J. Cortezão. São Paulo: livraria Acadêmiva, Saraiva e Cia, 1937. p. 14.

pelo Estado Liberal teve de passar a um plano secundário para que tomasse realce o interesse social. 154

Assim, deixou-se de considerar o homem economicamente isolado, para se focalizar o homem histórico e social, que vive não só do pensamento, mas também da ação, o homem, na visão de Consentini,

cujo verdadeiro estado de natureza é a sociedade, de maneira que a mesma pessoa se desenvolve individual e socialmente e, enquanto tem de um lado a tendência a desenvolver sua própria personalidade, sente-se, por outro lado, chamada a exercer sua personalidade coletiva na função correspondente a suas aptidões e capacidades.155

Nesse sentido, caberia ao Estado, a partir de então, figurar como órgão de equilíbrio entre os diferentes grupos e interesses, ou seja, como órgão supremo do direito e interventor como representante dos interesses coletivos, de modo a reprimir os interesses individuais privados, manter o equilíbrio entre os diversos fatores de produção e oportunizar o bem estar social a partir de uma melhor repartição de riquezas. 156

Surge, assim, o Estado Social de Direito, marcado pelo seu caráter intervencionista, e com ele o reconhecimento dos direitos sociais, como garantia imprescindível à realização do bem estar dos indivíduos como membros da coletividade.

Sob esse contexto, também influenciaram para o reconhecimento e tutela dos direitos sociais a Constituição Francesa de 1948; o lançamento do Manifesto Comunista de Marx e Engels, no mesmo ano; bem como a chamada “doutrina social da Igreja Católica”, que, retomando por base a tese tomista da busca pelo bem comum e da dignidade humana, publica, em 1891, a Encíclica Rerum Novarum, elaborada pelo Papa Leão XIII, na qual este delineia a tutela da classe trabalhadora e os direitos a ela inerentes.157

Em tempos atuais, a realização dos direitos humanos sociais está fincada na idéia de Estado Democrático de Direito, que requer a consecução e proteção dos direitos individuais e sociais, da liberdade, da segurança, do bem estar, do desenvolvimento, da igualdade formal e material e, em última análise, da própria justiça.

154

SUSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, Segadas; TEIXEIRA, Lima. Instituições de direito do trabalho. 21° ed. v. 1. São Paulo: LTR, 2004. p. 36.

155

CONSENTINI, Francesco. La reforma de la legislación civil y el proletariado. Traducción AlbertoAguilar Arjona. Madrid: F. Beltrán, s.f. p. 153.

156

SUSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, Segadas; TEIXEIRA, Lima. Instituições de direito do trabalho. 21° ed. v. 1. São Paulo: LTR, 2004. p. 38.

157

Bolzan de Morais assere que o Estado Democrático de Direito tem um conteúdo transformador da realidade, não se restringindo, como o Estado Social de Direito a uma adaptação melhorada das condições de existência, passando a agir simbolicamente como fomentador da participação pública “quando o democrático qualifica o Estado, o que irradia os valores da democracia sobre todos os seus elementos constitutivos e, pois, também sobre a ordem jurídica”. 158

O referido autor também ressalta que a idéia de democracia contém e implica, necessariamente, a questão da solução do problema das condições materiais de existência e apresenta como princípios norteadores do Estado Democrático de Direito: a Constitucionalidade (idéia de constitucionalismo mínimo); a organização democrática da sociedade; o sistema de direitos fundamentais individuais e coletivos; a Justiça Social como mecanismos corretivos das desigualdades; a igualdade como possibilidade não apenas formal, mas como articulação de uma sociedade justa; a legalidade como medida de direito e a segurança e certezas jurídicas. 159

Ocorre que, embora a noção de Estado Democrático de Direito traga consigo e de forma inseparável a idéia de tutela dos direitos econômicos, sociais e culturais, e não apenas dos direitos civis e políticos, essa consecução e proteção nem sempre se dá de forma ampla e efetiva por parte dos Estados democráticos, o que gera uma anomalia dentro do sistema, já que a garantia de liberdade política, relacionada à efetivação dos direitos civis e políticos, deve estar conjugada à idéia de proteção dos econômicos, sociais e culturais, sem os quais a garantia de participação do cidadão na vida política torna-se inócua.

Isso porque, existe entre os direitos humanos civis e políticos e econômicos, sociais e culturais um vínculo de complementaridade e interdependência, que requer a tutela dos referidos direitos de forma conjunta e, como conseqüência, a adoção de medidas igualmente eficazes, no intuito de se alcançar a plena consolidação da idéia de dignidade da pessoa humana no âmbito do Estado Democrático de Direito.

Não adotamos a idéia de democracia cética defendida por Kelsen, que enfoca o estudo do Estado Democrático sem lhe conferir um fundo filosófico-valorativo. Para Kelsen, o que caracteriza o Estado Democrático de Direito é a garantia de liberdade política dos cidadãos,

158

MORAIS, José Luís Bolzan de. De sonhos feitos, desfeitos e refeitos vivemos a globalização. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org. ) Direitos fundamentais sociais: Estudos de Direito Constitucional, Internacional e Comparado. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 56.

159

que gera, ao mesmo tempo, uma igualdade entre eles, já que todos participam do processo de escolha; colocando como ponto chave da democracia a liberdade política e não a igualdade.160

O referido autor ainda ensina que no Estado Democrático de Direito as decisões políticas são norteadas pela vontade da maioria; de sorte que embora o Estado deva, nesse cenário, garantir a proteção dos direitos fundamentais da minoria, até mesmo para conservar sua existência, é possível que a vontade da maioria conduza à adoção de uma proposta de governo tendente a abolir os direitos e garantias fundamentais e, em última análise, a própria democracia. 161

Quando falamos em proteção dos direitos econômicos, sociais e culturais como pressuposto básico de manutenção do Estado Democrático de Direito, estamos tomando por base a idéia de Democracia Crítica enunciada por Zagrebelski, e não a democracia cética delineada por Kelsen.

Ora, não há razão de ser em um Estado Democrático que permita a supressão de direitos e garantias fundamentais e, conseqüentemente, da sua própria estrutura como regime de governo, fundamentando tal anomalia na vontade da maioria. De certo, o objetivo final da adoção do Estado Democrático de Direito não deixa de ser a proteção da própria pessoa humana, razão pela qual deve aquele apresentar um caráter crítico, no sentido de preservar a tutela e efetivação dos direitos humanos em sua plenitude a partir de uma Constituição de valores mínimos, que não podem ser rechaçados nem mesmo pela vontade da maioria.162

Nesse contexto, incumbe ao Estado que adota o regime democrático garantir não apenas a liberdade política, mas valores mínimos voltados à consecução de uma certa igualdade material entre aqueles que vão exercer aquela liberdade política; de sorte que a participação na formação da vontade política só tem sentido quando o Estado garante condições mínimas de dignidade aos seus indivíduos. E a garantia de condições mínimas de dignidade humana, nos remete à efetivação dos direitos sociais, sem os quais a participação na vida política perde o seu sentido.

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