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A resposta médica vs entre a cura e o tratamento com a THS

CAPÍTULO 6. Discursos acerca da menopausa na Maria

2. Campos discursivos em torno da menopausa

2.4. A construção social da menopausa como um problema de saúde

2.4.2. A resposta médica vs entre a cura e o tratamento com a THS

Na sequência da legitimação científica, já abordada na primeira secção deste capítulo, ressalta o carácter hegemónico do discurso da biomedicina, promovido pela visão masculina das ciências médicas.

Neste ponto (2.4.2), surgem vários excertos de notícias que atestam o que acabamos de referir, já que perspectivam a menopausa como doença, para a qual a principal e quase

141 única solução consiste no aconselhamento da terapêutica hormonal de substituição (THS), tal como se pode observar nos excertos seguintes:

Realmente, em pacientes entre os 48 e os 53 anos verificam-se sinais de afrontamentos. A cura consiste numa subministração de hormonas masculinas do tipo da testosterona. (Maria, nº 6, 06-12 Dez/78, Fich 1B)

Também para o homem, como na menopausa feminina, o médico pode fazer alguma coisa. Antes de mais, receitando hormonas que reestabelecem o equilíbrio provisoriamente vacilante e com medicamentos receitados pelos neurologistas, que actuam na parte moral. Certas depressões da idade crítica melhoram sem muitos medicamentos. (Maria, nº 25 de 02-08 Maio/79, Fich 5B)

Nestes fragmentos, em que se percebe que a preocupação inicial da revista era igualar homens e mulheres num período caracterizado como crítico (ver ponto 2.2.1.), estas respostas às cartas das leitoras abordam, pela primeira e única vez, o uso de hormonas de substituição no homem. Assim sendo, não deixa de ser curioso que a aplicação do termo

cura, constante do primeiro excerto e aqui referente ao problema dos homens (sendo que,

habitualmente, quando se referem à mulher, os vocábulos mais utilizados são tratamento e

melhorar), vem atestar que para ―eles‖ existe sempre solução, deixando antever que para

―elas‖ não é bem assim.

Queremos com isto evidenciar a distinção entre a significação e aplicação da palavra

cura, utilizada no sentido de resolver efectivamente o ―problema‖, e tratamento, termo que

deixa subentendida a possibilidade de não erradicar a totalidade do ―problema‖15.

No segundo fragmento, apesar de existir a construção frásica certas depressões da

idade crítica melhoram, é de salientar que tal está acrescido da expressão sem muitos medicamentos, e apenas é válido para o homem. O/A autor/a assume que o equilíbrio é provisoriamente vacilante e, como tal, o médico pode fazer alguma coisa. Desta forma,

deixa transparecer o carácter menos preocupante dos desequilíbrios masculinos, relativizando-os face aos femininos.

Assim, na linha de defesa da mais-valia da THS para as mulheres, não como cura, mas como tratamento para melhorar os distúrbios psicológicos, encontramos este trecho:

15 De acordo com o Dicionário Médico Sterdman (1996), ―tratar‖ (treat) é entendido como dar ajuda a uma pessoa que sofre de uma condição patológica, traumática ou psiquiátrica, por meio de medidas médicas, cirúrgicas, nutricionais correctivas, curativas ou de reabilitação, pressupondo, como tal, que efectivamente pode não existir cura. Já ―curar‖ (heal) significa única e exclusivamente restabelecer a saúde, ou seja, um processo definitivo.

142 Segundo as mais recentes pesquisas neste campo, uma terapia à base de estrogénos

pode não só prevenir os distúrbios psicológicos da mulher mas também, em certos casos, melhorá-los mesmo se estes já se fizerem sentir. A terapia deve começar logo que a mulher começa a sentir os primeiros sintomas climatéricos. Uma pesquisa neste campo foi realizada em Estocolmo com testes psicológicos a mulheres na menopausa, antes e depois do tratamento com estrógenos. O resultado demonstra que a maior parte das mulheres apresenta tendência para a depressão e para as nevroses antes da administração dos estrogénos, tendência que vai diminuindo com o início e continuação do tratamento à base de hormonas. Notou- se uma grande melhoria no caso dos distúrbios psicossomáticos como ansiedade, inquietação e sensação de mal-estar. (Maria, nº 18, 14-20 Mar/79, Fich 2B)

Podemos verificar a assumpção de que os ―problemas‖ menopáusicos podem ser

melhorados. Tal significa que não são completamente ultrapassados, isto é, não são

―curados‖, apesar de se recorrer à THS, obtendo-se um resultado final de uma grande

melhoria, mas, mesmo assim, apenas em certos casos. Ou seja, uma prática discursiva

completamente oposta ao exposto na análise das Fichas 1B e 5B.

Mais uma vez, são as pesquisas internacionais que reforçam a ―verdade‖ (ver ponto 1.2.1.) sobre as vantagens de uma terapia à base de estrogénos [sic]. São os pontos nodais

melhorá-los, diminuindo e grande melhoria os indicativos de que é possível minimizar os sintomas climatéricos e os distúrbios psicológicos.

Sem grande variação, encontrámos mais um exemplo de um discurso médico normalizador e hegemónico, enfatizando a total dependência da mulher em relação ao sexo masculino e à medicação, numa fase da vida entendida como senescente:

Vai longe o tempo em que, perante as queixas duma mulher na menopausa, o médico encolhia os ombros e dizia à paciente: «Tenha paciência. É a mudança de idade. Vá-se aguentando que isso acaba por passar. Nós não podemos fazer nada contra a natureza.» E receitava água de flor de laranjeira ou tintura de valeriana Sabendo hoje, como sabemos, que os incómodos causados pela menopausa são devidos à deficiência da hormona feminina, do estrógeneo, podemos atacar o mal pela raiz com um tratamento de substituição. Obviamente, este tratamento é de

exclusiva competência do médico, que actuará de acordo com o caso individual

que se lhe apresenta, elegendo o produto mais indicado e que por vezes terá de ser acompanhado por outras medicações.

Por exemplo, quando os factores psíquicos desempenham um papel importante (o que é mais importante do que em geral se pensa), será necessário um apoio de psicoterapia, eventualmente acompanhada por sedativos, antiansiosos, antidepressivos, etc. (Maria, Nº 439 de 08-14 Abr/87, Fich 15F)

O ponto de partida para o entendimento da visão médica/tratamento emerge com o termo queixas, apesar de o vocábulo incómodos inaugurar um discurso aparentemente

143 divergente do da doença, raiando até o carácter ―inofensivo‖ da menopausa. No entanto, o volte-face surge com a expressão atacar o mal pela raiz, na medida em que o autor assume o carácter mais maligno da menopausa, dando a entender que é necessário ir à raiz do problema: a deficiência da hormona feminina. Neste contexto, tratamento de substituição é a solução proposta para erradicar o mal, embora insuficiente per se, motivo pelo qual é necessário ser acompanhado por outras medicações, já que não consegue curar na totalidade.

É esta a construção médica que tem sido também um discurso hegemónico, na medida em que, por um lado, a mulher é considerada como uma ―máquina reprodutiva‖e ―produtora de filhos‖ (Barreno, 1976, ver também Barbosa, 1998), e, por outro, há a alienação da pessoa como doente, na sua reificação (objectificação), corroborada pela vertente mais positivista, em que o ser humano não é perspectivado na sua globalidade. Tal significa que não se tem uma visão holística da pessoa, dividindo-a em ―quadradinhos‖ (Sousa Santos, 1987) com base nas suas diferentes áreas-problema, mas encontrando uma solução especializada para todas as pessoas.

Apesar de indiciada uma aproximação à visão holística da mulher-paciente com a afirmação produto mais indicado, e que entendemos ser um aconselhamento a um tratamento personalizado, onde ―cada caso é um caso‖, tal tentativa não se concretiza, pois a solução apresentada é assumida como igual para todas.

As várias intertextualidades – desde a frequente associação da mulher a atributos como doente, frágil e neurótica, cujo tratamento passa pelo recurso a medicações que não só a THS, até à necessidade de recorrer a uma entidade masculina para cuidar da mulher e que se preocupe com o seu futuro – têm implícito um discurso de menorização da mulher. São, assim, ocultadas as capacidades das mulheres para cuidarem de si próprias e dos outros, e de ultrapassarem as dificuldades muitas vezes sem necessitar de ajuda. Insere a mulher na invisibilidade social e exclui a mesma do direito de optar ou não pelo recurso à THS.

No seguimento da importância da medicação como solução veiculada para todos os males, surgem, nos finais dos anos 80, notícias que anunciam alternativas minimizadoras, como por exemplo as ferormonas masculina [sic] descritas no artigo Odores corporais

resolvem problemas:

… concluindo que as mulheres sujeitas à influencia das ferormonas masculinas têm ciclos menstruais mais regulares, engravidam com maior facilidade,

144 conseguem enfrentar a menopausa mais tranquilamente e mantêm um melhor

equilíbrio, tanto físico como psíquico. (…) Por seu lado, como já dissemos, a ferormona masculina contribui para que o organismo da mulher tenha uma produção hormonal equilibrada, pois, para além de normalizar os ciclos menstruais, alivia o mal-estar causado pelo período e impede que o aproximar da menopausa cause alguns distúrbios que tornam esta fase fastidiosa. A presença de um homem e o contacto sexual com ele é pois, para a mulher, uma fonte de saúde. (…) Negando algumas afirmações publicadas em jornais, o professor Eugénio Muller […docente do Instituto de Farmacologia de Milão…] explicaria ainda que «as ferormonas não rejuvenescem. A menopausa, na mulher, aparece sempre, mais cedo ou mais tarde e dentro de determinada idade, e não há ferormona ou qualquer medicamento que possa evitá-la.» (Maria, Nº 456 de 05-11 Agos/87, Fich 20C)

No sentido de evidenciar as vantagens das ferormonas masculina [sic] na menopausa, por impedirem o surgimento dos distúrbios que lhe estão associados, são expressões como

impedem e enfrentar que anunciam a influência masculina como benéfica para a mulher.

Assim, é possível enfrentar a menopausa, caso contrário apenas lhe restaria ―resignar-se‖ ou ―sofrer‖. Na mesma linha de orientação, ao assumir que o faz mais tranquilamente, dá- se a entender que, se esta não se relaciona com uma ―entidade masculina‖, então tornam

esta fase fastidiosa.

São palavras soltas como menopausa, na mulher, aparece sempre, os indicativos da fatalidade do acontecimento que nem as feromonas conseguem evitar, assumindo ainda que até a medicação não é impeditiva do surgimento da menopausa. No entanto, não são declaradas quaisquer vantagens ou desvantagens em utilizar medicamentos, sendo a importância da medicação aqui relativizada pelo assumir das ferormonas masculina [sic] como fonte de saúde (análise que será efectuada no ponto 2.7.1.).

Este é um discurso, sem sombra de dúvida, de masculinidade hegemónica, não só sob o ponto de vista do domínio do masculino sobre o feminino, mas também da heterossexualidade como única forma de relação entre homens e mulheres. É a descrição de todas as vantagens das feromonas, mesmo na menopausa, que põe em destaque a relação heterossexual como uma mais-valia para a mulher. Logo, apesar de não evitar o seu surgimento, minimiza e dá mais força à mulher para enfrentar tranquilamente esta fase da sua vida, sendo desta forma excluída a orientação homossexual, na vivência tranquila da menopausa. Apesar de não dito, a homossexualidade é entendida como não saudável, em qualquer fase da vida da mulher.

145 Já sob o título Optimismo quanto à Menopausa, faz-se a explanação da THS e assume- se como a construção social em torno da menopausa induz a mulher à não adesão à THS:

O dr Elia, da Maternidade de Rotschild de Paris, através de um inquérito que realizou sobre os aspectos médicos, sociais e afectivos da menopausa concluiu que 70 por cento das mulheres francesas encararam a menopausa como o ―principio do fim‖. Segundo este especialista ―é interessante notar que apenas 6 por cento das mulheres no período menopausico fazem terapêutica de substituição com estrógenios e, geralmente, para o tratamento a curto prazo dos afrontamentos e atrofia vaginal‖. Dizendo que esta relutância em usar terapêutica hormonal não é ―razoável‖, o dr Elia previu que o número de utentes poderá, eventualmente, elevar-se para 30 ou 40 por cento, à medida que as mulheres e os médicos se forem apercebendo dos benefícios dos estrógenios de substituição na protecção contra a osteoporose e doenças cardiovasculares. (Maria, Nº 504 de 06-12 Jul/88, Fich 31A)

São os ―estudos‖ divulgados que evidenciam a pouca adesão à THS, dando o mote para exaltar a importância e a necessidade de alterar uma realidade em que apenas 6 por cento

das mulheres o fazem.

É toda a construção em torno da relativização do recurso à THS no período

menopáusico que, suportada pelo estudo divulgado e apoiado pela presença dos pontos

nodais geralmente, relutância e tratamento a curto prazo, indicia a não generalização do seu uso. E, posteriormente, o/a autor/a, ao recorrer à expressão não é “razoável” faz o ponto de passagem para a justificação de uma adesão massiva à THS.

São as palavras previu e elevar-se as constituintes dessa mensagem subliminar para a adesão das mulheres à THS. As suas vantagens são enaltecidas, recorrendo a termos como

benefícios e protecção. Trata-se, portanto, de um apelo à adesão e ao uso prolongado da

THS.

Percebemos que este discurso convencional se move em torno da divulgação das vantagens e benefícios de um produto colocado no mercado. Está também implícito que a indústria farmacêutica pretende uma divulgação do assumido carácter científico para credibilizar o seu produto (à semelhança do relatado no ponto 1.2.1.), recorrendo aos media para o fazer.

Resumindo, a mensagem principal está concentrada no enunciado: o dr Elia previu que

o número de utentes poderá, eventualmente, elevar-se para 30 ou 40 por cento, à medida que as mulheres e os médicos se forem apercebendo dos benefícios dos estrógenios [sic] de substituição na protecção contra a osteoporose e doenças cardiovasculares. Aqui, a prática

146 discursiva é persuasiva, levando a mulher a aderir ao esquema da THS, quando proposta pelo médico, e a fidelizar-se, no sentido de a manter adepta à sua utilização por um longo período de tempo.

Agora, se no excerto anterior se debatia o optimismo, no seguinte discute-se a Crise da

Menopausa, onde uma das soluções propostas, à semelhança de outros artigos, passa pelo

recurso à THS. Ora vejamos:

Com o início da menopausa, deixam de ocorrer as ovulações. O mesmo se verifica com os ciclos hormonais, que a pouco e pouco se vão tornando mais irregulares e espaçados.

(…) Este processo fisiológico prolonga-se durante anos e o seu início e término ocorre em idades muito variáveis. O sintoma mais notório é o desaparecimento das menstruações. Pouco a pouco, o nível de estrogéneos chega a zero e as glândulas supra-renais tomam então o comando da sua produção, mas os seus níveis nunca chegam a ser os mesmos de anteriormente.

(…) Em resultado do desequilíbrio hormonal podem aparecer sensações de sufoco ou acessos de calor, palpitações, dores de cabeça e uma certa instabilidade emocional, que está associada ao medo de perder a juventude e o atractivo sexual. (…) Outro sinal de carência desta hormona é a diminuição da lubrificação vaginal e o estreitamento das paredes da vagina. (…)

Até há pouco tempo, acreditava-se que a terapia substitutiva com estrógeneos era uma espécie de ―panaceia universal‖ para atenuar os incómodos desta difícil etapa da vida da mulher. Actualmente, este tratamento combina-se com a progesterona, de modo a evitar um possível feito cancerígeno. (Maria, N º 509 de 10-16 Agos/88, Fich 32F)

É com a descrição das alterações ocorridas na menopausa, em associação com os pontos nodais pouco a pouco, irregulares e espaçados, desequilíbrio hormonal, carência

desta hormona, nunca chegam a ser os mesmos, difícil etapa, que, por um lado, o discurso

é orientado para as vantagens da adesão à THS, e, por outro, pela aplicação dos termos

“panaceia universal”e atenuar os incómodos, o/a autor/a faz referência ao descrédito da

THS. É pela utilização da palavra acreditava-se que é possível despoletar o seguinte raciocínio: ―Então, agora, já não se acredita. Logo, já não é „panaceia universal‟, mas sim um recurso a ser valorizado‖. Percebemos aqui a intenção de reverter o discurso praticado e assim fazer crer que a THS é uma mais-valia.

Finalmente, o enaltecimento máximo da THS surge com a construção frásica de modo

a evitar um possível efeito cancerígeno, pois, para além do seu papel atenuador nos incómodos, também tem a vantagem de evitar e até prevenir o cancro, pelo facto de,

147 Assim, assiste-se à presença de um discurso médico normativo e convencional, orientador das leitoras para a necessidade de recorrer aos fármacos e, assim, ultrapassar as ―provações‖ da menopausa.

No ponto seguinte, serão analisados os distúrbios psicológicos, assunto recorrente nos artigos da revista Maria com forte associação à menopausa.