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CAPÍTULO 6. Discursos acerca da menopausa na Maria

2. Campos discursivos em torno da menopausa

2.2. Menopausa e envelhecimento

2.2.2. Menopausa, “a dura realidade da velhice”

No seguimento da concepção da menopausa como constituinte do processo de envelhecimento, encontramos discursos que vão um pouco mais longe e que remetem a construção discursiva sobre menopausa para o campo representativo da velhice, tornando-se ainda mais controverso e criticável, quando o mesmo é praticado em relação à menopausa precoce. Como exemplo da discursividade associada à velhice, encontramos o seguinte texto:

Sim, é um período verdadeiramente duro, diremos até cruel, no ciclo da vida do sexo feminino. Mulheres seguras, activas, alegres, auto-confiantes transformam-se repentinamente em neuróticas, nervosas, pessoas constantemente exaustas, infelizes, introvertidas, piegas e até hipocondríacas. (…) há as [mulheres] que se fecham num mutismo doentio, as que vivem amarguradas, presas à dúvida, à dura realidade de que a menopausa é sinónimo de velhice. (…) Colhida de chofre, a mulher sofre terrivelmente com a menopausa, (Maria, nº 75 de 16-22 Abr/80, Fich 11A, Fich 11B e Fich 11C)

Na construção da dura realidade para a mulher, o mutismo doentio e a ―colagem‖ menopausa/velhice excluem uma descrição deste como parte integrante de um processo de envelhecimento, característico de todos os seres humanos. O relato de um corte abrupto, a partir do qual a mulher enfrenta a aproximação do ―fim‖, está contemplado na aplicação de termos como verdadeiramente duro, cruel, dura realidade, sofre terrivelmente, o que reforça o posicionamento negativo perante a menopausa, sobrevalorizando alguma dificuldade nesta fase de adaptação hormonal, sendo feita uma transposição para o campo social – transposição desconcertante e de marginalização ou exclusão.

Encontramos, ainda, as expressões repentinamente e colhida de chofre como justificativas de uma fase do ciclo da mulher verdadeiramente duro por, precisamente, se entender estas mudanças como rápidas, atendendo a todo um ciclo vital da mulher. E

118 porque o declínio é tão abrupto, o processo de envelhecimento é tido como muito mais pernicioso para a mulher do que para o homem.

Pela primeira vez, a revista faz uma associação clara com a velhice e degradação do organismo feminino quando utiliza os termos desintegra e velhice. Efectivamente, até este momento, as associações eram apenas subtis.

Já em 1987, a ideia de dureza desta fase e de conexão à velhice, inviabilizando a proximidade ao processo natural de envelhecimento, realçam o carácter de mudança abrupta e de proximidade ao ―princípio do fim‖. Tal pode ser percepcionado no excerto seguinte:

A mulher sente-se a envelhecer, aumenta-lhe a ansiedade e a irritabilidade.

Se as faltas de memória acontecem porque na realidade e pessoa já tem cerca de 50 anos, então, associando este estado psicológico em que a mulher se autodesvaloriza, se sente velha, estas falhas de memória aumentarão. (Maria, nº 431 de 11-17 Fev/87, Fich 12C)

A representação sobre a velhice é facilmente observável através dos pontos nodais

sente-se a envelhecer e se sente velha. Estes elementos articulados com ansiedade e irritabilidade indiciam a construção discursiva da mulher como velha, se se encontrar na

menopausa.

Tendo em conta toda a conotação negativa de velhice, mais uma vez a menopausa passa a se entendida como terrível, dramática e de proximidade a uma ―vida decrépita‖. Esta decrepitude pode ainda ser confirmada pelas expressões sente-se velha e falhas de

memória e são precisamente as falhas de memória as características mais associadas à

velhice (Zimerman, 2000).

A associação entre processo de envelhecimento e menopausa, como rápida chegada à velhice e com todas as implicações que, socialmente, uma pessoa velha tem, sobretudo no campo da exclusão social e da prática discursiva dos idosos como peso para a sociedade, pode ser percebida, de forma indirecta, neste fragmento:

até à menopausa (a que vulgarmente se dá o nome de «mudança de idade») (…) Ora, de um modo geral, os ovários são talvez os órgãos que na mulher envelhecem mais cedo, e à medida que os ovários vão envelhecendo, (…) a mulher perde a faculdade de ter filhos. Isto sucede por volta dos 40-45 anos, que é a idade média da menopausa, (…)

Deve considerar-se que a menopausa é um processo natural, que faz parte do processo geral do envelhecimento, mas de modo algum se deve considerar que a menopausa assinala para a mulher, o início da velhice rápida em todos os sentidos.

119 Mercê de mecanismos compensadores e de influências externas de ordem familiar

e social, muitas mulheres continuam em plena maturidade depois da menopausa e por muitas décadas. (Maria, nº 439 de 08-14 Abr/87, Fich 15C)

Aqui, mudança de idade explícita a menopausa como uma grande alteração na vida da mulher. No mesmo sentido, também a menarca o é mas, mais adiante, verificaremos que o é em sentido inverso.

E com a expressão anterior, é dado o mote para o autor avançar numa série de indagações sobre o envelhecem, envelhecendo, processo geral do envelhecimento, plena

maturidade, que este concebe como acontecimentos generalizáveis às mulheres na

menopausa, iniciando-se nos ovários (uma mudança interna não visível) e que se dá a entender exteriorizar-se rapidamente. Encontra-se explícito que o processo geral do

envelhecimento marca a menopausa e, por sua vez, a menopausa é considerada o marco

para o início do envelhecimento visível. Ora, estes termos, inicialmente apartados pelo autor, são, posteriormente e em parte, reintegrados pela aplicação de termos como óbvio e

assim.

Já a expressão perde a faculdade, à semelhança de outros artigos onde persiste o discurso da perda, está aqui relacionada com a capacidade de gerar filhos e, mais adiante, generaliza-se com a conjugação velhice rápida e em todos os sentidos. Apesar da ressalva

de modo algum, é com a expressão muitas mulheres continuam que se antevê a

contrariedade discursiva e, consequentemente, a aproximação à velhice.

Atendendo a que o conceito de velhice é remetido sempre para a negatividade e para as perdas das capacidades física, mental/cognitiva e de saúde (Zimerman, 2000), quando se reforça com um em todos os sentidos, apenas se pode dar a significação da menopausa como ―uma dura realidade da velhice‖.

Apesar de descrever a menopausa como um processo natural, o restante discurso praticado faz o desvio e é ao nível da intertextualidade que se percebe que afinal não o é. Assim, a única naturalização possível é a da ocorrência em todas as mulheres, ou seja, uma naturalização pela generalização a todas as mulheres e não de uma ocorrência pacífica e positiva. A própria alusão a mecanismos compensadores indicia uma maior orientação para a velhice e vem corroborar o discurso das perdas na menopausa.

120 Apesar de, no início da frase, o substantivo falsa sugerir um distanciamento face ao conceito de velhice, já agravada, adjectivante da situação, associada ao processo de envelhecimento, contraria a falsidade dos conceitos que o autor pretende fazer crer. Importa fazer um parêntesis em relação à atribuição da idade de início da menopausa (40-45 anos) e o declínio real que ocorre na velhice, pois aqui reside um gap de 20 a 25 anos (sendo 65 a idade que a ONU e a OMS classificam como idosos ou seniores) para se classificar a mulher menopáusica como velha. Por este motivo, concorda-se com a expressão faz parte

do processo geral do envelhecimento, mas de modo algum se deve considerar que a menopausa assinala para a mulher, o início da velhice rápida em todos os sentidos.

Contudo, e como já demonstrámos, o restante discurso praticado contradiz este enunciado. Já a expressão influências externas de ordem familiar e social, como sentido compensatório das perdas, e no campo do não dito, dá a entender que a mulher, por si só, não tem capacidades para superar as suas alterações fisiológicas, prosseguindo-se com o mesmo discurso hegemónico e normativo no campo da feminilidade.

Retomando o prisma da aceitação do avanço inexorável da idade, surge o seguinte artigo, que debate o aspecto ideal para a mulher madura:

Algumas mulheres angustiam-se de tal modo com o envelhecimento, que pouco fazem para dominar a situação. Existem, por vezes, coisas ―aparentemente‖ tão insignificantes que não se lhes dá grande importância, mas que em muito podem contribuir para o bem-estar interior da mulher. E é esta sensação de amor próprio que cada vez é mais importante na velhice e o facto de a mulher cuidar do seu aspecto é uma das melhores maneiras de o conseguir.

(…) A maquilhagem

A maquilhagem é o toque fundamental que se deve dar à mulher madura e quanto mais subtil e requintada for, mais favorece um rosto marcado pelo envelhecimento. (Maria, Nº 483 de 10-16 Fev/88, Fich 27D)

O ponto nodal angustiam-se assume um carácter de dureza, e a atribuição feita ao envelhecimento comparando-o a uma âncora afunda a mulher no conceito da velhice, imobilizando-a e impedindo-a de lutar pela sua feminilidade e pela exaltação da mulher que é. Na associação clássica de todo o processo de envelhecimento à velhice emerge a noção de a encarar positivamente, recorrendo às expressões amor próprio, bem estar interior e

cuidar do seu aspecto, caminhando para aquilo que a OMS e a ONU (2002) denominaram

de envelhecimento activo. No entanto, a expressão marcado pelo envelhecimento assume o passar do tempo como uma realidade dura e nefasta para as mulheres.

121 Neste discurso normativo da velhice e do envelhecimento aproxima-se a mulher para a fatalidade do processo, caracterizando-o como angustiante, se esta não se cuidar. Assim, não enfrenta a ―dura realidade da velhice‖, com o cuidado da imagem física se se aproximar do aspecto jovial, mas discreto, e se se valorizar pessoalmente, sentindo-se uma eterna jovem.

Em suma, é esta aproximação à velhice aparentemente repudiada e negada que uma leitura mais atenta nos leva a entender que a sua aproximação reside no facto de estar sempre a ser mencionada.