• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 3. Os Media e a Imprensa

2. A visualização das mulheres nas revistas

Na imprensa e nos meios de comunicação social, variadíssimos são os veículos informativos actualmente disponíveis, e inúmeras são as repercussões no quotidiano de qualquer ser humano. Da rádio à televisão, dos jornais às revistas, a subjectivação e produção de sujeitos e identidades estão presentes, e a omnipresença dos media influencia, por vezes subliminarmente, opiniões, valores e comportamentos sociais. É com a criação de imagens/representações7 do, e para, o quotidiano, veiculadas pelos media e por nós apropriadas, na maioria das vezes sem que tenhamos consciência, que a transmissão e manutenção de estereótipos de, e para, as mulheres se faz. Estereótipos esses baseados nas diferenças sexuais, em que atributos de homens e mulheres são entendidos como simplificadores do ambiente social, mas que na realidade devem ser assumidos como processos cognitivos (Macedo e Amaral, 2005).

Nesta linha de construção e transmissão de estereótipos pelos media, evidenciamos ―as revistas femininas [que] através dos seus conteúdos editoriais, ficção e publicidade, servem como manuais de conselhos, guias de moda e decoração, livros de culinária, conselheiros matrimoniais e catálogos de bens e serviços‖ (Nancy Walker, 1998: 5, apud Marques, 2001: 54). Ou seja, estamos perante um ―mil-e-uma-coisas-em-um‖ da oferta mediática a todas as mulheres, e sem sair de casa, muito patente nas ditas revistas femininas, vulgarmente designadas por revistas cor-de-rosa, e como tal responsáveis pela disseminação do mito da beleza, do conceito de feminilidade e da construção da mulher

7 Silveirinha adverte para o facto de as representações não serem exclusivas dos textos mediáticos, mas da ―confluência de textos, audiências e instituições mediáticas‖ (Silveirinha, 2004: 10), ou seja, existe uma complexidade de fenómenos sociais que foram evoluindo ao longo dos tempos e que posicionam a mulher não como objecto/motivo de escrita, muitas vezes simplista e sexista, mas também como leitora e auditora do que está escrito, bem como participante/escritora das realidades sociais onde se insere. Apesar de muito se ter de caminhar no sentido deste último.

65 moderna, cabendo-lhes também a responsabilidade não só de transmissão mas também de evolução desses conceitos.

Foi desde o século XIX que estas revistas começaram a ser publicadas e a sua aceitação e proliferação foi exponencial. São o reflexo das mudanças sociais e das condições da mulher ao longo das décadas, e tiveram os seus altos e baixos nas suas publicações e aquisições. Contribuíram, em parte, para as mudanças sociais das características das mulheres e para a libertação da sua condição, na época, mas também cultivaram, subliminarmente, a imagem da mulher feminina e da manutenção da sua feminilidade, através da disseminação do mito da beleza e respectiva exploração/evolução desse conceito (Wolf, 1994).

Actualmente, mantêm esse papel de agentes divulgadores dos papéis sociais da mulher. Em Portugal, até ao final da década de 1970, as revistas são as responsáveis pela divulgação do papel social da mulher como boa dona de casa, boa mãe e boa esposa, buscando a perfeição nestes papéis, mais perfeito que perfeitas (Barreno, 1976).

Divulgam produtos para que as mulheres atinjam essa perfeição e, mais tarde, vão substituindo esses mesmos anúncios e publicidades por outros, que reforçam a actual visão da beleza feminina. Os ideais mudaram, mas a forma de os divulgar, a mesma agressividade e manipulação mantém-se até aos dias de hoje.

Apesar dos seus altos e baixos, desde a publicidade, passando pela moda feminina, até à divulgação de dietética e exercícios para a manutenção dos corpos saudáveis e atraentes, as revistas femininas atingiam os seus objectivos com a publicação de todo o tipo de artigos, que promoviam o consumo em massa e que, segundo Wolf (1994), se suportava na manutenção da eterna insegurança e sentimento de culpa, incutidos na mulher subtilmente.

Aquilo que Wolf (1994) define como ―cultura de massas feminina‖ é muito diferente da que surge nas revistas masculinas, pois estas últimas promovem uma divulgação mais cultural e generalizada de bens de consumo e que pode tornar-se comum a toda a população (masculina e feminina), o mesmo não se sucedendo no primeiro caso, culminado naquilo que Macedo e Amaral entendem ser o acantonamento para ―a sua especificidade, e, consequentemente, [exclusão] desse modelo de pessoas universal que, ainda, se vê única e exclusivamente no masculino‖ (Macedo e Amaral, 2005: 56). Na ―cultura de massas feminina‖, a sensibilidade, o autoconceito, a autoconfiança e a auto-imagem feminina, são

66 trabalhados sempre no sentido de diminuir estes três últimos pontos e de potenciar a sensibilidade, para que permaneça o exercício da eterna hegemonia e alteridade8 do masculino sobre o feminino (Simões, 2007; Wolf, 1994). No entanto, existe, actualmente, a presença de uma imagem feminina de independência e de conquista de poder que se digladia com a presença da sensibilidade e da classificação de ―sexo fraco‖ (Saraiva, 2006). As revistas oscilam entre a divulgação de conceitos feministas e o mito da beleza, implicando a variação destes mesmos conceitos na sociedade consoante a construção feita pelas revistas. Mas Wolf (1994) afirma que, quando o mito da beleza está presente, as revistas são seguramente antifeministas, no sentido de que não defendem os reais interesses das mulheres, não promovem a liberdade sexual, não reforçam a emancipação da mulher, nem a colocam numa posição de igualdade face ao homem, ou seja, cultivam a assimetria do ser homem e do ser mulher baseada no determinismo biológico (Amâncio, 1994).

Efectivamente, as revistas constituem um poderoso meio de mudança social, e os artigos que realmente interessam às mulheres misturam-se com outros que se fazem passar por extremamente importantes para elas. O aborto, o divórcio, a violência, o poder político, a preocupação ecológica, a economia e gestão, a educação, as vias profissionais, os perfis de mulheres de sucesso, entre outros temas, partilham os mesmos espaços mediáticos que a cosmética, a dietética, o culto do corpo perfeito, as fórmulas miraculosas de eterna juventude, entre outros. No entanto, existe uma única diferença: o destaque dado a estes últimos temas é muito superior ao atribuído aos primeiros.

Por um lado, existe a divulgação massiva de temas que são efectivamente esclarecedores da libertação e emancipação da mulher, bem como promotores da igualdade de direitos entre homens e mulheres, e que, de outra forma, não seria possível divulgar com tanta eficiência e impacto. Mas, por outro, a antítese surge com a construção do mito de beleza, situando-se no pólo oposto da construção social mais inclusiva das mulheres, sendo um legado mais pesado e promovendo o desequilíbrio social, cujas consequências são mais negativas que positivas no posicionamento da mulher em sociedade.

Se, por um lado, há nessas revistas uma função de unir as mulheres e de serem solidárias para com elas, apoiando-as incondicionalmente na promoção do mito da beleza,

8 Considerada por Gamble (2000, apud Marques e Amaral, 2005) como baseada nos conceitos da biologia e natureza feminina e masculina, a marginalização/homogeneização dos conhecimentos e comportamentos femininos, para que o poder patriarcal, bem como os seus privilégios, sejam aceites como naturais e legítimos em sociedade.

67 já que ―as imagens das revistas constituem a única experiência cultural feminina manifestada pela abertura possível de solidariedade entre mulheres‖ (Wolf, 1994: 98-99) – ou seja, são os ―clubes ou associações‖ de interesse cultural feminino comum –, por outro lado, constituem-se como homogeneizadores e formatadores de identidades, ditas femininas. Estas revistas são a junção de três vertentes: uma empresa de anúncio de produtos que alicia as mulheres a consumir; uma espécie de clube que as une em função de um mesmo objectivo; e um modelador de comportamentos e atitudes face ao que é ser-se mulher.

Num outro campo informativo, como é o caso do noticiar de situações em que as mulheres estão directamente envolvidas, surgiram estudos que analisaram as mulheres integradas nos media, ora como intervenientes activas, ora como notícia/publicidade passiva, e concluiu-se que, em ambos os casos, as mulheres são entendidas como vítimas, frágeis e cujo papel é desvalorizado, surgindo mesmo a insinuação de que as próprias mulheres se demitem de um papel mais activo.

Em 2001, Marques, ao analisar revistas femininas, conclui que a representação das mulheres é fundamentalmente feita pela visualização do corpo biológico e como cultura, em que a construção da feminilidade é assumida por características tidas como da moda e da beleza, e ainda como arma de poder, exercido pela capacidade de sedução e que esconde a dominação dos outros, por aprovação do olhar masculino, ou seja, uma subjugação da mulher ao homem. Entende, ainda, que as mulheres são despojadas da ―responsabilidade das suas representações e [não se sentem] encorajadas a defender não apenas a importância do que pensam, dizem e escrevem mas também o valor dos seus corpos reais‖ (Marques, 2001: 184).

A representação como ―sujeitos activos‖ na sexualidade, onde o corpo e a vida sexual, assimetricamente posicionadas em relação ao homem, mas de cariz heteronormativo nas identidades de género, surgem divulgadas e tidas como ―verdades‖ afiançadas pela ciência médica e psicológica positivista (Pinto e Nogueira, 2008), nas revistas junto a um público jovem, facilmente moldável e futuramente consumidores(as), ou até já grandes consumidores(as), de produtos movendo o motor económico de toda uma vasta rede industrial, presente no capitalismo contemporâneo. Aliás, esta mesma perspectiva é-nos

68 afiançada por Wolf (1994) ao analisar a ―indústria mediática malestream‖ (Pinto e Nogueira, 2008) e a divulgação dos cânones de beleza feminina.

Porém, contrastando com esta condição de ―sujeito activo‖, outras situações surgem onde a mulher é vista e entendida como passiva. Este registo mediático é encontrado trabalho de Simões, que nas suas conclusões descreve:

registos sócio-culturais que reproduzem as tensões da organização social, marcada por relações de poder e processos ideológicos; quadros referenciais institucionalizados pela normatividade jurídica; e esquemas e convenções com origem nas rotinas de produção dos acontecimentos (…) A construção noticiosa da violência contra as mulheres assenta em um repertório de incidentes isolados, baseados nas circunstâncias particulares dos agentes envolvidos (…) As ―estórias‖ são centradas no papel de vítimas das mulheres, muita embora a sua personalização esteja ausente destes relatos. Neste sentido a construção mediática da violência indicia uma dupla vitimização da mulher, posicionando ainda os públicos perante propostas de desresponsabilização do agressor (Simões, 2007: 147-148 e 150)

Ou seja, mesmo em temas em que a mulher é o alvo principal da notícia, onde a temática é real e nada tem de entretenimento, esta é invisibilizada, vitimizada e ainda mais desvalorizada. É assim que se discute e divulgam temas que se reportam com frequência às mulheres e que são importantes abordar para denunciar e advertir para a necessidades de medidas de resolução na violência contra as mulheres.

Ainda no campo da violência contra as mulheres, Silveirinha (2006b) discorre sobre a violência doméstica mediatizada, informada em tom de entretenimento, onde as ocorrencias do privado se tornam públicas, ainda que de forma ambígua. Porém, à parte da questão do entretenimento, a autora ressalva a importância de que o explorar destas temáticas, em figuras públicas, é certamente um boa forma de sensibilizar para esta problemática. Importa é continuar a estudar os discursos praticados pelos media e divulgar as representações estereotipadas e hegemónicas presentes, para conscientizar cultural e socialmente, a longo prazo, da necessidade de posicionamentos críticos e contra-hegemónicos, nesta e em outras temáticas.

Já numa linha da violência, mas que vai um pouco mais longe, uma vez que se centra nas análises de notícias sobre o uxoricídio feminino, Coimbra (2007) denuncia padrões discriminatórios para as mulheres, provenientes da ―ausência, trivialização ou condenação das mulheres nos conteúdos mediáticos‖ (Coimbra, 2007: 135). Coimbra crítica ainda a

69 passividade política em torno desta temática e assume a existência de uma ―aniquilação simbólica‖ e de um sentido de ―propriedade masculina‖ para justificação de actos hediondos que culminam no homicídio.

Um outro trabalho, cujo objectivo era explorar e compreender como a imprensa se reporta ao que a autora entende como ―duplo Outro‖, Martins (2007), analisa notícias que envolvem mulheres muçulmanas e a política, e conclui que a mulher, nos media portugueses é entendida como a ―dupla condição do Outro (…) as mulheres muçulmanas, de uma forma geral, [são apresentadas] como vítimas da religião que as sujeita a um papel totalmente passivo (…) limitando no entanto a generalidade das mulheres ao espaço privado‖ (Martins, 2007: 131).

Resumindo, encontramos nas representações das revistas femininas desde a construção da mulher como objecto sexual e procriadora, amplamente promovida pelos media, passado pela condição de objecto de posse masculina, e chegando à sua contradição com a construção da mulher como emancipada, controladora da sua fecundidade e, acima de tudo, do seu corpo (e é nesta crescente preocupação com o corpo e com a exposição de imagens sensuais de mulheres, que se relativiza, e até se contraria, a liberdade e os direitos de igualdade que os movimentos feministas conquistaram), e percebemos existir uma oscilação, por vezes conflituosa, do que é ser-se mulher, ser-se feminina e assumir uma papel em sociedade. No entanto, partilhando do optimismo de Lopes, concordamos que:

a história da mulher portuguesa, nas suas múltiplas vertentes, continua por se fazer. (…) Pela verificação da perda do monopólio do homem no mundo do trabalho e sobretudo na comunicação escrita do pensamento, … a quebra de poder instituído pela generalização do conhecimento só se consegue lentamente nas sociedades. A participação da mulher em tal processo reveste-a de uma nova imagem de si. Quando consciencializada, a metamorfose cumpre-se. (2005: 608-609)

Para que tal possa ocorrer, é necessário efectivamente tomar consciência da realidade, denunciar e desconstruir, ou seja, ―Desconstruir para reeducar…‖ (Pinto e Nogueira, 2008: 22) todos os discursos assumidos como ―verdades‖ representativas do ser-se mulher, ontem, hoje e amanhã, em todas as faixas etárias e em todos os domínios sociais, culturais, religiosos, económicos e políticos. E estes conceitos, bem como a problemática em torno deles, são os grandes justificadores da emergência e existência de estudos sobre as mulheres, ou de estudos de género, sendo este o próximo capítulo a ser elaborado.

70