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CAPÍTULO 4. Estudos sobre as Mulheres

2. Estudos sobre as mulheres e feminismo

Os relatos históricos de acontecimentos ocorridos ao longo de séculos, resgatados, explorados, compilados e divulgados, com mais força e impacto, em pleno século XX, os inúmeros movimentos feministas encetados pelo mundo, com predominância no século XIX e XX, e ainda a construção científica em torno da feminilidade, do feminino e dos feminismos, apesar de estarem aquém do desejado, demonstraram que é possível inverter o contexto de desigualdade, descriminação, hegemonia masculina e invisibilidade que proscreve as mulheres do palco sociocultural, politico, e educacional.

Apesar de esta realidade estar longe de ser global e transversal a todas as classes, raças, religiões e idades, a questão feminina, ou melhor, as questões femininas, não deixam de ser questões históricas, sociais, políticas e da humanidade, de lutas incessantes pela igualdade de direitos e pela diferença, mas também pela recolocação da mulher em papéis sociais activos e num plano de visibilidade e de partilha de poder.

O silêncio da história das mulheres, ou as mulheres silenciadas pela história, são pontos de discussão e análise de inúmeros autores, entre eles: Nunes (2007), Sousa (2005), Perrot (1998), Scott (1990, 1992), Vaquinhas (2002), que também desvendam as preocupações e os esforços em contrariar a invisibilidade histórica das mulheres e sua consequente invisibilidade em outras áreas, como sejam, sociais, politicas, culturais e religiosas. E, à parte dos constantes debates entre estudos das mulheres ou estudos de género, entendemos ser necessário prosseguir com estudos, em todas as suas áreas e

74 vertentes, que desocultem as mulheres, rompam o mutismo e atestem a paridade nas relações de género.

É necessário detectar, descortinar e averiguar, para denunciar, desconstruir e romper com as representações assimétricas de homens e mulheres, enquanto individualidades e sujeitos, para que seja possível a representação de uma cidadania plena, corrigindo-se os modelos de cidadania estereotipados e de associação ao masculino como falsamente neutro e universal (Nunes, 2007; Arnot e Dillabough, 2002). Tal como assumem Arnot e Dillabough: ―Somos, desta forma, desafiadas a iniciar a construção de visões alternativas de cidadania, que se afastem das dimensões genderizadas e opressivas dos conceitos democrático-liberais, para encontrarmos ‗outros sentidos‘ para a cidadania…‖ (2002: 37)

Em consonância com a historiografia reveladora e afiançadora da história das mulheres, os estudos feministas (onde a história das mulheres também se insere), desenvolvidos a partir dos anos 1970, e com maior preponderância a partir dos anos 1980, debruçaram-se sobre os estudos literários e culturais como reveladores de ―vozes silenciadas‖ (Macedo e Amaral, 2005) e de segregação das mulheres, onde ―… a constituição do sexo/género como categoria de análise (Scott, 1986), a necessidade de desconstrução de saberes dominantes construídos a partir do olhar masculino, e da pretensa neutralidade da construção desses mesmos saberes…‖ (Macedo e Amaral, 2005: 58) assumiam-se como pontos de construção das áreas de saber, desafiadores das ciências positivistas e do saber empírico como universal.

Com um olhar crítico Haraway (2002) adverte para, ao pretender-se construir uma língua ou linguagem comum no espaço feminino e feminista, a não criação de um ―sonho totalizante e imperialista.‖ (Haraway, 2002: 241) semelhante à busca pela ―verdade‖ positivista. Mas não descarta a importância da construção de uma cientificidade feminista ou ―ciência feminista‖, como reedificadora, em parte e no total, do limbo das actividades diárias, e para quebrar as conjugações binárias permitindo a edificação de uma ―heteroglossia‖ linguística (Haraway, 2002).

Contesta ainda práticas discursivas essencialistas ao declarar que: ―Com o reconhecimento, tão arduamente conquistado, da sua constituição histórica e social, o género, a raça e a classe não podem constituir a base para a crença na unidade ‗essencial‘. Não existe nada no facto de se ser ‗fêmea‘ que vincule naturalmente as mulheres. Não

75 existe sequer o estado de ‗ser‘ fêmea, uma categoria em si mesma altamente complexa, construída em contestados discursos científico-sexuais…‖ (Haraway, 2002: 232).

Esta categorização, e outras como ―ser mulher‖, ―ser feminina‖, ―ser mãe‖, enraizadas nas diferenças e desigualdades de género, constituem aquilo que Meyer (2006) entende como ―politização do feminino e da maternidade‖, onde maternidade é incorporada no ―ser mulher‖ e ―ser feminino‖ como um processo natural e da ―natureza‖ resultantes das conclusões dos inúmeros estudos científicos universais e neutros (Meyer, 2006).

Em Portugal, e concordando com Silva (2002), estes conceitos e outros que inscrevem o papel social da mulher, o seu valor e a afirmação individual como minoritários ou até inexistentes, foram postos em causa, paulatinamente, por movimentos organizados e ideologias desafiadoras e a favor da emancipação da mulher, dos seus direitos, da educação e da dignificação da mulher. Um percurso iniciado em finais do século XIX, que prosseguiu ao longo de décadas, moderado e de certa forma discreto, e ressurge nos anos 1970/80 como movimentos sociais pouco visíveis (Magalhães, 1998a). De acordo com Magalhães (1998b), na sua intervenção no Seminário ―O Movimento Feminista em Portugal‖, não só existiram movimentos sociais como também o movimento feminista foi plural. As mudanças ocorridas em favor das mulheres portuguesas foram contributo dos vários movimentos e grupos que lutaram sob orientações políticas diversas e com posicionamentos muito heterogéneos. Estas mesmas evidências foram reafirmadas por Manuela Tavares (1998), durante a sua intervenção nesse mesmo Simpósio.

Assim, retomando a ideia desenvolvida por Sousa (2005) de que ―é melhor ser mulher hoje em dia‖, ambas as autoras advertem para a, ainda, existência de mulheres desfavorecidas, violentadas nos seus direitos, ostracizadas e prisioneiras das suas condições femininas. Fundamentalmente, entendemos ser mais flagrante nas mulheres mais velhas ao serem socialmente excluídas, por não cumprirem parte dos requisitos de não serem mulheres jovens, ou não pertencerem a classes sociais mais favorecidas, ou não possuírem actividade laboral, ou não terem formação qualificada, entre muitos outros ―ou‖.

Daí que, a necessidade de prosseguirem os movimentos feministas e a desconstrução dos discursos, em parte justifica-se, e tal como alega Sousa:

O feminismo é para nós uma maneira de pensar e um movimento real, uma alternativa para compreender e transformar o mundo, mais do que simplesmente observar as desigualdades e conseguir posições de poder. O que nos move é a

76 necessidade de destruir os sistemas que perpetuam o medo e o ódio e justificam a

violência, em particular o patriarcado e todos os sistemas que gerem a exclusão e reforçam a dominação, controlam os nossos corpos e matam os nossos sonhos. (2005: 23)

Em nosso entender, e tendendo em mente todas estas considerações, os movimentos feministas e os estudos feministas constituem-se como importantes mecanismos para a progressiva desconstrução dos discursos binários entre o activo/passivo, a força/fragilidade, a razão/emoção, o dominador/dominado, o masculino/feminino, característicos de um discurso e pensamento convencional e estruturalista, até que se atinja a global e total transposição das barreiras sociais, culturais, religiosas e políticas hegemónicas, totalizantes e normativas.

È na convergência de múltiplos factores como: a desocultação das mulheres; a sua travessia para a esfera pública; a prática activa na política e na ascensão/permanência a cargos de poder; a crescente consciência da ―corporeidade do feminino‖ e do corpo como politico, variável e interpretativo (Butler, 1999); entre outros; que reside a mudança da situação social das mulheres e os avanços dos seus estatutos. Assume-se a importância da entrada das mulheres na ciência, em larga escala, mas apartadas do ―mainstream‖ cientifico e institucionalizado (Queiroz apud Sousa, 2005; Amâncio, 1998), pela necessidade de produzir novos saberes à luz das teorias feministas, metodologias feministas e da ―ciência feminista‖.

Parafraseando Amâncio:

Este é talvez o sinal mais evidente de que começa a estabelecer-se uma ligação entre a universidade e a sociedade civil neste domínio, e a construir-se uma base de produção de ideias criativas para o movimento feminista, de auto-reflexão para os homens e mulheres e de referências sobre, e para, a sociedade portuguesa neste campo, com em outros. Isto significa, portanto, que as condições para pensar e imaginar o que será o feminismo português do século XXI já existem. O resto, só o futuro o dirá. (1998, 81-82)

Dando expressão ao conteúdo desenvolvido neste ponto, passaremos ao capítulo seguinte – Metodologia – para descrever as opções metodológicas, o percurso seguido e o objecto de estudo.

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