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O atraso científico em Portugal para as ciências em geral

CAPÍTULO 4. Estudos sobre as Mulheres

1. O atraso científico em Portugal para as ciências em geral

O obscurantismo das décadas salazaristas travou os desenvolvimentos das ciências em Portugal, em particular das ciências sociais e humanas, e foi com a instauração do regime democrático que muitas mudanças sobrevieram também no campo científico (Gago, 1992). Assim, é a partir dos finais dos anos 70 que a investigação científica começa a movimentar- se e a ter alguma expressão em Portugal.

Na descontinuidade da expansão europeia de algumas ciências, como no caso da sociologia e da psicologia, e até nas dificuldades e hostilidades sentidas, nas perseguições efectuadas e desinteresses impostos pelo Estado Novo em áreas como, por exemplo, a

71 etnografia e a história – o que contribuiu para a falta de maturidade das diversas áreas científicas – surgem as classificações do conhecimento científico português como incipiente e pouco visível e a fraqueza de estudos é assinalada por inúmeros autores portugueses (Gago, 1992; Gil, 1992).

No que toca à psicologia, nascida e distanciada da filosofia no século XIX, assume com Wundt, em meados desse século, a tendência científica baseada na psicologia experimental (Maccio, 1993). Sendo que, no inicio do século XX, outros âmbitos na psicologia se desenvolvem, por exemplo, com a sua aplicação na prática terapêutica emerge a psicologia clínica. Aliás, Amâncio (1994), reporta-se ao desenvolvimento, na Europa, de uma outra área da psicologia – a psicologia social – a partir dos anos 1970, mas denuncia ―… imagem de pobreza da investigação em Portugal, difundida no país e transmitida para o estrageiro…‖ (Amâncio, 1998: 81)

E serão, pois, os finais da década de 1970, por ser este o período a partir do qual se dá uma maior abertura política, os anos de charneira para todas as ciências em Portugal, nomeadamente para as ciências sociais, onde novas áreas e metodologias foram incorporadas nos meios científicos e académicos (Vaquinhas, 2002).

No entanto, apesar de este despontar das diversas áreas de estudo, ainda persistem dificuldades em tornar visível a produção científica em Portugal. Tal é justificado por não existirem, ―relativamente a muitas áreas científicas, (e nalgumas não há ainda hoje) inventários de autores, de trabalhos de investigação em curso ou de produção científica‖ (Gago, 1992: 16). O panorama da expansão e internacionalização das ciências portuguesas, nos anos 80, foi de evolução lenta e, em algumas áreas da ciência, precário, motivado por uma baixa disponibilidade financeira, falta de formação e ausência de infra-estruturas.

A unanimidade dos autores – Fernando Gil, Joaquim Pais de Brito, José Mattoso, Maria Helena Mira Mateus, Jorge Vala, entre muitos outros – sobre ―o período de 1930- 1960 como uma época de paralisação‖ (Gil, 1992: 30) para a investigação em Portugal justifica o facto de se recorrer sistematicamente a estudos realizados além fronteiras, nomeadamente nos Estados Unidos da América, para corroborar artigos científicos ou não, e alguns parcos trabalhos realizados em Portugal. Além disso, contrasta com a opinião mais animadora de que, actualmente, se vive um período de maior interesse e até algum

72 investimento financeiro, ainda que escasso e de ocorrência tardia, em relação à conjectura científica de outros países.

Todo este discurso, válido para as ciências sociais, também o é para as ciências biomédicas e médicas clínicas9, que, apesar de catalogadas como ciências exactas, e por conseguinte mais úteis à sociedade (o que é actualmente discutível), em pleno período salazarista também não foram valorizadas e, por conseguinte, permitiram a ―fuga‖ de vários cientistas para outros países, onde poderiam implementar e prosseguir os seus estudos científicos.10 Apesar de, em 1891, nomes como Ricardo Jorge e Egas Moniz, entre outros, terem sido responsáveis pelo impulsionamento das ciências biomédicas e médicas clínicas, os anos que se seguiram, e que corresponderam à época da ditadura, pautaram-se por uma ―preocupação de progressivamente controlar a vida intelectual e científica da comunidade universitária, e ao mesmo tempo ‗desacademizar‘ os Hospitais Universitários‖ (Antunes, 1992: 432), logo pela preocupação de estagnar e cristalizar a evolução científica nestas áreas.

Já em finais dos anos 80 do século XX, um enorme investimento financeiro (Sousa, 1992) para esta área permitiu uma evolução mais homogénea dos diferentes campos de estudo aplicados, sobretudo das ciências biomédicas, e a fixação de muitos investigadores da comunidade científica portuguesa. Antunes (1992) faz uma crítica não muito favorável ao interesse e investimento político e económico de algumas áreas das ciências médicas clínicas, nomeadamente a nível de criação de infra-estruturas hospitalares, aquisição de novas tecnologias, criação de laboratórios e de centros de documentação.

Não obstante, foi nesta década que estudos biomédicos sobre HIV/SIDA (1985) se iniciaram em Portugal e que, simultaneamente, captaram o interesse por parte dos media, que amplamente exploravam o assunto nas notícias e artigos sob diferentes perspectivas. Outras áreas como a oncologia, a dor, tiveram também o seu grande avanço nos finais dos anos 70, inícios dos anos 80. Como afirma Fernando Gil:

9 Apesar de Lobo Antunes (1992) considerar a distinção entre ciências biomédicas e ciências médicas clínicas como particularmente difícil e algo até desnecessário, esta distinção faz-se à luz do conceito de que ―as primeiras contribuem cada vez mais para o esclarecimento dos mecanismos íntimos das doenças e, consequentemente, do seu tratamento, e as últimas são fonte inesgotável de inspiração e estimulo para a investigação dita fundamental, pelo seu convívio íntimo com o fenómeno biológico fascinante que o homem [sic], são ou doente, sempre constitui‖ (Antunes, 1992: 431).

10 Contrariamente a toda esta conjectura, temos o exemplo de Corino de Andrade que, em 1952, formou uma equipa de investigadores para os seus estudos sobre a polineuropatia amiloidótica familiar (PAF).

73 Todos procuram romper com o discurso de regime que, para uso interno e externo,

constrói a ideia de um país feito de tradição, ordem, harmonia, trabalho, valores em torno dos quais se pretende afirmar a identidade e homogeneidade que escondem todos os tipos de diversidades regionais, de diferenciações sociais, de assimetrias. (1992: 26)

Se, como vimos, as ciências em geral tiveram um atraso significativo, também no campo dos Estudos sobre as Mulheres e sobre o feminismo esta situação tinha necessariamente de se reflectir. É sobre isto que tratará a secção seguinte.