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CAPÍTULO 6. Discursos acerca da menopausa na Maria

2. Campos discursivos em torno da menopausa

2.5. Menopausa como sacrifício da feminilidade

A relevância de todas as alterações na mulher menopáusica induz uma série de construções sociais que equacionam esta fase da vida da mulher como um sacrifício para a

feminilidade. Num artigo breve, localizado na secção da revista Curiosidades de medicina e

intitulado Menopausa Precoce, podemos observar:

Quando uma mulher com 50 anos entra na menopausa, possivelmente será uma fumadora inveterada. Analisando 329 mulheres, o dr. Lindquist, chegou à conclusão que metade delas estava já na menopausa. A maior parte das não fumadoras, com idade aproximada, não tinham ainda alcançado esta fase. Elas eram um pouco mais redondas e possuíam mais ―almofadinhas‖ de gordura. O mesmo médico supõe que as fumadoras magras, devido ao contínuo consumo de nicotina, terão de sacrificar mais cedo a sua feminilidade. (Maria, nº 67 de 20-26 Fev/80, Fich 10)

Está bem patente neste excerto a noção de que na menopausa as mulheres deixam de ser femininas. Por um lado, porque perdem as formas físicas atractivas, pois ficam mais

redondas e com mais “almofadinhas‖ de gordura, não correspondendo ao conceito de

“feminilidade idealizada”(Carson, 2001: 117). Por outro, e embora não estando explícito, porque deixam de procriar e o conceito de feminilidade encerra a capacidade de procriação e de continuação da espécie (ver enquadramento teórico).

Pela assumpção de que ―alguns processos biológicos – menstruação, gestação – estão largamente na superfície do corpo feminino, e por isso tornam-se os meios pelos quais a ‗mulher‘ é definida‖ (Carson, 2001: 117), uma mulher na menopausa, mesmo que seja precoce, perde os seus atributos físicos, deixa de conceber, e como tal sacrifica a mulher que é ou foi, quando os hábitos tabágicos estão presentes. Assim, em termos de intertextualidades/interdiscursividades, entendemos haver uma forte associação da beleza estereotipada à feminilidade, não só sob o ponto de vista físico, mas também procriativo.

Mais ainda, implicitamente apontam-se os comportamentos não saudáveis como responsáveis pelo comprometimento da jovialidade e beleza física da mulher, e consequentemente como os responsáveis pelo sacrifício da feminilidade.

167 Também nos finais dos anos 80, encontramos uma continuidade e reforço desta ideia no excerto extraído de um destacável sobre a menopausa:

Se for banido o preconceito de que a mulher depois da menopausa, deixa de ser «mulher», sexualmente falando, ela continuará a ser mulher, a ter relações satisfatórias, por vezes até mais satisfatórias do que antes, perdido o receio de uma gravidez indesejada. Se pensar que continua a ser mulher e se, apoiada neste sentimento, tiver consigo cuidados estéticos e higiénicos favoráveis à sua feminilidade, a menopausa apenas lhe causará algumas perturbações que serão corrigidas com relativa facilidade e eficácia. Há inúmeros casos de mulheres que depois da menopausa se valorizam extraordinariamente, sobretudo, porque a partir de então as obrigações domésticas são menos prementes, os filhos estão mais ou menos «arrumados», têm, enfim, mais tempo livre para se dedicarem a outras tarefas. (…)‖

(…) [A mulher] Foi «sabendo» (?) que a menopausa punha termo à sua actividade sexual… é falso… muitas das suas amigas... lhe terão dito que continuam a ser como antes. E neste ser como antes, cabem as que, por nunca terem sido antes normalmente femininas neste sentido, atribuem agora à menopausa uma carência que sempre sofreram. (Maria, Nº 439 de 08-14 Abr/87, Fich 15D).

Ao fazer a ponte com o recorte da Ficha 15B, cujo sentido é claramente o de que deixa

de ser mulher, percebemos que a real intenção é reforçar este preconceito, mais do que a

pretensão de o excluir. Percebe-se que há uma mudança no discurso e uma tentativa de valorizar a sexualidade da mulher menopáusica, quando o autor aplica as expressões continuará a ser mulher e banido o preconceito. No entanto, o contexto onde está inserido não permite que esta mudança de dê.

Como motivos apontados pelo autor para uma sexualidade mais activa, encontramos as expressões perdido o receio de uma gravidez indesejada; filhos estão mais ou menos

“arrumados”, o que, sexualmente falando, permite uma maior disponibilidade de tempo

para as mulheres que se cuidam e se valorizaram extraordinariamente (numa perspectiva mais física do que psicológica). Apesar de não dito, estes pontos raiam o conceito de feminilidade em vias de se perder, pois ou a mulher cuida do seu aspecto físico e da beleza, ou seguramente perde estes atributos. Assim, a prática de cuidados estéticos e higiénicos

favoráveis é a expressão mais marcante que informa a mulher da necessidade de se

preocupar com a imagem corporal, para manter a feminilidade. Porém, esta condição, quase

sine qua non, de manutenção da feminilidade por via dos cuidados estéticos e higiénicos é

168 Já numa outra perspectiva, agora fora do domínio da sexualidade, e apesar de não estar devidamente explícito o que significa para o autor outras tarefas (sendo que está claramente expresso que não são as do domínio privado ou as ―obrigações domésticas‖, mas sim as exercidas no domínio público), surge a dúvida se as tarefas poderão ser laborais e remuneratórias ou não, ou se são apenas actividades mais lúdicas ou de carácter caritativo. Este ponto pode ser indicativo de um outro conceito de feminilidade relacionado com a dicotomia domínio privado feminino versus domínio público masculino, deixando entender que as ditas actividades públicas deverão ser não remuneratórias para manter a feminilidade (ver enquadramento teórico).

Apesar de todo o texto ter um cariz fortemente hegemónico, este excerto deixa transparecer um certo discurso emancipatório e até desafiador, pelo facto de apelar ao abandono do preconceito da mulher que deixa de ser mulher e de assumir que a mulher tem sexualidade, quando afirma ela continuará a ser mulher, a ter relações satisfatórias, por

vezes até mais satisfatórias do que antes.

Existem claramente desacordos em relação à prática discursiva, quando em diferentes momentos do texto surge o ponto nodal se. Esta conjugação vem colocar um parêntesis em toda prática discursiva das vantagens da menopausa, conduzindo para a construção do seguinte raciocínio: se a mulher não pensar desta forma, se não tiver os cuidados

favoráveis, então não poderá corrigir com facilidade as perturbações; logo, perde

feminilidade.

Numa perspectiva de associação a beleza física, juventude e atracção sexual como constituintes da feminilidade, e de perda das mesmas com a chegada da menopausa, encontramos o seguinte excerto:

Se aparecem sintomas de depressão e medos ligados à perda da juventude e da beleza, é útil e aconselhável recorrer à psicoterapia (…) A feminilidade, mais do que da produção de hormonas, depende de factores subtis, que vão edificando a vida afectiva da mulher desde a infância. Com realismo podemos afirmar que, ainda que a vida não comece aos quarenta, é uma excelente idade para a continuar. (Maria, Nº 509 de 10-16 Agos/88, Fich 32E)

É pelo recurso ao ponto nodal perda de juventude e da beleza que o/a autor/a anuncia uma feminilidade alterada por perda destes predicados. Com o enunciado depende de

factores subtis, coloca-se a dependência e subjectividade da feminilidade inserida no

169 como algo engenhoso e de fácil manipulação, construído em função dos conceitos sociais vigentes para a feminilidade e conduzindo a mulher para a exclusão social numa sociedade que assume a juventude, a beleza física e a capacidade de atracção pelo sexo oposto como importantes e inclusivos.

Numa perspectiva de certificação da juventude, da beleza e da feminilidade, surge uma outra exposição intencional da revista, que trata a procriação e a sua associação, condicionante, à menopausa.