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CAPÍTULO 6. Discursos acerca da menopausa na Maria

2. Campos discursivos em torno da menopausa

2.1. O lento desafio ao tabu menopausa

É no entendimento da mulher como socialmente activa, enérgica, interessante e produtiva (no sentido da procriação) quando jovem, passando abruptamente a ser velha, desinteressante e improdutiva e, consequentemente, invisível, motivando uma espécie de fobia inexplicável, que poderá residir o tabu (Laznik, 2004). A menopausa não é mencionada ou é apenas indirectamente referenciada, consequência da crença de que não

108 deve ou não é necessário ser discutida, constituindo matéria pouco conhecida publicamente, com não-presença de informação e existência de desinformação.

Pela ausência de artigos sobre menopausa, e de acordo com grande parte da revisão teórica realizada (Ana Vicente, 1987, entre outras/os), entre 1978 e 1979, por um lado, podemos inferir que esta temática constituía um tabu e, por outro, que as questões colocadas pelas próprias leitoras lentamente o desafiaram. Foi possível verificar que, neste lento desafiar do tabu, algumas leitoras começam por questionar a ―diferença‖ feminina:

Porque razão a menopausa só atinge as mulheres? Os homens estão sempre bem… (Maria, nº 6, 06-12 Dez/78 Fich 1A)

Elisa Sousa (Oeiras): As minhas regras são cada vez mais raras e penso que se trata da aproximação da menopausa. O que devo fazer? (Maria, nº 19 de 21- 27 Mar/79 Fich 3A)

Nós, as mulheres, sofremos muitos problemas devidos à menopausa. Mas para os homens, não há nada parecido? (Maria, nº 25, 02-08 Maio/79 Fich 5A)

Foi ao analisar estes discursos que constatámos uma articulação entre as preocupações das leitoras e a ―diferença sexual‖. Esta é sentida como mais pesada para elas e mais fácil para os homens, ao notarmos a existência dos pontos nodais sempre bem, quando se referem aos homens e sofremos, reforçado pela palavra problemas, quando associados à menopausa na mulher. Apesar de as mulheres, neste período, se visionarem ainda como um ser inferior, tal como afirma Ana Vicente (1987), a suas questões são entendidas como o início de um longo processo para desvendar ―mistérios‖ em torno da menopausa e não só. São também como um desafio à sua própria submissão e à aceitação dos ―factos‖ tal como se apresentam, assim como dos silêncios que envolvem a mulheres nas suas ―condições femininas‖.

No mesmo sentido, outras leitoras, desafiando o silêncio total sobre este tema, vão questionando sobre formas de ajuda para a fase da menopausa, nomeadamente o recurso à terapêutica hormonal de substituição que, na altura, designavam de terapia à base de

estrogénos [sic] e o esclarecimento dos termos menopausa e climatério.

Margarida Esteves (Porto) - Queria saber se é verdade que uma terapia à base de estrogénos pode ser útil para prevenir ou eliminar alguns distúrbios devidos à menopausa? (Maria, nº 18, 14-20 Mar/79 Fich 2A)

109 M. Helena Gervásio- Queria saber se é verdade que uma terapia à base de

estrogénos pode ser útil para prevenir ou eliminar alguns distúrbios devidos à menopausa. (Maria, nº 53, 14-20 Nov/79 Fich 7A)

Queria saber o que se entende exactamente pelos termos ―menopausa‖ e ―climatério‖… (Maria, nº 62 de 16-22 Jan/80, Fich 8A)

Estas missivas coadunam-se com uma estrutura discursiva convencional e normativa, ligando a necessidade de alguma forma de terapia para tratar os distúrbios à assumpção de que os distúrbios têm necessariamente de ser tratados. No entender de Laznik (2004), a THS funciona como elemento ―contrafóbico‖, não só para as mulheres como também para os profissionais de saúde.

Ao encontramos uma procura e um apelo à necessidade de obter informação rigorosa sobre a menopausa, são as palavras verdade e exactamente que nos remetem para a constatação da necessidade de encontrar conhecimento sobre esta matéria e para a inferência de que a informação não seria, nem estaria muito acessível naquela época. Tal como afirma Ana Vicente (1987), estas mulheres buscavam a informação da qual careciam e faziam-no por meios que não as fizessem sentir expostas, dado sentirem-se ainda oprimidas pela sociedade.

Além disso, tendo em conta que até 1980 nada é escrito pela revista sobre menopausa, evidenciando o silenciamento em torno do tema, o facto de as leitoras solicitarem informação sobre THS pode ser entendido como mais uma forma de demonstrarem a sua necessidade de verbalizar as dúvidas, constituindo, no contexto da época, um discurso desafiador.

É igualmente o que se observa na Ficha 8A, onde a leitora desafia claramente o indizível quando aplica a expressão entende exactamente, com a pretensão de obter uma resposta que quebre o tabu e, como tal, abra espaço para o desenvolvimento do tema.

Se, por um lado, se nota a falta de conhecimento sobre este aspecto do ciclo de vida da mulher, por outro, indica-nos que as mulheres expressam vontade em iniciar uma discussão mais aberta sobre factos que lhes dizem respeito.

Resumindo, encontramos nestas missivas, em simultâneo, um discurso normalizador da ―diferença sexual‖, onde as mulheres se sentem – ou fazem-nas sentir – como inferiores, discriminadas, oprimidas e com condições sociais mais difíceis; e um outro, desafiador dessa normatividade quando buscam respostas para as suas preocupações, e procuram

110 formas para colmatar as dificuldades e diminuir as desvantagens inerentes ao posicionamento social para o qual são remetidas.

Já nos anos da década de 1980, quando a menopausa começa a ser abordada, é-o numa perspectiva negativa, relacionando-a com a velhice, com perturbações psicológicas, com doenças que frequentemente se associam à velhice e com o rápido declínio psicofísico e cognitivo, tal como iremos desenvolver no ponto seguinte. Mesmo em literatura científico- médica, nomeadamente quando é colocado no masculino, o envelhecimento é considerado um processo lento, enquanto na mulher é visto como um processo abrupto que, habitualmente, e até aos anos mais recentes, está fortemente associado à menopausa. De forma a diminuir o impacto negativo que o envelhecimento suscita, a OMS, e mesmo a ONU, têm vindo a desenvolver o conceito de envelhecimento activo e, deste modo, contribuir para o combate ao processo de exclusão que frequentemente se lhe encontra associado.