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CAPÍTULO 2. A Sexualidade e o Prazer

2. Repressão sexual

A repressão, a ocultação, a informação deturpada sobre a sexualidade, resultaram na separação da sexualidade do resto da personalidade do indivíduo e na criação de um enorme tabu em torno do tema.

A Organização Mundial de Saúde (1975) define a saúde sexual como a integração dos aspectos sociais, normativos, afectivos, intelectuais e físicos, em torno da sexualidade humana, para enriquecer a personalidade, promover a afectividade/amor, fomentar a autonomia e desenvolver a autoconfiança e auto-estima. Compreender e aceitar a sua própria sexualidade e a do próximo, bem como compartilhar e respeitarem-se mutuamente devem ser as bases da socialização de qualquer pessoa para uma sexualidade saudável.

Mitos, tabus, repressões, alterações, manipulações e dominações foram durante séculos alimentados, sob a falsa base de que a mulher era um ser assexuado, sem prazer ou desejo sexual. Inicialmente, porque uma jovem mulher, na fase da adolescência, era educada para reprimir o seu desejo sexual e preservar a sua virgindade para se tornar uma mulher de respeito e submissa, com o objectivo de, na fase adulta, estar apta para a reprodução/procriação e para assumir o seu papel de esposa e mãe de família. Posteriormente, na fase da menopausa/envelhecimento, o seu papel feminino estava

55 cumprido, mas jamais poderia ter desejo ou prazer sexual, pois não só seria depravada, como também louca e luxuriosa.

Já o homem deveria cumprir o seu papel masculino, também se servindo da actividade sexual com o objectivo de procriar, mas poderia demonstrar a sua virilidade e potência desde a adolescência, caso contrário poderia ser tomado por homossexual, um distúrbio da sexualidade para o qual os ―tratamentos‖ pouco ou nada resultariam.

Posto isto, facilmente se percebe que à mulher caberia, mais uma vez, o papel passivo e de dominada, e ao homem o papel activo e de dominador de uma relação. A mulher era tomada como mero objecto sexual ou decorativo (de acompanhamento), e esta mentalidade prevaleceu até aos finais dos anos 70, em Portugal, motivada por uma forte repressão sobre a mulher durante o período obscurantista do Estado Novo.

Assiste-se a uma imposição, culto e dominação do cristianismo face à sexualidade. A luta constante da Igreja pelo controle da corrupção moral, que uma expressão tão liberal da sexualidade continha, proclamando a virtude do autocontrolo da vontade, da prática sexual apenas com o objectivo de procriar, e inclusive a adesão do casal à abstinência conjugal (Pacheco, 2000), colocando em oposição a prática da ―fornicação‖ e da luxúria como um pecado, favoreceram a construção social dos tabus e das repressões sexuais.

A Idade Média pautou-se por uma permissividade controlada das práticas e costumes sexuais, criando uma dupla moral que facultava a determinadas classes dominantes, entre elas o próprio clero, hábitos de alguma liberdade sexual que não eram consentidos às classes mais baixas. Tais disparidades eram fundamentadas com a presença da miséria e ruína de uma família, caso se entregassem às práticas amorosas negligenciando as suas ocupações domésticas e laborais.

Esta atitude conservadora perante a sexualidade, com forte componente moral e visão estática, posiciona a sexualidade como base única e exclusiva da reprodução. Relações sexuais pré-matrimoniais, masturbação e homossexualidade são consideradas como comportamentos desviantes da sexualidade. Negar o sexo, as fantasias e os sentimentos, culpabilizar e negar a utilização de métodos contraceptivos, foram atitudes morais e sociais que permaneceram até ao século XX, sempre sob a égide da poupança das energias do corpo como o melhor caminho para o sucesso económico, laboral ou educacional de uma

56 sociedade (Pacheco, 2000). Mais uma vez, esta era a perspectiva defendida pelo Estado Novo, em Portugal.

Mas uma atitude liberal começou a emergir, sobretudo a partir da publicação do relatório de Kinsey (1954), e as atitudes que fundamentam a sexualidade no prazer, nos sentimentos, na reprodução como opção e no bem-estar da pessoa permitiram quebrar alguns tabus. A aceitação de que o prazer sexual surge tanto no homem como na mulher e de que a emoção não é exclusiva da mulher, nem a iniciativa sexual é património masculino, a destruição do mito de que o envelhecimento e sexualidade são incompatíveis, bem como a defesa da reprodução como opção livre e responsável por parte de um casal, começaram a ser discutidos socialmente e encetaram uma mudança sobre o que é a sexualidade e como deve ser definida.

Então, onde se posiciona a mulher nas questões sexuais? Que tipo de sexualidade é a sexualidade feminina?

Com a entrada da mulher no mundo trabalho surgiram alterações nos conceitos de sexualidade feminina e inclusive nas relações entre o casal. A submissão da mulher ao homem por questões económicas e monetárias deixou de ter sentido, pois a mulher começou a assumir uma maior liberdade pessoal, conquistando, em parte, o controlo do seu próprio corpo e da sua individualidade. Apesar de tudo, ainda não se pode dizer que seja a mulher a controlar as fontes de poder e a exercê-lo, sendo o mesmo verdadeiro para o mundo do trabalho.

Assumindo como positivas estas mudanças na sexualidade da mulher, que vão desde o controlo do seu corpo até ao controlo da fecundidade, resta esperar que os homens se reajustem e adaptem aos novos conceitos sexuais, que poderão também ser benéficos para eles. Esta realidade apenas é verdadeira para os países ocidentais, nomeadamente alguns países dos EUA e da Europa, onde já se verifica que o homem assume algumas tarefas domésticas e cuida dos filhos, partilhando-se as tarefas do lar pelo casal.

Historicamente, durante muito tempo, foi negada à mulher a legitimidade de sentir prazer. Esta ideia, em associação com uma outra – a de que a sexualidade da mulher se centrava apenas na reprodução –, era veiculada pela religião. As questões morais foram, por isso, impeditivas de as mulheres demonstrarem prazer e inclusive de terem orgasmo. A era a anorgasmia feminina foi longa e, como consequência dessa longa repressão, ainda hoje

57 algumas mulheres se sentem culpadas e recusam o prazer sexual, desconhecendo a sua capacidade orgástica e escondendo o desejo e prazer sexual.

Contudo, no relatório de Kinsey (1954), comprovou-se que a mulher era tão sexualmente activa quanto o homem, sendo bombásticos os resultados revelados: 69% têm fantasias sexuais com outros homens que não os maridos; 62% das mulheres masturbam-se; 26% traem os maridos; 19,1% praticam sexo oral antes do casamento; 13% já tiveram alguma relação homossexual; 3% a 6% são exclusivamente homossexuais; e 70 a 77% das mulheres experimentaram, algumas vezes, o orgasmo nas relações sexuais. Este relatório sobre o comportamento feminino veio revolucionar e conturbar a sociedade da época e demonstrar que as mulheres efectivamente são seres sexuados, com uma sexualidade igualmente activa.

Igualmente o relatório Hite (1979), veio revelar que 89% das mulheres atingiam o orgasmo nas diferentes formas de praticar o acto sexual. Porém um estudo efectuado no Reino Unido, em 1989, revelou que apenas 36% das mulheres tinham orgasmo na relação sexual. Esta disparidade de valores é demonstrativa, em primeiro lugar, o quão complexo é admitir e comprovar que a sexualidade feminina existe e, em segunda instância, que os estudos são reveladores dos valores sociais existentes nas diferentes épocas, consoante a temporalidade das ocorrências e o local.

Mas em traços gerais, na resposta sexual feminina existem quatro fases fisiológicas: excitação, meseta, orgasmo e resolução. Apesar de esta classificação ser arbitrária e esquemática, este ciclo surge aquando dos estudos de Masters e Johnson (1984), quando pretendiam detalhar as necessidades sexuais. Estes concluíram que a resposta sexual da mulher é muito mais complexa do que no homem, porém é possível que a mulher tenha orgasmos múltiplos. Segundo Masters e Johnson (1984), isto demonstra o poder feminino perante a sexualidade e coloca as mulheres num plano de superioridade em relação ao homem.

Kinsey (1954), no seu estudo revelou que a actividade sexual orgástica feminina e a masturbação são condutas sexuais na mulher, e apesar de esta segunda ser inferior à actividade masturbatória do homem, independentemente do grupo etário estudado, tal diferença não viria a constituir-se tão significativa, como se faria supor. Em relação à mulher, a sua actividade sexual orgástica apresentava mudanças graduais, evidenciando-se

58 um envelhecimento sexual mais suave, o mesmo não ocorrendo no homem. Relativamente à masturbação, os dados obtidos reportam-nos para uma franca associação da masturbação à obtenção do orgasmo na mulher.

Afinal, o orgasmo feminino não se constitui um mistério, os estudos revelam não só a sua presença, como também evidenciam estarem, por vezes, em relação de superioridade para com o orgasmo masculino.

Se as mulheres experimentassem uma sexualidade feminina positiva seriam livres. E segundo Greer (1993), tal não acontece porque a educação sexual das mulheres vulnerabiliza a percepção do seu verdadeiro valor, uma vez que a estruturação e transmissão da sua sexualidade é feita de forma negativa. Beleza do corpo e perfeição são ideias incutidas nas mulheres desde pequenas, como forma de agradar aos homens. As mulheres que cuidam de crianças deixam com facilidade transparecer a insatisfação com o seu corpo e transmitem essa insegurança e baixa auto-estima, o que, associado à posterior proibição de as adolescentes se masturbarem, cria um ciclo vicioso de orientação para a vulnerabilidade sexual e consequente tormento de viver a era do mito da beleza, já que não lhes é ensinado a sentirem-se sexualmente belas. Como afirma Wolf (1994: 203), ―o que as meninas aprendem não é o desejo por outro ser, mas sim o desejo de serem desejadas‖. O que significa que enfrentam o mundo e a sociedade sexualmente desamparadas e cultivam este mito até ao período da idade adulta, perpetuando-o até à fase de envelhecimento, ou seja, desconhecem durante a vida inteira o seu verdadeiro valor sexual.

Resta-nos desenvolver como a sexualidade se desenrola ao longo de uma fase da vida da mulher que foi entendida como ainda mais castradora da sua sexualidade – a menopausa – já que o envelhecimento e a maior proximidade com a velhice levam a imaginar a mulher como sexualmente inactiva, cuja sexualidade pode ser profundamente inactiva.