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6 A TÓPICA MEDIEVAL E A INFLUÊNCIA DA TEOLOGIA

Viehweg (1979) tem a sensibilidade e a preocupação na abordagem da Tópica e o mos italicus, cujo representante mais proeminente foi Bartole de Sassoferrato (†1357), que dominou sem nenhum ataque até o século XVI e se manteve depois sob violentos ataques até o século XVIII.; Viehweg analisa a Tópica na Idade Média, sob a influência da teologia, destacando, neste período, o liame entre a retórica e a jurisprudência.

A retórica ou a arte da boa argumentação torna-se substancial na educação Greco – romana e durante a Idade Média. Para se ter uma ideia de sua força, mesmo com o surgimento do pensamento racionalista no século XVI, baseado no ideal de ciência experimental e busca de verdades universais, ela permaneceu operante. No panorama dos então Estados absolutistas e disputas religiosas, a oratória e argumentação retórica caminharam juntas e foram amplamente utilizadas na confecção dos discursos de cunho ideológicos e políticos.

Tem-se como exemplo interessante do uso da retórica, Thomas Hobbes (2003), em seu Leviatã, conferindo força persuasiva à sua defesa da gênese contratual e poder absoluto do soberano. Ademais, até o século XIX a retórica encontra-se nos currículos escolares, todavia, duas correntes fortíssimas de pensamento, quais sejam, o romantismo e o positivismo científico, terminam por bombardeá-la. Percebe-se que Viehweg é muito superficial no

aspecto histórico dessa corrente que permeou a Idade Média, apenas tratando de sua origem na página 59 de sua obra, partindo logo depois para a análise da tópica, o que deixou de abordar alguns aspectos interessantes do pensamento da época e que permitiria entender o contexto da tópica neste período.

A escola dos comentadores e dos “glosadores” é entendida por muitos como um dos pilares da ciência do Direito, haja vista tentar compreendê-lo mediante o método da dialética escolástica, que deu respaldo aos estudiosos para a elaboração de textos e teses que fossem capazes de adentrar no sentido da littera dos textos em análise e na produção de comentários que potencializavam os conhecimentos e criação dos Institutos Jurídicos inovadores na época, como por exemplo, o direto aplicado aos estrangeiros. Distinguiu o estatuto real do pessoal, base do direito internacional privado. (1995, p. 347).

A Idade Média destacou-se pelas ricas manifestações culturais e tal refletiu-se na pluralidade de fontes do Direito. A Escola dos Glosadores teve o papel de filtrar as diversas formas jurídicas de manifestação, não permitindo que algumas fossem recebidas pela tradição universitária. Entretanto, com os Comentadores, a realidade própria de cada região foi considerada na elaboração de seus comentários jurídicos. No meio universitário, os professores passavam seu tempo com os alunos em inúmeras discussões e leituras dos textos romanos, perfazendo comentários, haja vista a complexitude e a característica minuciosa dos estudos na época.

O mos italicus era justamente o método utilizado pelos comentadores da época, até seu fim, com o humanismo emergente. O cerne da questão é que, tal método, foi extremamente influenciado pela doutrina aristotélica-tomista que defendia uma dialética impulsionadora de verdades baseadas em argumentos de autoridade. Por isto Viehweg (1979) trata da autoridade e legitimação dos topoi nesta fase.

Estes argumentos da mos italicus foram objeto de duras críticas dos juristas do mos gallicus, escola de oposição que, quando do esgotamento do método comentador, tomaram por base a maneira como os juristas achavam a “verdade”: o meio autoritário firmado pela dialética escolástica.

Os Bartolistas ou pós – glosadores emergem justamente do ocaso do método da glosa face ao seu exaurimento. O âmbito do Corpus Iuris Civilis quedou-se insuficiente para abraçar a realidade que surgia ante as novas exigências sócio-políticas e econômicas e mesmo ao Direito. Surge então uma nova metodologia com os “pós-glosadores”. (COSTA, 1996, p. 236-237).

As glosas foram substituídas por comentários mais aguçados e baseados numa dialética escolástica que se tornou fundamento de sustentabilidade da doutrina construída pelos juristas da época e suas análises. Os comentadores surgiram então, três séculos após os glosadores, fim século XIII e início do XIV na França, na escola de Orléans (para clérigos, sendo os professores da igreja católica), com Jacques de Revigny e Pierre de Belleperche. Todavia, foi na Itália que os juristas se tornaram notórios por suas formas de estudar, in casu, a mos italicus (atividade de estudo pragmática), tendo os textos romanos ganhado auctoritas. Autoridade que foi até os humanistas e influenciou as Ordenações Portuguesas. (COSTA, 1996, p. 273-284 e 288-292).

A Europa toda fora influenciada pelo mos italicus que trazia um panorama novo ao Direito tanto na teoria como na prática, permeados pela dialética escolástica. Não se pode negar sua grande influência no Ocidente, mas também o fato de que a Ciência Jurídica, neste período, foi a altos patamares antes impensáveis.

Os Comentadores tiveram a missão de harmonização do Direito Romano com o Estatutário das cidades italianas e ainda, neste contexto, inseria-se também o Direito Canônico. (CRUZ, 1984, p. 98).

O raciocínio lógico dialético com o uso de textos Aristotélicos na Idade Média e o emprego dos topoi fizeram com que esta Escola denomina- se “Comentadores”, tendo como missão suprir as dificuldades de adequar a teoria e a prática, tentando coadunar estes dois âmbitos para atender às necessidades. Costumes, Estatutos, normas feudais dentre outras, foram normas jurídicas assimiladas neste período no panorama jurídico, além do reconhecimento dos estatutos locais face aos globais. Guilherme Camargo Massaú (s/d) analisa esta fase da seguinte forma:

Os Comentadores visavam a uma relação harmoniosa entre a realidade e o Direito, entre a prática e a teoria com o objetivo de buscar um conhecer através da interpretação. Os objetivos medievais se distinguem dos atuais, objetivava-se realizar o justo; ora, em torno disso, girava a interpretação no sentido (acima exposto) de atualização dos textos romanos. A dinâmica que consistia na adaptação textual insere a inversão de método, pois o sentido antepõe-se à letra do texto, e conduz ao conhecimento de uma razão contida na lei. A littera não pertence mais ao fim a perseguir-se, mas, converte-se, somente, em meio instrumentalizado, para alcançar a finalidade perseguida.

O trabalho dos juristas emerge pelas suas interpretações, uma vez que teriam sempre que ultrapassar o texto da lei, que deve se imbuir de um significado, entendimento, compreensão, muitas vezes inserindo-se neste contexto elementos de Direito Natural, chegando estes juristas, em sua liberdade, estenderem o significado da lei (extensio legis) com

similitudes lógicas (similitudo-analogia), alargando a atividade interpretativa a vieses variados. Por esta razão, Viehweg (1979, p. 68) destaca que “Cada problema tem de ser considerado como uma articulação do problema básico da justiça, para que toda a problemática não seja algo sem sentido”.

Dessa escola emergem algumas literaturas interessantes: Comentarium, Tractatus e Consilia. O Comentarium tem como respaldo as interpretações e doutrinas associadas com o texto legal motivado, extraindo a razão da lei. O Tractatus visa o estudo mais aprofundado de um determinado instituto ou assunto específico do Direito. A Consilia tem a característica de conselhos, opiniões emitidas pelos juristas quando consultados por magistrados ou partes. Em face desta produção literária da Escola de Comentadores, tornou-se difícil aferir a “Verdade do Direito”. Certamente esta foi uma das principais críticas formuladas contra esta escola e foi em virtude deste aspecto que procurou-se a solução no que eles chamaram de Opinium Communis Doctorum. (MASSAÚ, s/d).

A Opinium Communis Doctorum tem sua gênese na abundante produção doutrinária oriunda da mos italicus, bem como, de seu processo lógico-dialético da escolástica. (MASSAÚ apud LOMBARDI, 1967, p.123).

Na realidade, os juristas medievais nesta “busca pela verdade” terminaram por encontrar na vasta literatura proveniente dos comentadores, uma “opinião comum” face ao significado dos textos dos romanos, que muitas vezes, encontravam-se mesmo defasados face à época. Destarte, o “consenso doutoral” no que se refere às mais variadas opiniões acerca do Direito trouxe uma certeza do entendimento, uma “verdade presumida” do Direito. Dessa maneira, não se descartava a visão de autoridade, posto que a opinião comum vinha de doutores, juristas renomados, e por outro lado, tal dinâmica trazia a carga de legitimidade e validade necessárias perquiridas na Idade Média, onde o método escolástico prevalecia.

Ocorre que essa corrente exauriu-se quando da repetição dos comentários sobre comentários e isto, irrefutavelmente, levou a infindáveis remissões aos autores, como num movimento doutrinal cíclico onde pouco de produziu doutrinariamente de novo. Há, após, a superação do método escolástico dando vazão à razão humana como guia do pensamento jurídico contemporâneo, seguindo da necessidade de uma legislação e afastamento dos comentadores.

Em resumo, a Escola dos Comentadores, de igual sorte as correntes de pensamento político, jurídico, filosófico, religioso, artístico, social dente outros, passaram a ser atacados face à metodologia empregada. A análise acurada dos textos jurídicos oriundos dos grandes juristas e doutrinadores, exaltando a autoridade dos Doutores, implementaram uma visão

pouco produtiva de novas doutrinas, como dito. É neste contexto que surgem os humanistas com seu método mos gallicus, em contraposição ao mos italicus, ensejando a perda da opinião comum dos doutores e o ocaso da metodologia escolástica medieval.

Todavia, é interessante ressaltar que, do ponto de vista da tópica, as “citadas generalizações” aludidas por Viehweg (1979, p. 68), a qual se denomina “generalia” (proposições básicas de um sistema), quando vistas sob a ótica do problema, tem apenas a função de topoi, vistas como “meios auxiliares, que os experimentados juristas e professores medievais tratam com uma despreocupação que chama a atenção”.

Destarte, os topoi nesta época e, por tudo o que foi explanado acerca da escolástica da Idade Média, apenas se legitimam sendo reconhecidos mediante o argumento da autoridade, merecendo a partir daí consideração pelos alunos e professores. Restou claro que a Escola de Comentadores firmou-se como um marco importante na História do Direito e seu conhecimento. Neste contexto, alguns preceitos e institutos permanecem no mundo contemporâneo e, muitas vezes, fundamentando os atuais.

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