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10 PRAGMATISMO E TÓPICA EM VIEHWEG

Viehweg faz uma análise perfunctória da questão da sintaxe, semântica e do pragmatismo; ressalta a questão da interpretação argumentativa e situa o tema da tópica e jurisprudência na atualidade, abordando outrossim acerca da lógica neste processo. A questão hermenêutica é o cerne da obra de Viehweg. Convém assim, traçar algumas considerações acerca do momento da hermenêutica jurídica atual.

É sabido que, a prática jurídica ao longo dos tempos, mediante inúmeras tentativas de adequação do Direito a um paradigma hermenêutico determinado, fez que com os juristas pudessem aceitar e investigar os complexos processos de interpretação. Hodiernamente, não se pode mais simplesmente ter uma visão hermenêutica jurídica maniqueísta, limitada à divisão comum entre positivismo e naturalismo. Bergel (2001, p. 30) já aduzia em sua obra que:

O raciocínio jurídico não é nem uma demonstração matemática nem simples retórica. É feito de controvérsias, de dialética no sentido aristotélico do termo, mas também recorre à lógica formal. Inspira-se ao mesmo tempo em princípios abstratos e em realidades concretas, com um vaivém constante do direito aos fatos. Por conseguinte, deve-se combinar a abordagem puramente substancial do direito e suas expressões formais. O pensamento jurídico conduz geralmente a equilíbrios ou escolhas entre imperativos contrários dos quais uma das resultantes é a solução. As regras ou os princípios podem nele acumular-se esquematicamente, excluir-se ou conciliar-se. É necessário, para a apreensão e para a aplicação do direito, estudar pela teoria geral os princípios, os conceitos, as instituições, os mecanismos etc. que comandam o pensamento jurídico e são por ele empregados.

No momento hermenêutico, o intérprete depara-se com a carência de epistemologia do Direito, frente a valores e textos cujos conteúdos são imprecisos; assim, é na jurisprudência que encontra um apoio, haja vista que a Teoria Geral e a Filosofia se coloca afastada da prática por um oceano intransponível. Esta situação que se observa na realidade, tem sua base na dicotomia entre o “ser” e o “dever ser”, estes dois mundos terminaram por dividir e transformar o Direito em, de um lado, a “Ciência perfeita que deveria existir mas nunca existirá” e o “mundo dos fatos com o qual os juristas devem lidar”; tomando como ponto de partida tal contexto, os juristas sofreram uma bipartição entre os filósofos pensantes mas que não fazem nada e os práticos que trabalham sem pensar. (SZYNWELSK, s/d).

A dicotomia dificulta o procedimento de integração entre conceitos e valores dentro do contexto da hermenêutica jurídica, mesmo que se perquira um modelo sistemático com flexibilidade e que integra valorações, ainda se fala em direito positivo e direito justo, por isto, muitos autores questionam a imprescindibilidade de um direito alternativo, contudo, a questão não é saber se os valores admitidos são universais ou históricos mas sim, quais seriam os valores que de forma especificada seriam escolhidos no processo da argumentação, evitando que o “príncipe seja um sapo”, tendo em vista que o senso comum tem sua própria moralidade e julgará por intermédio desta. Por isto, surge a ideia de uma jurisprudência de valorações, já abordada anteriormente, a fim de que o discurso jurídico argumentativo tenha como objetivo principal não o convencimento do receptor mas o esclarecimento do ponto de vista do emissor. Falar-se-ia, neste contexto, de “argumentação da honestidade”. (SZYNWELSK, s/d).

Uma jurisprudência de valorações pede uma axiologia jurídica que seja aplicada e adequada, com identificação de valores no contexto do discurso argumentativo, e tal, requer uma metodologia retórica a se construir como método, posto que os tratados axiológicos delineiam os valores sob a ótica filosófica-ontológica (descrição do sentido e significado) fundado-se na teoria. Canaris, autor citado anteriormente, expõe a imprescindibilidade de um

estudo dos valores de uma forma racional, mas seu sistema aberto a valorações restringe a inserção destes apenas mediante os Princípios do Direito. Quem vai tratar de forma interessante a Retórica é Perelman, onde deixa claro que as valorações não estão limitadas às normas mas antes, permeiam o discurso jurídico como um todo. (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1996).

Seu trabalho e aprofundamento acerca da argumentação e da técnica apresenta críticas, uma vez que o conhecimento da inserção de valores no discurso poderia tanto destacá-los como “dissimulá-los” mais ainda. Destarte, se se pretende uma metodologia que tenha fundamentos em valores, deve-se ter em mente pressupostos éticos que obstem a manipulação quando da utilização do discurso. Certamente há benefícios no uso de uma retórica clara e honesta, onde seu significado será muito considerado no processo de convencimento.

Assim, aqui entra a lógica, tratada também por Viehweg; a lógica seria o meio pelo qual ajudaria no controle da “retórica honesta”, até porque as inverdades sempre se situam nos discursos “ocultos”. (PERELMAN, 1998).

Segundo Szynwelski (s/d):

A criação de uma cultura, em meio aos juristas, de um pensamento crítico e análise lógica apurada, dificultaria o mascaramento de decisões políticas com argumentos jurídicos, o que obrigaria o jurista de má-fé a desenvolver profunda habilidade e inteligência na manipulação de argumentos sob pena de serem evidenciados seus verdadeiros pressupostos ideológicos em divergência com os argumentos e motivos apresentados. Por isso, pode-se dizer que a inteligência é companheira da ética, sendo que o uso da técnica com finalidades dissimuladas só persiste enquanto dura a incapacidade crítica do receptor da informação.

A despeito dos problemas suscitados na utilização dos métodos de análise de discursos, e das críticas ao uso do argumento da razão e o argumento do poder pela jurisprudência, cabe ao Poder Judiciário escolher a melhor forma com vistas a atender sua função no contexto da tripartição dos poderes. Mesmo que se aceite a compreensão de que o intérprete “cria a norma”, é complicado não se estabelecer as distinções de caráter ontológico entre a hermenêutica da razão e a hermenêutica dita legislativa.

A Ciência do Direito, como qualquer outra área do conhecimento, necessita de uma consciência do significado e ideologia. A teoria da argumentação demonstra resquícios de ideologia quando se utiliza da noção de opinião aceita de forma geral mas não se deve pensar que a argumentação judicial implica apenas e tão somente em uma reprodução de valores que predominam pois os argumentos observam níveis retóricos pois terminam por justificar uma decisão e um sistema. A argumentação judicial instrumentaliza o sistema político- jurídico a que se insere, mas há a possibilidade de se acatar os topoi tradutores de concepções

dominantes na ordem jurídica, fazendo uso deles para aferir resultados contrários aos já colimados.

Implica na utilização do pensamento tópico a fim de ampliar os conceitos já firmados sob um ponto de vista de liberdade e, onde o juiz é consciente de seu trabalho na conjuntura concreta social, entendendo o Direito mais perto do avanço da sociedade. O pensamento tópico realoca o problema (o caso concreto e suas especificidades) enfatizando-o, e as diversas posições tendentes à sua discussão e solucionamento, evitando que o jurista se utilize de forma lógico – dedutiva, sem desmerecer a ideologia no pensamento jurídico. Mas a Ciência do Direito, como dito em outra oportunidade, necessita ser crítica e construtiva, tentando harmonizar o pensamento tópico ao sistemático, em complementação mútua, tendo como pano de fundo os dados sociais, eis o ambiente de desenvolvimento de sua atividade.

Contudo, como bem destacou Viehweg em sua obra, isto não pode ser executado sem transcender a identificação entre o pensamento lógico dedutivo e sistemático. É claro que a Ciência do Direito não pode abrir mão da ideia de sistema, que conecta internamente as normas jurídicas dando-lhes sentido, mas deve-se ter em mente o que de tópico o raciocínio jurídico possui, que é percebido na interpretação e na aplicação do Direito. Mas a tópica também auxiliará a fim de que o pensamente sistemático não se transmute em lógico – dedutivo - conceitual, conduzindo ao que Vico entendia como “depravação humana”. (AZEVEDO, 1995).

É interessante destacar na ocasião que, uma solução, já mencionada e aqui enfatizada inclusive por Maria Helena Diniz, para uma tópica jurídica eficaz seria o desenvolvimento e definição de um método tópico fundamentado na prática jurídica, tomando por base suas realidades e necessidades, dando aos pesquisadores a oportunidade de se dedicar a análises mais práticas e objetivas e tentando demonstrar o que poderia ser entendido como modo de proceder tópico.

Destarte, a construção de uma tópica jurídica como método ou “modo de proceder” para alguns, baseada na obra de Aristóteles, pede que seja compreendida e contextualizada na dialética e na retórica, que seriam efetivamente técnicas, e não os topoi de forma solitária. Talvez por isto o interesse de inúmeros autores que se debruçam sobre a retórica e sobre a dialética quando de suas pesquisas acerca da argumentação jurídica. O trabalho de Viehweg neste prisma já é um bom resultado.

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