136. Tipo legal de crime. Estrutura. Tipos legais (ou tipos
incriminadores) são encontrados na Parte Especial do Código Penal e na legislação complementar. Estruturam-se basicamente sobre a descrição sintética da conduta proibida, que pode ser uma ação ou uma omissão, expressa pelo verbo. Como inexiste ação ou omissão sem o sujeito que age ou omite, prevê-se, na descrição típica, quem pode ser o autor do comportamento proibido. Em certos casos esse autor é indeterminado, hipótese em que se identifica com o conceito de pessoa humana (qualquer pessoa humana), como no exemplo
^ do homicídio (“matar alguém”, art. 121). Em outros, restringe-se
o círculo de agentes de forma a limitar-se o número de pessoas que podem cometer o fato tipificado (assim, por exemplo, no crime de prevaricação do art. 319, que só pode ser cometido por funcionários públicos; no crime de abandono material do art. 244, cuja autoria ' reserva-se para o cônjuge, ascendentes ou descendentes da vítima).
Disso resulta que, no estágio atual, do direito legislado brasileiro, só a pessoa humana pode ser agente de crime, por inexistir tipos que incluam, em sua previsão, a pessoa jurídica ou entes coletivos. Acre ditamos, porém, que, no futuro, o direito penal poderá estender suas malhas sobre a pessoa jurídica, desde que, para tanto, alargue e modifique o atual conceito de pena.
Em um direito penal do fato, a tipificação deve acentuar um comportamento particular, isto é, o fato-do-agente, não a pessoa- agente por sua forma de vida. Assim é que, no tipo do roubo (art. 157), pune-se determinada ação dé roubar, não a circunstância de alguém ser tido por ladrão contumaz. Essa é a regra. Não obstante, não se pode negar que o ordenamento vigente abre al-
36. Para tuna crítica aprofundada sobre o tema, consulte-se a preciosa monografia de Claus Roxin, Offene Tatbestande und Rechtspflichtmerrmale, traduzida parar o espanhol por E. Bacigalupo sob o título Teoria del tipo
gumas exceções a essa regra, como no caso do rufianismo (art. 230), onde o que se pune é uma certa conduta de vida reprovável ou um tipo-de-autor.
Examinados os tipos legais, conjugadamente com o preceito do art. 18 e seu parágrafo único, do Código Penal, que a todos ilumina, chega-se à conclusão de que as condutas tipificadas, sejam quais forem, devem conter a nota da voluntariedade. Assim, ficam ex cluídos do tipo todos os fenômenos a respeito dos quais se possa afirmar que o agente deu causa ao resultado típico sem contudo deter o “domínio do fato” . Não fazemos exceção sequer aos crimes culposos, pois, como vimos, nestes, está sempre presente a “volun tariedade na causa”. Assim, os fatos que não puderem ser recon duzidos a alguma forma de vontade do agente, por se apresentarem puramente causais, devem ser reputados atípicos. Para ser-se agente de um crime não basta, pois, figurar fisicamente na cadeia causai como natureza morta. É preciso contribuir para o resultado como pessoa humana, dotada de vontade, mal utilizada (nos crimes de ação) ou não utilizada (nos crimes de omissão). Todavia, para o aperfeiçoamento do injusto isso é suficiente. A reprovabilidade, ou não, do desempenho da vontade é problema para o juízo de culpabilidade.
Sendo inseparável da ação humana, descrita no tipo, a inten cionalidade que a preside, ou o seu finalismo, incluímos igualmente, no tipo, o dolo, nos crimes dolosos, e a negligência, imprudência ou imperícia, nos crimes culposos. Sobre essa controvertida ques tão, remetemos o leitor aos esclarecimentos feitos no capítulo em que tratamos da evolução da idéia de culpabilidade.
Pode o legislador decidir-se pela punição de uma simples con duta humana, cómo no exemplo da prevaricação (art. 319), inde pendentemente dos efeitos externos que possa causar essa mesma conduta, ou, ao contrário, pretender punir a conduta que produza certo resultado danoso, como ocorie com o crime de homicídio (art. 121), onde a morte da vítima é o resultado que se liga à con duta do agente. Se o legislador optar pela segunda hipótese — e isso geralmente acontece — o resultado precisa estar descrito ou implícito no tipo, o que se obtém, freqüentemente, com o emprego do verbo adequado a exprimir ação que implica resultado ( “matar”, “abandonar”, “subtrair”, “destruir”, “alterar” etc.).
Disso resultam importantes conseqüências práticas, seja para o exame da adequação típica de condutas que não chegaram a pro duzir o resultado típico, seja para a configuração de um crime apenas tentado.
137. Tipo fundamental ou básico e tipos derivados. O tipo legal pode conter, ainda, o que é mais raro, a descrição da vítima, para submeter o fato a um tratamento especial (parricídio, infanti- cídio). Pode, igualmente, conter a descrição de circunstâncias que agravem ou atenuem a punibilidade do fato (homicídio qualificado, privilegiado, furto qualificado, de pequeno valor etc.). Nesta última hipótese, temos o tipo fundamental, ou básico, e os tipos derivados também denominados tipos “atenuados” ou “agravados” (Maurach). O tipo fundamental, ou básico, é o que nos oferece a imagem mais simples de uma espécie de delito. Dele não se pode extrair qual quer elemento sem que se desfigure a imagem do delito de que ele é a expressão. Assim ocorre, por exemplo, com o tipo fundamental do homicídio, instituído pelo art. 121, caput, do Código Penal (“matar alguém”). São seus elementos: a) o agente ativo (uma pessoa humana); b) a conduta (ação ou omissão causadora da mor te); c) o dolo (voluntariedade consciente da ação); d) o agente passivo (uma pessoa humana); e) o resultado (evento m orte); /) o nexo de causalidade. Se fizermos abstração de qualquer um des ses elementos essenciais, o fato poderá ser tudo menos um crime de homicídio. Consideremos, porém, o homicídio qualificado pelo acréscimo aos elementos já mencionados de mais um — o “motivo fútil” (art. 121, § 2.°, II). Já aqui, se excluirmos este último ele mento, o fato não deixa de ser um crime de homicídio, apenas trans- muda-se de homicídio qualificado em homicídio simples. A imagem do crime continua, porém, a mesma, isto é, a eliminação injusta da vida de um ser humano por ação voluntária de um outro ser hu mano.
Tipos derivados são, pois, os que se formam a partir do tipo fundamental, mediante o destaque de circunstâncias que agravam ou atenuam o último. Se ocorre a agravação, dá-se um tipo qualifi cado; se a atenuação, tem-se o tipo privilegiado (exemplo deste, o homicídio do art. 121, § 1.°, ao C P). O tipo derivado pode cons- tituir-se em uma figura caudatária do tipo fundamental, ou em uma figura autônoma (delito independente, delictum sui generis). Na primeira hipótese, as regras que se aplicam ao delito básico apli-
cam-se também aos crimes qualificados ou privilegiados que dele j derivam. N a segunda hipótese, o surgimento de um delito indepen
dente faz com que este se coloque fora da incidência daquelas re gras. Exemplo disso está no furto qualificado (art. 155, § 4.°, I a IV) que, segundo jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
(RTJ, 81:362), não se beneficia com a possibilidade de substitui
ção ou diminuição de pena do § 2.° do art. 155, aplicável ao tipo fundamental do furto (art. 155, caput). Não se podem, entre tanto, traçar critérios rígidos, a priori, para a identificação de um
tipo derivado autônomo. Só um exame acurado da moldura tí
pica poderá fornecer ao intérprete o material necessário a um juízo de sua autonomização. Assim, em certos casos, de que é exemplo o tipo do art. 121, § 2.°, do Código Penal, não será difícil per ceber-se a autonomia em foco, pois uma coisa é o homicídio do
caput do art. 121, ou seja, eliminar-se alguém com qualquer pro
pósito reprovável; outra, o homicídio cometido “sob o domínio de violenta emoção”, causada até por sentimentos nobres (homi cídio eutanásico), não obstante esta última conduta seja também tipicamente antijurídica. Quando, entretanto, a circunstância qua- lificadora ou atenuadora não altera a substância da conduta des crita no tipo básico, limitando-se o legislador a aduzir ao último características meramente agravadoras ou atenuadoras da pena, é de se concluir pela existência de um tipo agravado ou atenuado, não autônomo. Nesse sentido, Maurach (Deutsches Strafrecht, cit., p. 241).