c) O estado de necessidade justificante Requisitos Con ceito de perigo atual e de dano Provocação dolosa e
13. Reale Júnior, Dos estados de necessidade, p 60, define: “Atual é o que é presente, subsiste e persiste Iminente é o que está prestes a ser atual,
mas ainda não o é”.
14. Ilicitude penal, cit., p. 56-8. 15. Comentários, cit., v. 1, t. 2, p. 269.
que
na culpa (stricto sensu) também existe vontade — vontade na ação causai,e,
por exceção, até no próprio resultado. A nós nos parece que também o perigo culposo impede ou obsta o estado de necessidade. A ordem jurídica não pode homologar o sacrifício de um direito, favorecendo ou beneficiando quem já atuou contra ela, praticando um ilícito, que até pode ser crime ou contravenção. Re conhecemos, entretanto, que na prática é difícil aceitar solução unitária para todos os casos. Será justo punir quem, por imprudência, pôs sua vida em perigo e não pode salvar-se senão lesando a propriedade alheia? ” 16.A dúvida final do autor simplesmente não existe, se considerar mos que, no exemplo infeliz que cita, se menciona lesão à proprie dade alheia, portanto, estado de necessidade de direito civil, contra coisas, onde não se exige, conforme veremos, que o perigo não tenha sido provocado. Por isso, aliás, é que o Código Civil permite o fato necessário (art. 160, II), mas submete o agente à reparação do dano
(arts. 1.519 e 1.520), aliás, muito sabiamente17.
A respeito consulte-se julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (R T , 546:357).
175. Inevitabilidade da lesão. Inevitável é a lesão necessária, na medida da sua necessidade para salvar o bem ameaçado. Enten dem os tribunais que a prova dessa necessidade ou inevitabilidade deve ser cabal e incumbe à defesa (RT, 418:287, 535:304). A dou trina, como já foi dito, diversamente do que ocorre com a legítima defesa, inclui a fuga, quando o perigo recai sobre a pessoa, como um dos meios menos gravosos de que se deve valer aquele que se encon tra em perigo, para conjurá-lo18. Nessa mesma linha de pensamento, a lesão de menor vulto, quando suficiente para o mesmo fim, afasta o caráter justificante da lesão maior, que se reputa excessiva, por tanto desnecessária. Onde bastava a lesão corporal e houve morte, o fato não se considera justificado pelo estado de necessidade 19.
Nesse caso, há que se pesquisar a natureza do excesso que pode ser doloso, culposo (art. 23, parágrafo único) ou escusável se decor rente de perturbação, medo ou susto.
16. Direito penal, cit., v. 1, p. 195. Í7. Cf. nosso Ilicitude penal, p. 66-7.
18. Nélson Hungria, Comentários, cit., v. 1, t. 2, p. 272. 19. Cf. Magalhães Noronha, Direito penal, cit., v. 1, p. 194.
Para exame mais detalhado dessa última questão, remetemos o leitor ao título da legítima defesa, em cujo âmbito o excesso ocorre com maior freqüência.
174, Conflito de bens. O estado de necessidade pressupõe conflito entre bens ou interesses legítimos. Se um dos interesses em conflito não é legítimo, desaparece a possibilidade de sua defesa e com isso o estado de necessidade. Por outrò lado, no direito bra sileiro, a natureza ou a titularidade do direito não é fundamental. Todos os direitos (vida, honra, patrimônio etc.) são defensáveis, sejam próprios ou alheios, exista ou não relação de parentesco entre o agente e o titular do bem.
A intervenção de terceiros, contudo, quando se trate de bens disponíveis, não pode prescindir dá aquiescência do titular do direito exposto a perigo de lesão, pois, nesse caso, o titular do direito pode preferir outra solução ou até, se lhe aprouver, sofrer o dano.
175. Ponderação de bens e deveres. O bem de maior valor prefere ao de menor valor. Não há, entretanto, critérios milimétricos para o balanceamento dos bens em conflito. A lei fala em sacrifício “não razoável”. O princípio da razoabilidade preside, portanto, a opção. Não se deve, contudo, esquecer que a própria lei penal con tém importantes valorações. Assim, por exemplo, no entreçhoque entre a vida da mãe e do ser que traz em gestação, o maior valor da vida da gestante pode ser deduzido das cominações para os crimes de homicídio (art. 121) e de aborto (arts. 124 e 125).
Havendo identidade ou equivalência entre os bens, o sacrifício de qualquer deles, para salvação do outro, estará autorizado, como já se disse.
Os princípios são fundamentalmente os mesmos na colisão de deveres. Assim, o médico, para evitar contágio de doenças ou um crime iminente, pode quebrar o dever de sigilo profissional, se isso for absolutamente necessário para a salvação de vidas ou da saúde de pessoas. O dever maior predomina sobre o menor. Em certas circunstâncias, havendo conflito entre deveres de igual valor, predo mina a manutenção da situação preexistente. Não pode, pois, o mé dico, diante de dois pacientes necessitados do socorro e só dispondo de um único aparelho salvador, cessar o socorro já iniciado, em relação
a um, para instalar o aparelho no que chegou por último, com sacri fício da vida do primeiro.
176. Elemento subjetivo. O fato necessário deve ser prati cado com o intuito de salvar o bem em perigo. Isso basta para satis fazer a exigência de elemento subjetivo. Com mais detalhes, veja-se 0 que foi dito no título anterior.
177. Reparação do dano. O tema será melhor estudado no
título seguinte, relativo ao estado de necessidade de direito civil. Diga-se, entretanto, desde logo, que, diante da diferença existente entre responsabilidade penal e responsabilidade civil, não há contra dição nem razão para espanto no fato de se considerar cabível a in denização civil na presença de sentença criminal absolutória pelo reconhecimento do estado de necessidade. A regra do art. 65 do Código de Processo Penal deve ser vista dentro de seus próprios limi tes, pois a jurisprudência dominante tem entendido que, mesmo na presença de sentença criminal absolutória, fundada no reconhecimen to do estado de necessidade, o causador de grave dano não se exime de repará-lo (RTJ, 81:542). Por outras palavras, “o estado de n e cessidade não elide a responsabilidade civil” (R T , 477:104).