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até aqui. Como já foi dito, esses agentes apresentam algumas características comuns, entre elas o fato de produzirem publicações (em sua maioria relatórios) a partir de estudos e levantamentos por eles realizados, a fim de, por meio dessas materialidades discursivas, ecoarem as univocidades e os consensos capitalistas neoliberais, além de ditarem regras, políticas, ações em níveis globais.

Na materialidade dessas publicações, há uma certa estabilidade nos tipos e formas das fontes utilizadas, das cores, das imagens que compõem as capas. A relativa estabilidade dos enunciados que esses documentos constituem está diretamente ligada ao campo de utilização da linguagem. Os tipos relativamente estáveis de enunciados são denominados, por Bakhtin, gêneros do discurso, cuja riqueza e diversidade “são infinitas porque são inesgotáveis as possibilidades da multiforme atividade humana e porque em cada campo dessa atividade é integral o repertório de gêneros do discurso, que cresce e se diferencia à medida que se desenvolve e se complexifica um determinado campo” (BAKHTIN, 2003, p.262).

Faço aqui uso dos gêneros do discurso para comprender a relativa estabilidade constitutiva das publicações dos agentes hegemônicos, visto que esses fazem parte de um campo de atividade comum – os governos mundiais – e “o conteúdo temático”, “o estilo”, “a construção composicional”, que são elementos indissoluvelmente ligados no todo do enunciado são determinados “pela especificidade de um determinado campo da comunicação” (BAKHTIN, 2003, p.262).

Como os discursos dos agentes hegemônicos globais são produtores e difusores dos consensos, dos lugares-comuns funcionais à propagação e consolidação da ideologia neoliberal competitiva como a única alternativa de construção de realidade, esses discursos servem a determinados interesses de determinada classe social. Do mesmo modo, a composição estética de seus relatórios e de suas publicações cumprem determinadas funções. E, ainda para Bakhtin, “uma determinada função (científica, técnica, publiscística, oficial, cotidiana) e determinadas condições de comunicação discursiva, específicas de cada campo, geram determinados gêneros, isto é, determinados tipos de encunciados estilísticos, temáticos e composicionais relativamente estáveis” (BAKHTIN, 2003, p.266). Ademais, a intencionalidade de se constituir e de se manter na posição de poder, na posição daqueles que têm a missão de salvaguardar os interesses e o bem comuns, se expressa também pela forma como esses agentes escolhem dizer o que têm a dizer. Essa relativa estabilidade é funcional à

consolidação de ares “oficiais” e “hegemônicos” a esses documentos, institucionalizando a posição de dominação e de poder, o que é igualmente funcional à elevação do que se afirma por esses documentos ao status de “verdade” ou de “indiscutível”.

Reproduzo aqui, então, algumas das capas dos documentos publicados por agentes hegemônicos globais como veículos do discurso dominante da competitividade em escala planetária para, neles, apreendermos os ecos da hegemonia discursiva dos governos mundiais neoliberais :

Figura 05 – Capa do Relatório Anual 2004/2005 – Fórum Econômico Mundial

Fonte: Annual Report 2004-2005: Shaping the global, regional and industry agendas (WORLD ECONOMIC FORUM, 2004-2005).

Figura 06 – Capa do Relatório Global de Competitividade 2008/2009 – Fórum Econômico Mundial

Fonte: The Gobal Competitiveness Report 2008-2009 (WORLD ECONOMIC FORUM, 2008-2009).

Figura 07 – Capa da Brochura Institucional do Fórum Econômico Mundial

Figura 08 – Capa da Brochura do Banco Mundial

Figura 09 – Capa da Brochura Foco no Crescimento e Competitividade – Instituto Banco Mundial

Figura 10 – Capa da publicação referente à Conferência Global para o Engajamento do Cidadão para o Impacto na Ampliação do Desenvolvimento, apoiada pelo Banco Mundial

Fonte: Conferência Global para o Engajamento do Cidadão para o Impacto na Ampliação do Desenvolvimento, Março de 2013.

Figura 11 – Capa do Relatório Anual 2014 – FMI

Fonte: Annual Report 2014: From Stabilization to Sustainable Growth (INTERNATIONAL MONETARY FUND, 2014).

Figura 12 – Capa do World Economic Outlook, de outubro de 2014 – FMI

Fonte: World Economic Outlook, October 2014: Legacies, Clouds, Uncertainties (INTERNATIONAL MONETARY FUND, October 2014).

Figura 13 – Capa do Relatório de Investimento Mundial 2014 – ONU

Fonte: World Investment Report 2014: Investing in the SGDs – an action plan

Figura 14 – Capa do Relatório do Desenvolvimento Humano 2014 – ONU

Fonte: Relatório do Desenvolvimento Humano 2014 – Sustentar o Progresso Humano: reduzir as vulnerabilidades e reforçar a resiliência

Figura 15 – Capa do Relatório Anual 2014 – OMC

Fonte: Annual Report 2014

Figura 16 – Capa do Relatório Mundial do Comércio 2014 – OMC

Fonte: World Trade Report 2014 – Trade and development: recent trends and the role of the WTO (WORLD TRADE ORGANIZATION, 2014)

Alguns dos elementos comuns nesses documentos são as cores, em geral dentro de um mesmo padrão – o azul é bastante recorrente em vários tons –; imagens que remetem, em sua maioria, ao progresso, ao trabalho, ao avanço da ciência e da técnica, a pessoas discutindo e pensando as melhores soluções para o estado do mundo; o uso de imagens que remetem ao alcance mundial desses documentos, como mapas e fotos de pessoas de diferentes etnias; uma espécie de slogan que acompanha o título do documento ou da instituição – Formulando as agendas

global, regional e industrial; Foco no crescimento e na competitividade; Da estabilidade ao

crescimento sustentável; Legados, nuvens, incertezas; Reduzir as vulnerabilidades e Reforçar

a Resiliência–; além disso, a qualidade das imagens, com o uso de fotografias profissionais; a

presença dos logos das instituições para conferir credibilidade; o uso de termos do new speech – tais como: estabilidade, crescimento sustentável, legado, engajamento, desenvolvimento,

prosperidade, competitividade, foco, investimento, resiliência 58 , plano de ação,

desenvolvimento humano. Todos elementos propagadores dos lugares-comuns tão funcionais à construção do espírito competitivo da atualidade.

Esses documentos também apresentam diferenças entre si, mas guardam em suas materialidades traços comuns, uma certa unidade. Essa unidade é também uma estratégia discursiva, posto que integra a corrente da comunicação que sustenta em toda a sua materialidade sígnica os sentidos univocais; todos orientam seus discursos na mesma direção, como vimos pela leitura do material verbal, e a materialidade estética desses enunciados é também constitutiva dessa orientação. As figuras acima tratam de materiais provenientes de diferentes agentes globais – Fórum Econômico Mundial, Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional, Organização das Nações Unidas, Organização Mundial do Comércio –, contudo, se ignorássemos a proveniência deles, seria possível afirmar que são todas publicações de um mesmo agente, visto a relativa estabilidade na sua materialidade.

A tentativa de homogeneização ideológica é também refratada na dimensão estética desses documentos. Ademais, a hegemonia desses agentes da Globalização neoliberal se constitui de tal forma que materiais e documentos publicados por instituições diversas, não pertencentes a esse grupo de “governos mundiais”, também apresentam características que seguem os

58 A palavra resiliência, aliás, vem sendo muito utilizada no contexto empresarial e corporativo por se constituir

numa nova exigência em relação aos “recursos humanos”. São mais valorizados os profissionais que apresentam resistência diante de situações de pressão e estresse extremos, mantendo a lucidez, a “vontade de vencer” e a capacidade de tomada de decisões. É um termo importado da Física e se refere, nesse contexto, à resistência e à capacidade que alguns materiais apresentam de acumular energia submetidos à pressão, sem causar rupturas.

mesmos padrões discursivos e estéticos, haja vista, por exemplo, os Planos Agrícolas e Pecuários produzidos pelos Ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, cujas materialidades dialogam intensamente com os documentos produzidos pelos agentes hegemônicos da Globalização, como veremos no capítulo seguinte desta tese.

2.5 A construção de um discurso hegemônico: a competitividade como justificativa e