• Nenhum resultado encontrado

2.3 Os agentes da Globalização (os governos mundiais) e a construção do discurso da

2.3.2 O Banco Mundial

Entre os agentes da globalização ou, para Milton Santos, os governos mundiais, está o Banco Mundial. Essa instituição foi fundada em 1944 e tem sede em Washington D. C., nos Estados

Unidos. Em sua página oficial na Internet, o Banco Mundial se declara como um recurso vital de assistência técnica e financeira a países em desenvolvimento no mundo todo. Também faz questão de deixar claro que esse não é um banco no sentido ordinário, mas um parceiro único na redução da pobreza e no suporte ao desenvolvimento. Em seu texto de apresentação, o Grupo Banco Mundial expressa dois objetivos estabelecidos por ele para o mundo alcançar até 2030: 1) acabar com a pobreza extrema pelo decréscimo do percentual de pessoas

vivendo com menos de US$1,25 por dia para não mais que 3%; e 2) promover a divisão da

prosperidade, proporcionando o crescimento da renda em 40% em cada país. Esses objetivos, inclusive, compõem aquilo a que chama de Missão: acabar com a pobreza extrema em uma

geração e impulsionar a prosperidade compartilhada. Ainda na mesma página na Internet, no que diz respeito à sua história, o Banco afirma ter evoluído do seu papel de facilitador da reconstrução no mundo pós-guerra – como Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) – para o seu atual mandato de redução da pobreza em todo o mundo. Embora a missão de reconstrução ainda seja declarada pelo Banco como importante parte de seu trabalho, no Banco Mundial de hoje a redução da pobreza através de uma globalização

inclusiva e sustentável continua a ser objetivo principal.

Quero aqui colocar alguns apontamentos: 1. novamente a questão do combate à pobreza vem para esta discussão. No modo como esse agente global se expressa, de um lado temos o alvo a ser combatido – a pobreza – e de outro temos um mediador, que inclusive estabelece metas mundiais para serem cumpridas até 2030 – O Banco Mundial. O que pode levar ao sentido de que a pobreza é algo já existente, parte da história da humanidade, e esse agente está já objetivando seu combate nas próximas décadas. Há uma espécie de naturalização da existência da pobreza na ordem mundial; 2. o segundo grande objetivo do Banco estabelecido como meta para as primeiras três décadas dos anos 2000 é promover a divisão da

prosperidade. Podemos pensar primeiramente que há prosperidade; em seguida, que é possível fazer uma divisão dessa prosperidade. Desse modo, como se conduziria essa divisão? Entre os países? Nas palavras do objetivo declarado pelo Banco, essa divisão seria o estímulo de um crescimento de 40% na renda de cada país. Essa lógica expressa que é possível adotar, mundialmente, medidas que sejam capazes de estimular o crescimento de 40% da renda de cada país, o que resultaria numa espécie de prosperidade coletiva; 3. outro ponto ainda referente ao segundo objetivo seria a escolha da palavra prosperidade em vez de riquezas. A prosperidade possibilita que se compreenda uma certa ideia de movimento (a caminho da prosperidade), e uma ideia de desejo de que todos sejam prósperos. A riqueza instaura a

possibilidade de contraposição à pobreza. Se o objetivo desse agente é combater a pobreza, por que seu oposto é prosperidade e não riqueza?; 4. além disso, há expresso o desejo de se promover uma globalização inclusiva e sustentável: quanto a isso, reafirmo que se colocamos junto com o substantivo globalização os adjetivos inclusiva e sustentável, podemos compreender que sem esses adjetivos a globalização talvez seja exclusiva, ou excludente, e insustentável. Desse modo, se se almeja a redução da pobreza por meio de uma globalização inclusiva e sustentável, a globalização que aí está, que gera e alimenta a pobreza, é, portanto, exclusiva e insustentável. 5. e um último ponto que gostaria de discutir aqui sobre a apresentação do Banco Mundial é a relação que esse agente hegemônico global estabelece com aquilo que objetiva combater ou promover: trabalha pela reconstrução do mundo pós- guerra e pelo combate à pobreza que aí está como se tanto uma como a outra fossem já parte da história da humanidade e não produto de uma forma de organização mundial adotada; promove a divisão da prosperidade, o que o afasta da condição de agente dos processos de concentração e de acumulação de capital (ou de “prosperidade”) pelo mundo, na atual ordem das coisas; e almeja uma outra globalização, que seja inclusiva e sustentável, como se não fosse um dos agentes a promoverem a exclusividade e a insustentabilidade dessa globalização tal como se nos vem apresentando desde as transições de organização mundial globalizada e globalizante42.

Essa tomada de posição diante da atual ordem das coisas, essa postura assumida pelo Banco Mundial enquanto agente global vai contribuindo para um discurso de naturalização das guerras, da pobreza, da desigualdade na produção e distribuição de riquezas no mundo e naturalização também dos próprios processos de Globalização, como curso inevitável. Ademais, há uma preparação do terreno para que se plantem noções de que é possível pensar uma forma única de se organizar o mundo e seus sistemas econômicos de modo que todos

42O Banco Mundial, numa de suas brochuras (Anexo 10), desenvolve como compreende a partilha da

prosperidade que compõem seus dois grandes objetivos a serem alcançados até 2030: Prosperidade

compartilhada, entendida dessa forma, não é uma agenda de redistribuição de um bolo econômico de tamanho fixo. Em vez disso, significa expandir o tamanho do bolo continuamente e dividi-lo de modo que o bem-estar daqueles que se encontram na extremidade inferior da distribuição de renda aumente o mais rapidamente possível. Isso também requer que o progresso seja sustentável ao longo do tempo e através de gerações, em termos de meio ambiente, inclusão social, e responsabilidade fiscal. Dessa forma, o objetivo do Banco não é trabalhar por uma distribuição mais igualitária da riqueza já existente, mas promover o crescimento das riquezas e, partir desse crescimento, pensar numa redistribuição; isso traduz o objetivo de distribuição da prosperidade para aumento do crescimento da prosperidade no mundo. Essa metáfora do aumento do tamanho do bolo reforça e legitima a visão de que se consideramos que é necessário aumentar o bolo para aqueles que estão às margens possam também ser atingidos pela massa, o que se propõe é que aqueles que já se encontram no centro do bolo vão aumentar ainda mais sua parcela e continuarão a receber as maiores fatias. A fatia menor aumenta em 40%, mas a maior também será ampliada em 40%.

possam ser igualmente beneficiados, basta estabelecer objetivos globais, aparentemente do interesse de todos, posto que seria bastante difícil construirmos uma argumentação, por exemplo, contra o combate à pobreza ou à possibilidade de divisão da prosperidade mundial. E, nessa trama de interesses, uma linha discursiva vai se instaurando de modo a propagar a noção de uniformidade e universalidade das ações que devem ser tomadas. Aí se constitui o discurso da competitividade guiando e justificando ações do Banco em nível global em nome dessa forma de exercício do motor único da Globalização – a mais valia-universal.

No que diz respeito à competitividade, o World Bank Institute produziu uma brochura intitulada “Focus on Growth and Competitiveness” [Foco no Crescimento e na Competitividade] (Anexo 10). Nesse material, o primeiro parágrafo já reproduz um padrão do discurso global de enfraquecimento do poder do Estado e aponta isso como um desafio: aos

Governos às vezes falta a capacidade de elaborar os tipos de políticas econômicas que respondam às condições de mudanças rápidas. O texto afirma, ainda que agora, mais do que

nunca, os formuladores de políticas estão lutando contra o desemprego e pelo restabelecimento do crescimento e, por isso, eles precisam ter acesso, em tempo real a dados e a informações confiáveis. Preencher essas lacunas na capacidade dos governos, afirma o Banco, requer capturar conhecimento especializado e boas práticas e disseminá-los entre

aqueles que estão enfrentando tais desafios. Desse modo, o Banco Mundial vai se auto- afirmando como um dos agentes capazes de capturar todo conhecimento especializado e boas práticas em nível global e disseminar entre diferentes nações. Mais uma vez, a ideia de que o que surtiu resultado (em termos de crescimento econômico e de níveis de competitividade) em determinados países deve ser implantado também em outros, já que na atual forma de organização do mundo o crescimento econômico e a competitividade devem estar na ordem do dia de modo uniforme.

Nesse documento destinado aos formuladores de políticas dos governos e outros tomadores de decisões em relação ao desenvolvimento, o Banco declara sua abordagem: ajudar a fortalecer

a capacidade de formuladores de políticas e praticantes de ministérios centrais a formularem melhor e implementarem reformas políticas que ajudem a alcançar taxas mais altas de crescimento sustentável, sem esquecer as questões imediatas referentes à volatilidade e aos preços. Aqui, há mais uma repetição do padrão discursivo de que agentes hegemônicos globais como o Banco Mundial precisam mediar as reformas políticas dos governos num nível global para fortalecê-los (já que o discurso do enfraquecimento do Estado é também

parte dos discursos da globalização neoliberal). O alvo dessas reformas políticas é composto por questões macro-fiscais, integração comercial e regional, desenvolvimento de habilidades,

empregos e empreendedorismo, e inovação tecnológica. Por meio dessas atividades propostas pelo Banco Mundial, os formuladores de políticas são encorajados a avaliarem os desafios de implementação das políticas, incluindo as compensações associadas e os resultados esperados – que são o como fazer a reforma em questão. Nesses discursos, o fato de os governos – ou os formuladores de políticas – terem de alcançar metas globais disseminadas por agentes hegemônicos dos processos de Globalização neoliberal é expresso como “desafio”. Este é também um signo bastante recorrente nos discursos hegemônicos globais da competitividade, do crescimento e do desenvolvimento sustentáveis, do empreendedorismo, etc. Fazendo esse trabalho de captura e disseminação das ideologias globais da competitividade, o Banco se intitula como um conector global de conhecimento, aprendizado e inovação para a redução

da pobreza. E trabalhando nas escalas global, regional e local, esse agente vai implementando políticas, ações, programas que atendem aos objetivos neoliberais globais sob a justificativas de redução da pobreza e redistribuição da prosperidade.

E é também sob essas justificativas que é possível encontrar a participação do Banco Mundial em diferentes áreas de forma a atender as políticas globais de desenvolvimento e competitividade: nas Universidades e outras instituições, financiando e apoiando pesquisas43 para demonstrar a performance de participação na cadeia de valores globais, com o intuito de

contribuir para o desenvolvimento das discussões de políticas pelo mundo; no apoio e financiamento de eventos globais e suas publicações44; financiando publicações45; na Educação46, esfera em que o Banco Mundial está amplamente presente em níveis globais,

43 É possível encontrar publicações na biblioteca disponibilizada pelo Banco, divulgando pesquisas como:

Impact of Services Liberalization on Industry Productivity, Exports and Development [Impactos da Liberalização de Serviços na Pordutividade da Indústria, Exportações e Desenvolvimento]; “Joining,

Upgrading and Being Competitive in Global Value Chains” [Juntar-se, Atualizar-se e Ser Competitivo na Cadeia de Valores Globais]; “Improving City Competitiveness: City Management and the Business Climate” [Melhorar a Competitividade da Cidade: a Gestão da Cidade e do Clima dos Negócios].

44 Como é o caso da “Global Conference on Citzen Engagement for Enhanced Development Impact”

[Conferência Global para o Engajamento do Cidadão para Impacto na Ampliação do Desenvolvimento], evento realizado em Washington D.C. em Março de 2013.

45 Como a co-publicação da Universidade de Stanford e do Banco Mundial: “Globalization and Development:

a Latin American and Caribbean Perspective” [Globalização e Desenvolvimento: uma perspectiva Latino Americana e Caribenha], cuja autoria é atribuída à Comissão Econômica para América Latina e Caribe das Nações Unidas.

46 As políticas e ações educacionais também vêm compondo a rede de atuações do Banco Mundial em níveis

globais: em 1963, o Banco concedeu à Tunísia (África) o primeiro crédito educativo, para ser aplicado na educação de segundo grau. “Desde então e até 1990, o BM havia concedido créditos de cerca de 10 bilhões de dólares, havendo participado em 375 projetos educativos e em cerca de cem países do mundo. Os empréstimos abrangeram todos os níveis, desde a educação de primeiro grau até a pós-graduação, incluindo

entre outras tantas áreas em que o espraiamento dos discursos e das ações de agentes globais vão se hegemonizando à medida que se reproduzem e se fortalecem pela constância de sua presença e pelas relações de poder que vão se constituindo nos jogos ideológicos, discursivos, políticos, econômicos, materializados em volumes gigantescos de financiamentos47 e nas ações ligadas a processos estratégicos de reestruturação neoliberal em diferentes países.

Propagando por diversos meios sua luta e seus esforços pela diminuição da pobreza no mundo, esse agente da Globalização carrega em sua bagagem um histórico socialmente perverso, baseado em uma proposta de desenvolvimento econômico profundamente desigual, que, de fato, vem contribuindo para a ampliação da pobreza mundial, concentração de renda e aprofundamento da exclusão. Todos esses processos ocorrem em níveis globais, mas são também materializados em território brasileiro, uma vez que

Também no Brasil o Banco Mundial vem exercendo profunda influência no processo de desenvolvimento. Durante o período de expansão da economia, que perdurou até o final dos anos 70, o Banco Mundial promoveu a “modernização” do campo e financiou um conjunto de grandes projetos industriais e de infra-estrutura no país, que contribuíram para o fortalecimento de um modelo de desenvolvimento concentrador de renda e danoso ao meio ambiente. Nos anos, 80, com a emergência da crise de endividamento, o Banco Mundial e o FMI começaram a impor programas de estabilização e ajuste da economia brasileira. Não só passaram a intervir diretamente na formulação da política econômica interna, como influenciar crescentemente a própria legislação brasileira. As políticas recessivas acordadas com o FMI e os programas de liberalização e desregulamentação da economia brasileira estimulados pelo Banco Mundial levaram o país a apresentar, no início dos anos 90, um quadro de agravamento da miséria e da exclusão social sem precedentes neste século, com cerca de 40% da população vivendo abaixo da linha da pobreza (SOARES, 2009, p.17).

Essas afirmações acerca das ações do Banco Mundial no Brasil desde a década de 70 se contrapõem a todo o discurso do Banco de combate à pobreza e de distribuição da prosperidade, altamente divulgado por meio de suas publicações e das pesquisas e eventos por ele financiados. As decisões pautadas no poderio econômico orientam e sustentam ações de

educação vocacional e não-formal (BM, 1990)” (TORRES, 2009, p.128).

47 “Hoje, conta com 176 países-membros, incluindo países do Leste europeu e China, e seus empréstimos

passaram de um patamar de 500 milhões de dólares (1947) para cerca de 24 bilhões (1993). Atualmente, é o maior captador mundial não-soberano de recursos financeiros, exercendo profunda influência no mercado internacional. É também o principal financiador de projetos de desenvolvimento no âmbito internacional, acumulando um total de 250 bilhões de dólares em empréstimos desde a sua fundação até o ano fiscal de 1994, envolvendo 3.660 projetos” (SOARES, 2009, p.15). Vale também reforçar que de acordo com o que regem os estatutos do Banco Mundial, o poder de decisão nas votações entre seus membros é proporcional ao aporte de capital de cada membro; logo, as decisões tomadas e disseminadas em níveis globais são regidas pelo poder do capital.

aprofundamento da pobreza e de ampliação da concentração de renda e de capital e vão alcançando níveis globais de desigualdades e perversidades.

Ações e lógicas (ou ideo-lógicas) globalmente pensadas cuidam, em geral, de interesses globais, muitas das vezes indiferentes às singularidades e às especificidades que são locais. Nesse movimento, que é vivo e dinâmico, o jogo entre o local e o global, entre o singular e o universal é também um jogo de forças. Os agentes hegemônicos da globalização ou os governos globais como o Banco Mundial e o FMI, por exemplo, tratam dos interesses do pensamento único e de sua imposição aos lugares, via discurso. O discurso do Banco Mundial é produtor e propagador de uma noção de igualdade e, por essa razão, incorpora em sua fala (que é dominante) os problems dos excluídos, instaurando a ideia de que está autorizado a falar por eles.