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3.2 Discursos que sustentam a agricultura globalizada: diálogos entre Planos e Relatórios

3.2.2 Plano Agrícola e Pecuário 2001/2002

Os mesmos signos também compõem o discurso do Plano Agrícola e Pecuário do ano-safra seguinte – 2001/2002. O documento, chamado pelo Ministro Marcus Vinicius Pratini de Moraes de cartilha, anuncia medidas e outras normas da política agrícola, além da reformulação, flexibilização e atualização de medidas operacionais e financiamentos para setores estratégicos e é colocado à disposição do agronegócio brasileiro. Novamente, o signo agronegócio em vez de agricultura. E junto a ele, o signo competitividade também compõe o texto de apresentação do documento, já no terceiro parágrafo em que é anunciado o objetivo do conjunto de medidas apresentado pelo Plano: [...] fortalecer e estimular a expansão e a

modernização da agricultura e pecuária brasileira […] (p.1). Além desse objetivo, o texto

ainda declara de que modo ele será cumprido: [...] ao criar um ambiente propício aos

investimentos na atividade rural do País [...] (p.1); e ainda apresenta as consequências do cumprimento desse objetivo: [...] o que deve redundar em maior geração de empregos,

agregação de renda ao meio rural, fomento a investimentos regionais e setoriais, e aumento da competitividade, além de incremento e diversificação em nossa pauta de exportações (p.1). Ao lado de modernização, empregos, renda, investimentos e exportações, mais uma vez a

competitividade71 se apresenta como alvo, como o lugar a que se quer chegar, como justificativa para a organização e distribuição dos recursos, tal como se apresenta no documento.

As vozes da hegemonia discursiva global também se materializam no documento do Ministério sob outros signos: o Ministro é bastante assertivo no que diz respeito à competitividade como alvo e, ao mesmo tempo, como âncora para os anúncios de investimentos e para toda organização das ações apresentadas no Plano: Desde que

assumimos este Ministério, temos redobrado os esforços com o propósito de dar condições estruturais à agricultura e à pecuária brasileira para aumentar sua competitividade e qualidade, exigência indispensável para se fazer frente aos desafios de um mercado globalizado (p.2). Esforços em dobro para a criação de condições estruturais – aqui, auscultamos as vozes dos grandes agentes da Globalização, por exemplo, a voz do Fórum Econômico Mundial, por meio do Global Competitiveness Report, posto que um dos pilares propostos por esse documento diz respeito às Instituições [1º pilar] e outro diz respeito à

Infraestrutura [2º pilar]. E aqui o que temos é uma instituição – o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – trabalhando, com esforços redobrados, para dar condições estruturais às atividades agrícolas e pecuárias brasileiras para cumprir a imprescindível

exigência, não do abastecimento de alimentos no país, mas do mercado global.

O discurso hegemônico global da competitividade se materializa no discurso do Ministério brasileiro, além de orientar ações e investimentos públicos em resposta a essas vozes globais. Um Programa do governo brasileiro foi criado e implantado em resposta a esses discursos:

71 A palavra competitividade ainda aprece no texto do Plano Agrícola e Pecuário do ano-safra 2001/2002, que

tem 41 páginas, outras quatro vezes: 1. [...] com o propósito de dar condições estruturais à agricultura e à

pecuária brasileira para aumentar sua competitividade e qualidade [...] (p.2); 2. Criação e dinamização de

medidas para baixar os custos, melhorar a qualidade e aumentar a competitividade [...] (p.4); 3. O governo

destinou ainda R$ 230 milhões para novas linhas de crédito para investimentos na modernização e aumento da competitividade da agropecuária brasileira (p.5); e 4. Aumento da qualidade, segurança e

competitividade dos produtos de origem animal [...] (p.40). Em todos os empregos do signo competitividade, as palavras aumentar e aumento estavam diretamente a ele relacionadas, expressando o alvo das ações apresentadas no Plano. Além disso, ainda compõem o documento, os adjetivos “competitivas” e “competitivo”, nos seguintes trechos: 1. Prioridade para as atividades agrícolas e pecuárias mais

Desde o lançamento do Programa Brasil Empreendedor Rural72, em janeiro do ano passado, damos ênfase especial à adoção de programas de investimento direcionados para setores estratégicos (p.2). Os signos empreendedor e estratégicos também constituem esses discursos globais da competitividade: se retomarmos a Missão do Fórum Econômico Mundial, missão essa estampada em todas as suas publicações, veremos que essa instituição trabalha por um

Empreendedorismo no interesse público global. O global73, aliás, parece já carregar alguns sentidos mais cristalizados, entre eles, o sentido de único; único não como singular, mas como único de um só; único, sem tensões, homogêneo, sem conflitos. E, já que todos temos um único interesse, lançam-se investimentos, ações, políticas, programas, direcionados a setores estratégicos; estratégicos em relação a ações, a políticas, a discursos hegemônicos, constituídos pela e constituintes da ideologia oficial, que luta pela manutenção da atual ordem das coisas, pela homogeneização das vozes. São os signos e “todos os seus efeitos (todas as ações, reações e novos signos que ele gera no meio social circundante)” (BAKHTIN / VOLOCHÍNOV, 2009a, p.33) aparecendo na experiência exterior, organizando e regendo ações globais, em nome de uma missão única, visando o interesse público global.

Esse é um jogo que vai se dando entre os discursos e as ações na base material. A organização material vai gerando discursos e constituindo sentidos outros por meio dos signos -

estratégicos, produtividade, competitividade, desempenho, empreendedorismo, interesse

público –, que, a partir das valorações que vão recebendo, manifestam-se na experiência exterior, fecundando e nutrindo ações na base material74, constituindo um ciclo e uma cadeia infinita de ações e de discursos, os quais separei somente para fins de análise e de

72 Na página da Confederação Nacional da Agricultura – CNA – encontramos uma breve descrição dos

objetivos desse Programa: Desenvolver e estimular o poder pessoal dos empreendedores do agronegócio de

forma a ampliar sua capacidade influenciadora nas transformações da sociedade; Desenvolver competências empreendedoras para atuação em atividades econômicas, políticas e sociais sustentáveis. Disponível em: http://www.icna.org.br/projetos-e-programas/programa-empreendedor-rural. Acesso em 19 de janeiro de 2014, às 2h.

73 “O adjetivo 'global' surgiu no começo dos anos 80, nas grandes escolas americanas de administração de

empresas, as célebres 'business management schools', de Harvard, Columbia, Stanford etc. Foi popularizado nas obras e artigos dos mais hábeis consultores de estratégia e marketing, formados nessas escolas – o japonês K. Ohmae (1985 e 1990), o americano M.E. Porter – ou em estreito contato com elas. Fez sua estreia a nível mundial pelo viés da imprensa econômica e financeira de língua inglesa, e em pouquíssimo tempo invadiu o discurso público neoliberal. Em matéria de administração de empresas, o termo era utilizado tendo como destinatários os grandes grupos, para passar a seguinte mensagem: em todo lugar onde se possa gerar lucros, os obstáculos à expansão das atividades de vocês foram levantados, graças à liberalização e desregulamentação; a telemática e os satélites de comunicações colocam em suas mãos formidáveis instrumentos de comnicação e controle; reorganizem-se e reformulem, em consequência, suas estratégias internacionais” (CHESNAIS, 1996, p.23).

74 Só neste Plano – ano-safra 2001/2002 –, foram destinados “R$ 230 milhões para novas linhas de crédito para

investimentos na modernização e aumento da competitividade da agropecuária brasileira” (p.5), além de outros investimentos destinados a outros setores das atividades agrícolas e pecuárias.

compreensão, mas que não se dão isoladamente e sim de modo entrecruzado e interpenetrado.