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3.2 Discursos que sustentam a agricultura globalizada: diálogos entre Planos e Relatórios

3.2.7 Plano Agrícola e Pecuário 2006/2007

Para compreender como se constroem os sentidos no Plano Agrícola e Pecuário referente ao ano-safra 2006-2007, vamos iniciar já pela leitura de sua capa. Com um fundo num tom neutro, há cinco figuras que compõem a capa desse documento: um rebanho de gado, um saco de juta com soja, grãos de milho, um produtor rural sobre um monte de grãos e a imagem de uma Bolsa de valores, com muitos operadores (Figura 26). A presença dessas imagens e não de outras constitui já uma orientação argumentativa desse documento. Como mostramos anteriormente na leitura do PAP do ano-safra 2003-2004, o primeiro produzido e publicado pelo Governo Lula, havia na capa daquele Plano, pela composição das imagens, uma referência à alimentação – demonstrada por crianças se alimentando em torno de uma mesa e de pessoas fazendo compras num supermercado. O signo abastecimento, que compõe o nome do Ministério estava ali representado nas cenas que remetiam à compra dos alimentos e ao próprio ato de se alimentar. Aqui, no documento do ano-safra 2006-2007, temos o rebanho significando a pecuária, os grãos significando a agricultura e a Bolsa de Valores significando os fins para os quais toda essa produção é direcionada: a comercialização em larga escala, as exportações, o mercado financeiro.

Figura 26 – Capa do Pano Agrícola e Pecuário 2006/2007 – MAPA

Fonte: Plano Agrícola e Pecuário 2006/2007

(MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO, 2006).

O texto verbal do Plano do ano-safra 2006-2007 é dividido em onze partes. A primeira delas – intitulada A agricultura em transição – é assim denominada em função de tratar do período em que se encontra esse setor no Brasil, período esse em que precisa contornar as

dificuldades presentes e retomar o processo da produção e da competitividade do agronegócio brasileiro. No documento inteiro, essa é a única ocorrência da palavra

competitividade. Ela aparece compondo justamente a declaração do motivo pelo qual o PAP 2006-2007 foi concebido: o auxílio ao produtor para superar essa fase de transição entre as dificuldades e a retomada da produção e da busca pela competitividade.

Ainda no que diz respeito a esse primeiro tópico do documento, cabe ressaltar que, embora traga em seu título A agricultura em transição, o signo agricultura não aparece em nenhum outro momento do texto. Em vez dele, o signo agronegócio constitui dois enunciados: o já citado por nós a respeito da concepção desse Plano – auxiliar o produtor a contornar as

dificuldades presentes e retomar o processo de crescimento da produção e da competitividade do agronegócio brasileiro–, e, num segundo momento, em que o texto afirma a pretensão do Plano de construir uma ponte para o futuro, pois parte da premissa de que o agronegócio

brasileiro continuará sendo um dos melhores e maiores do mundo. Nessas duas ocorrências, a substituição do signo agronegócio por agricultura, morfológica e sintaticamente, não acarretaria grandes mudanças, com exceção da necessidade do uso da forma feminina em vez da masculina para que o adjetivo brasileiro e para os artigos o e um, que passariam a concordar com o substantivo feminino agricultura ([....] da agricultura brasileira e [...] que a

agricultura brasileira continuará sendo uma das melhores e maiores do mundo). Contudo, no que diz respeito ao campo semântico, essas substituições acarretariam mudanças nos sentidos, principalmente se considerarmos toda a carga social e histórica dos signos agricultura e

agronegócio: 1) nos discursos hegemônicos que venho estudando acerca da relação entre competitividade e as atividades agrícolas, o mais recorrente é a ligação dos termos

competitividade e agronegócio, em vez de agricultura. Essa composição vai reafirmando a distinção ideológica que há entre os signos agricultura e agronegócio; 2) na segunda ocorrência, em que se reafirma o agronegócio brasileiro como um dos melhores e maiores do mundo, também há uma forte demarcação da diferença que vem se estabelecendo entre os signos em questão. Hegemonicamente, não se afirma que a agricultura brasileira está entre as maiores e melhores do mundo, mas que o agronegócio ocupa esse lugar, inclusive como peça chave para o desenvolvimento do nosso país e como a porta pela qual o Brasil vem conquistando seu espaço no cenário mundial. Assim, os dois – agricultura e agronegócio – não poderiam funcionar nesses dois enunciados como termos sinônimos. No entanto, o título escolhido para esse tópico não foi O agronegócio em transição.

Retomando, agora, as compreensões em torno da palavra competitividade, ela só aparece uma vez no corpo do documento todo. Contudo, na tecitura da construção desse PAP, esse signo vai se refratando e refratando também sentidos entrecruzados aos discursos hegemônicos da competitividade e vai assumindo formas diversas. Já no objetivo desse documento, o Plano Agrícola e Pecuário, há o entrecruzamento com os discursos da competitividade expressos pelos Relatórios Anuais do Fórum Econômico Mundial, uma vez que é um mecanismo através

do qual o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento vai se firmando enquanto instituição promotora de toda a estrutura de apoio de que esse setor necessita para garantir seu funcionamento e crescimento. As políticas, também descritas pelo Relatório como parte do conjunto que deve buscar o aumento dos níveis da produtividade de um país, são expressas em vários outros tópicos do PAP (3-Crédito Rural para a Agricultura; 4-Mudanças no

Sistema Nacional de Crédito Rural; 5-Preços Mínimos; 6-Expansão dos Novos Títulos do

Agronegócio; 7-Seguro Rural; 10-Medidas de Apoio à Agricultura em 2005-2006; e 11-

Medidas Estruturais). O discurso da sustentabilidade novamente constitui o texto do documento, expresso mais especificamente no 9º tópico (Plano Executivo para o

Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Legal). Além disso, o 12º Pilar que embasa as análises dos níveis globais de competitividade, publicados pelos Relatórios do Fórum Econômico, o Pilar da Inovação, é refratado no 8º tópico do PAP, intitulado Agroenergia. Esse tópico trata do impulso que a produção de agrocombustíveis dará para a criação de demandas o que, além de relacionar ao campo da inovação, ainda se relaciona com os Pilares da

Prontidão Tecnológica [9º] e do Tamanho do mercado [10º].

O discurso da competitividade vai se entrecruzando aos outros discursos e interpenetrando as tecituras dos sentidos num processo dialógico e polilógico em que suas vozes vão sendo ressoadas e sua inter-ação com as bases materiais da sociedade vai ganhando forças – centrípetas e centrífugas – para constituir esses jogos ideológicos que se nos mostram nos textos que fazem parte da cadeia infinita dos sentidos vivos.