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2.3 Os agentes da Globalização (os governos mundiais) e a construção do discurso da

2.3.5 A Organização Mundial do Comércio

Na seção Quem somos de sua página na internet, a Organização Mundial do Comércio afirma que existem vários modos de olhar para ela: é uma organização de abertura comercial. É um

fórum para os governos negociarem acordos comerciais. É um lugar para eles resolverem disputas comerciais. Opera um sistema de regras comerciais. Essencialmente, a OMC é um lugar em que os governos membros tentam resolver problemas comercias que enfrentam uns com os outros55.

No contexto de liberalização, flexibilização e desregulamentação alimentado pelos processos de globalização neoliberal, a Organização Mundial do Comércio tem papel importante, uma vez que atua onde países têm enfrentado barreiras comerciais e querem reduzi-las; a OMC, então, promove as negociações para abrir mercados ao comércio. Quebrar as barreiras para propiciar uma circulação de mercadorias que seja mais flexível faz parte dos processos de promoção da Globalização como modo de organização econômica, de forma a possibilitar o alargamento dos mercados consumidores, bem como das facilidades de aquisição de matérias- primas, já que os acordos da OMC cobrem bens, serviços e propriedade intelectual. Eles

enunciam os princípios de liberalização, e as exceções autorizadas. Entre os princípios defendidos por essa Organização estão: maior abertura, previsão e transparência, mais

benefício para países menos desenvolvidos, proteção ao meio ambiente, mais competitividade. Este último, justificado em função de desencorajar práticas injustas. Diante de questões complexas, a OMC estabelece as regras sobre o que é justo ou injusto e sobre como os governos devem responder.

Esse é mais um agente na cadeia de valores globais, que vem afirmando, nas últimas décadas,

55 Texto original disponível em: http://www.wto.org/english/thewto_e/whatis_e/who_we_are_e.htm. Acesso em

o quanto é necessário que haja instâncias globais como a OMC para “auxiliar” na formulação de políticas e na solução de questões complexas, dado o enfraquecimento do papel do Estado. Também pautado em ações em nome do crescimento e desenvolvimento econômico, esse agente global declara que seu propósito primeiro é abrir o comércio em benefício de todos.

Interesse comum, construção de uma aldeia global, em benefício de todos são enunciados que vão propondo e reforçando que o desenvolvimento e o crescimento econômico propostos pelas ideologias hegemônicas neoliberais por meio de seus agentes globais são o desejo de todos e vão beneficiar a todos, enquanto cidadãos globais.

Embora a desregulamentação seja uma das bases da Globalização neoliberal, são vários os seus agentes reguladores, como os “governos mundiais”, entre eles a OMC. Contudo, os processos de monitoria, os padrões por eles estabelecidos associam sempre as questões econômicas a um bem maior. No caso da OMC, o resultado prometido é garantia, além de um

mundo econômico próspero, de um mundo pacífico e responsável. A Organização trabalha para a redução dos riscos de as disputas comerciais transbordarem para conflitos políticos ou

militares e, para tanto, direciona esforços para garantir que as políticas comerciais dos países

conformem-se com os acordos e compromissos estabelecidos por ela. Desse modo, além de objetivar o fortalecimento e a abertura das transações comerciais em níveis globais, o bem

comum promovido pela OMC visa a paz e a harmonia mundial, evitando confrontos políticos ou militares desencadeados por questões comerciais mal resolvidas.

Operando na mesma lógica dos agentes globais anteriores (Fórum Econômico Mundial, Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional e Organização das Nações Unidas), a Organização Mundial do Comércio também publica seus Relatórios. Os Relatórios Anuais, segundo a Organização, possibilitam uma compreensão geral das atividades da OMC ao

longo do ano anterior e inclui informações acerca de seu orçamento e de seu pessoal. Já os Relatórios Mundiais do Comércio têm o objetivo de aprofundar a compreensão sobre as

tendências do comércio, de questões de política comercial e do sistema de comércio

multilateral56. E dando continuidade à cadeia de valores globais, a materialidade desses relatórios reflete e refrata as materialidades das publicações dos outros agentes, como é possível compreender relacionando-as (ver item 2.4).

56 Na internet, é possível encontrar os Relatórios Anuais a partir do ano de 1998 (disponível em:

http://www.wto.org/english/res_e/reser_e/annual_report_e.htm. Acesso em 15 de dezembro de 2014, às 23h12) e os Relatórios Mundiais do Comércio a partir do ano de 2003 (disponível em: http://www.wto.org/english/res_e/reser_e/wtr_e.htm. Acesso em 15 de dezembro de 104, às 23h23).

Nesses documentos, os discursos hegemônicos globais são refletidos e, ao mesmo tempo, refratam os valores de uma Globalização econômica neoliberal. No Relatório Mundial do Comércio 2014 (Anexo 12), no capítulo que trata da ascensão de Cadeias de Valores Globais, no item 2: CVG: oportunidades e desafios para o desenvolvimento, o texto traz a seguinte afirmação: somente os países próximos o suficiente da 'janela' da competitividade estarão

aptos a juntarem-se à Cadeia de Valores Globais57, e já aponta no texto que os países em desenvolvimento terão de alcançar certo patamar de eficiência e qualidade para se tornarem destinos atrativos de investimentos de empresas estrangeiras. Há ainda no Relatório uma seção cujo título é O novo papel das commodities em estratégias de desenvolvimento. Essa seção discute os desafios e oportunidades das estratégias de crescimento e desenvolvimento econômico baseadas nas commodities; além disso, analisa como os países em desenvolvimento têm sido capazes de alavancar seu potencial de exportação de recursos agrícolas e naturais nesse ambiente de preços elevados para consolidarem o seu desenvolvimento.

Nesse item, o texto vai fornecendo possibilidades de compreensão de que alavancar exportações de recursos agrícolas e naturais é uma oportunidade de consolidação do desenvolvimento econômico de um país. Aliado a isso está o discurso de que existem vários estágios de desenvolvimento e que os países devem se articular política e economicamente para galgarem esses níveis até o patamar mais alto. Desse modo, vai se consolidando, texto a texto, relatório a relatório, a ideologia de que esses “governos mundiais”, criadores e mantenedores da Cadeia de Valores Globais, são capazes de estabelecer as regras e os passos que, se cumpridos, elevarão os países que se comprometerem com esses valores ao posto de país desenvolvido e, ao mesmo tempo, os países que não cumprirem exigências mínimas para alcançarem esses postos terão seus “pontos fracos” divulgados nos relatórios e analisados como justificativas e exemplos dos motivos pelos quais não atingiram os níveis de competitividade e desenvolvimento suficientes. Todo esse processo revela que esses países não apresentam competências necessárias e que falharam em alguma medida; isso afasta e enfraquece um discurso de que os países “em desenvolvimento” são, de fato, vitais para os países desenvolvidos.

57 Relatório Mundial do Comércio 2014 - “Comércio e desenvolvimento: tendências recentes e o papel da

OMC”. Disponível em: http://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/world_trade_report14_e.pdf. Acesso em 16 de dezembro de 2014, à 1h.

Os mesmos níveis de desenvolvimento, as mesmas concepções de valores, esses são argumentos que se repetem nos padrões dos discursos que pregam um jeito único de ver e de organizar o mundo. Os “governos mundiais”, ou agentes hegemônicos da globalização – como tenho chamado nesta pesquisa – instauram discursivamente uma luta pela homogeneização nas tomadas de decisão em relação às economias, aos investimentos, à circulação de capitais, à organização de povos, às negociações, aos acordos, às operações financeiras e comerciais de diferentes países. Essas ações e esses discursos vão instaurando comunidades e, consequentemente, extracomunidades, provocando exclusividades sob discursos de inclusão, concentração sob discursos de resdistribuição.

Todos esse agentes hegemônicos, e ainda outros que poderiam ser trazidos para esta discussão, têm papel ativo na produção e reprodução de discursos globais, constituindo lutas na tentativa de se criar um jeito único de ver o mundo, de organizar as ações na base material, na tentativa de aparar arestas e mitigar as lutas de diferentes índices de valor que se instauram na vida dos discursos. Todos eles são militantes na construção de um discurso único, hegemônico e hegemonizante, global e globalizante; esse discurso opera na constituição do espírito de uma época, cujo motor é a mais-valia universal, que tem a competitividade como uma de suas formas de exercício para homogeneização dos valores na esfera global.

As leituras que apresentei aqui sobre os discursos dos agentes hegemônicos globais e alguns de seus documentos não dão conta de uma compreensão totalizadora dos sentidos e das refrações fomentadas pelos signos componentes dessas enunciações, desses discursos. “Não compreenderemos nunca a construção de qualquer enunciação – por completa e independente que ela possa parecer – se não tivermos em conta o fato de que ela é só um momento, uma gota no rio da comunicação verbal, rio ininterrupto, assim como é ininterrupta a própria vida social, a história mesma” (VOLOCHÍNOV, 2007, p158). Essas leituras são, portanto, momentos pinçados no fluxo ininterrupto da história, tomando a época globalizada como espaço-tempo de compreensão do nascer-já-caminhando do espírito da competitividade neoliberal.

2.4 Os agentes hegemônicos globais e seus tipos relativamente estáveis de enunciados