• Nenhum resultado encontrado

3.2 Discursos que sustentam a agricultura globalizada: diálogos entre Planos e Relatórios

3.2.8 Plano Agrícola e Pecuário 2007/2008

No ano-safra 2007-2008 – ano em que o Ministro Luís Carlos Guedes Pinto deixa o cargo, que passa a ser ocupado por Reinhold Stephanes –, o Plano Agrícola e Pecuário estampa, já em sua capa, a Missão do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento: Promover o

desenvolvimento sustentável e a competitividade do agronegócio em benefício da sociedade brasileira (Figura 27). Aqui temos expressos o desenvolvimento sustentável e a

competitividade do agronegócio como as tarefas missionárias do Ministério (alvos) e o espraiamento de seus efeitos benéficos à sociedade brasileira. Quero destacar que o termo desenvolvimento, nos discursos hegemônicos contemporâneos, deve ser sempre um desenvolvimento sustentável que, como já afirmamos anteriormente, declarado como desejo e como missão, desde que, para isso, os recursos não sejam exauridos e extintos. E a

competitividade, mais uma vez, ligando-se ao signo agronegócio, embora seja missão do Ministério da Agricultura e não do Ministério do Agronegócio.

Figura 27 – Capa do Plano Agrícola e Pecuário 2007/2008 – MAPA

Fonte: Plano Agrícola e Pecuário 2007/2008

(MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO, 2007).

Na Introdução do documento, são afirmadas as funções tradicionais do setor agropecuário brasileiro (abastecimento do mercado interno, expansão das exportações e geração de

emprego, renda, divisas e energia) e os principais objetivos (redução dos custos dos

financiamentos agrícolas; fortalecimento da média agricultura; redução da probabilidade de ocorrência de situações de crise que levem a intervenções pontuais e casuísticas do Governo;

estabilidade da renda agrícola e das normas gerais dos instrumentos de Política Agrícola). Esses objetivos, já numa primeira leitura, nos mostram um desejo de alcançar garantias e estabilidades nos investimentos realizados pelo setor agropecuário brasileiro, na medida em que declaram a necessidade de prever e evitar situações de crise e necessidade de se alcançar uma renda estável e acesso a financiamentos a baixos custos. Isso se confirma quando o texto avança e expõe as principais medidas adotadas pelo Plano na busca pelos objetivos já citados. Das dez medidas anunciadas, sete tratam diretamente de questões financeiras (especialmente de regulação de taxas e seguros); uma trata do encaminhamento de uma lei que institua um Fundo de Catástrofe (e que também se relaciona à busca por garantias de não-perda de investimentos); uma trata do apoio à comercialização (reforçando a linha de garantias e estabilidades); e uma diz respeito à intensificação da média agricultura.

Todo esse conjunto de objetivos e medidas vai compondo os discursos do aumento dos níveis de produtividade e das garantias dessa produtividade, em nome de um desenvolvimento (que deve ser sustentável), garantindo a continuidade dos resultados positivos alcançados pelo agronegócio, cujo mérito deve ser creditado essencialmente ao caráter empreendedor do

produtor brasileiro. Aqui, ainda compõe o texto de Introdução do Plano o signo

empreendedor, que é também um signo constituinte de uma hegemonia discursiva do período globalizado contemporâneo, como parte do new speech funcional aos consensos neoliberais.

No segundo item do Plano, intitulado A agropecuária brasileira como prioridade, são anunciadas medidas para garantir que o agronegócio brasileiro permaneça competitivo dentro

e fora do País. Nos primeiros PAPs que fui estudando, a competitividade ia constituindo os textos dos documentos como algo a ser buscado e alcançado; alguns desses Planos chegaram a fazer um resgate de acontecimentos que levaram as atividades agrícolas e pecuárias a situações de crise em alguns períodos, o que justificava a necessidade de uma série de medidas que fossem capazes de garantir uma retomada dos níveis de produtividade e até da busca por produções recordes para alcançar a competitividade (que servia como alvo em muitos desses momentos). Esse Plano de 2007-2008 expressa um bom cenário para o agronegócio brasileiro; o que nele se vê agora é a necessidade da manutenção e do fortalecimento desse bom momento para a permanência da competitividade dentro e fora do Brasil (aqui, a competitividade é alvo e âncora, posto que se busca a sua permanência ao mesmo tempo em que ela justifica e assegura que as medidas anunciadas sejam tomadas). O discurso da competitividade vai, então, se hegemonizando cada vez mais na esfera agrícola

brasileira e lutando para se consolidar como algo benéfico a toda a sociedade.

Como estamos construindo compreensões acerca do signo competitividade e daquilo que é do caráter formador dos discursos hegemônicos da competitividade, é importante compreendermos questões ideológicas que interpenetram esses discursos. Isso visto que “O significado de um signo é o seu significado ideológico” (PONZIO, 2013, p.166). É importante compreendermos ainda que a constituição de um discurso como hegemônico é uma construção processual, que faz parte de uma sistematização avaliativa e que expressa valores e interesses de classe refletidos e refratados pelos signos. Nas palavras de Ponzio, “Cada signo é sempre expressão de certa sistematização teórica e avaliativa, de certa elaboração conceitual, de certa visão de mundo, formada na práxis social” (PONZIO, 2013, p.166). O signo

competitividade, que ora é alvo, ora é âncora de um conjunto de políticas e ações, expressa uma valoração, uma visão de mundo, uma tomada de posição, no caso das hegemonias discursivas, de que é preciso primeiramente ser competitivo, depois é preciso permanecer competitivo, de modo que a organização social de uma esfera de atividade busque e mantenha infraestruturas, preços, taxas, condições, enfim, um conjunto de ações que garantam o atendimento a padrões globais de organização para atingir níveis globais de produtividade, segundo escalas valorativas expressas por discursos hegemônicos também globais.