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3.2 Discursos que sustentam a agricultura globalizada: diálogos entre Planos e Relatórios

3.2.10 Plano Agrícola e Pecuário 2009/2010

Com uma chuva de grãos sobre uma paisagem no campo, o Plano Agrícola e Pecuário 2009/2010 apresenta na capa outras seis imagens: crianças se alimentando, sacas de grãos no Porto (remetendo à exportação), soja, gado, panelas com arroz e feijão, trabalhadores no campo. E, sobre tudo isso, os dizeres: É isso o que a Agricultura faz pelo Brasil (Figura 30).

Figura 30 – Capa do Plano Agrícola e Pecuário 2009/2010 – MAPA

Fonte: Plano Agrícola e Pecuário 2009/2010

(MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO, 2009).

Os signos imagéticos e os signos verbais constituem os sentidos de que as atividades agrícolas e pecuárias pelas quais é responsável o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento alimentam o povo brasileiro (as imagens de crianças se alimentando e das panelas com comida mostram isso), geram emprego e renda (os trabalhadores no campo remetem a esse sentido) e ainda são capazes de produzir em quantidades para exportação, o que fortalece o papel do Brasil no cenário econômico mundial (na capa do Plano, as imagens dos grãos e das sacas no Porto permitem a construção dessa compreensão). Além disso, o texto escrito na Introdução do documento também reforça o que o setor faz pelo país: contribui para atenuar

os efeitos da crise financeira internacional, em função de sua performance ascendente (vale reforçar que o segundo semestre do ano de 2008, ano anterior à publicação deste Plano, foi o período em que uma forte crise financeira atingiu a economia mundial).

O fato de o texto do documento ressaltar que o setor contribuiu para atenuar os efeitos dessa crise justifica o aumento de 37% em relação ao orçamento do ano-safra anterior: R$107,5 bilhões no total para o setor, sendo que R$92 bilhões apoiam a agricultura comercial e R$15

bilhões destinam-se à agricultura familiar. Além da diferença dos valores destinados a cada frente do setor agrícola brasileiro, novamente, o signo agronegócio não foi empregado na destinação dos recursos financeiros. Neste Plano, o signo agronegócio deu lugar à agricultura

comercial, o que, no documento anterior, havia sido designado por agricultura empresarial. Mais uma vez, evitou-se a contraposição agronegócio x agricultura familiar, o que faz parte do mesmo processo de enfraquecimento das diferenças e das lutas entre essas duas frentes da esfera de atividade agrícola brasileira. Ao signo agricultura comercial alia-se a expressão

médio produtor rural, cujo incentivo está entre as principais metas da safra 2009/2010. E ao médio produtor rural alia-se a agricultura sustentável e o cooperativismo.

Ainda no texto da Introdução, o signo agronegócio é mais uma vez suprimido na sigla Produsa, que no documento é explicado como um programa que estimula a recuperação de

áreas degradadas (incluindo pastagens) e ações voltadas à implementação da agropecuária sustentável e que vai continuar beneficiando produtores rurais. Contudo, no corpo do documento, no trecho que trata do Programa, a sigla Produsa explica a que se destina: trata-se de um programa de incentivo à Produção Sustentável do Agronegócio. Nesse trecho, então, é possível compreender que os valores destinados a esse programa não são destinados às atividades agrícolas em geral, mas especificamente ao agronegócio, palavra esta que foi evitada no texto introdutório do documento do Ministério. O movimento de evitar o uso do signo agronegócio constitui um processo de uso de outras expressões mais genéricas para designar a produção agrícola e pecuária em larga escala com foco na exportação de

commodities. Tanto, que ao longo de todo o documento, composto por 56 páginas, a palavra

agronegócio aparece somente três vezes – uma vez na Missão do Ministério80, estampada na

capa do Plano, e duas vezes no trecho que trata do Produsa81. No texto da Introdução, no entanto, esse signo não aparece.

Em relação aos recursos destinados ao crédito, que no Plano de 2008/2009 aparecia como

Crédito para Agricultura Empresarial e no Plano 2007/2008 como Crédito Rural para a

Agropecuária, no Plano 2009/2010 aparece somente como Crédito Rural. Nenhum dos sumários aponta o crédito ligado ao signo agronegócio. Neste último Plano, com foco no

80 Promover o desenvolvimento sustentável e a competitividade do agronegócio em benefício da sociedade

brasileira.

81

Incentivo à Produção Sustentável do Agronegócio: O Programa de Incentivo à Produção Sustentável do Agronegócio (Produsa) visa estimular a recuperação de áreas destinadas à produção agropecuária mas que, embora ainda sejam produtivas, oferecem desempenho abaixo da média devido à deterioração física ou de fertilidade do solo (p.18).

apoio ao médio agricultor, ao cooperativismo e ao desenvolvimento sustentável, são destinados recursos públicos a 8 programas: MODERINFRA 82 , MODERAGRO83 , PROPFLORA84, PRODUSA85, PRODECCOP86, MODERFROTA87, PROGER-RURAL88, PROCAP-AGRO89.

Irrigação, armazenagem, modernização, capitalização, desenvolvimento, plantio comercial,

produção sustentável, competitividade do agronegócio, incentivo, geração de emprego e

renda, agregação de valor são todos termos em torno dos quais se constrói uma univocidade, uma generalidade, uma prosaicidade. Esses termos estão no PAP 2009/2010 fazendo com que a cadeia de sentidos globais do capitalismo vá se fortalecendo também na esfera agrícola brasileira e fazendo circular sentidos de forma que se construam consensos em relação ao modo de se organizar a agricultura e a pecuária no Brasil.

A cadeia de consensos se constitui de termos que “têm livre circulação nos canais de comunicação global e estão na base da obtenção do consenso funcional à reprodução do idêntico” (PONZIO, 2010, p 138-139). A reprodução do sentido de que o setor agrícola brasileiro que produz em larga escala contribui para atenuar os efeitos da crise financeira mundial – que tão gravemente atingiu outros países – é um dos argumentos que se sustenta como justo e lógico e quase óbvio que se direcionem bilhões de reais dos cofres públicos para incentivar, capitalizar, modernizar, desenvolver esse setor, tudo isso objetivando sua competitividade em benefício da sociedade brasileira. A criação desses programas, por exemplo, entre outras ações, todos anunciados pelo PAP, é um dos elos entre essa cadeia de consenso funcionais à reprodução de um modo de organização das atividades agrícolas e pecuárias atendendo aos ditames do capitalismo neoliberal, reproduzindo, também, valores globais. E toda essa dinâmica vem se reproduzindo nos Planos Agrícolas, importantes instrumentos de circulação das ideologias da competitividade na agricultura globalizada.

82 Programa de Incentivo à Irrigação e à Armazenagem.

83 Programa de Modernização da Agricultura e Conservação de Recursos Naturais. 84 Programa de Plantio Comercial e Recuperação de Florestas.

85 Incentivo à Produção Sustentável do Agronegócio.

86 Programa de Desenvolvimento Cooperativo para Agregação de Valor à Produção Agropecuária. 87Programa de Modernização da Frota de Tratores Agrícolas e Implementos Associados e Colheitadeiras. 88 Programa de Geração de Emprego e Renda.