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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE CASOS

5 IMPLANTAÇÃO DA BARRAGEM DE CORUMBÁ IV, EM GOIÁS

5.4 AIA: PERDAS E GANHOS

Importa aqui, com base em todo esse processo, destacar as principais questões referentes àquilo que a AIA representou, com relação ao processo decisório do empreendimento. A base para essa análise são o EIA/RIMA do empreendimento, os termos do TAC celebrado com o MPF e os condicionantes da LI, RLI e LO, exaradas pelo IBAMA. O EIA/RIMA

Observa-se que as medidas mitigadoras recomendadas no EIA/RIMA foram, em muitos casos, reunidas na forma de programas de ações90. Não estão claros, porém, os

critérios utilizados para estabelecer a necessidade de formulação de programas (abrangendo conjuntos mais amplos de medidas, a serem implementados ao longo do tempo, demandando um trabalho sistemático de acompanhamento pelo empreendedor e pelo órgão ambiental fiscalizador).

O quadro resumo das medidas mitigadoras91 relaciona todas as medidas preventivas,

mitigadoras e compensatórias, tanto na forma de ações isoladas como de programas de ações. Itens como indenizações e compensação à infra-estrutura atingida não foram relacionados entre aqueles que demandam a formulação de programas, embora o texto do relatório recomende, respectivamente, um Programa de desapropriação e aquisição de terras e um Programa de relocação da infra-estrutura implantada na área do reservatório.

Por outro lado, no caso do reassentamento de famílias da área a ser inundada — um dos temas socialmente mais delicados e controversos, em se tratando da construção de barragens —, não foi recomendada a formulação de um programa, mas apenas assinalado que

Serão afetadas pelo enchimento do reservatório cerca de 120 famílias. Para que o prejuízo a essas pessoas seja minimizado o empreendedor deve compensá-las de maneira justa e em tempo hábil. Essa negociação deve analisar caso a caso para melhor atender interesses individuais. É uma medida para ser adotada na fase de construção do empreendimento (CTE, 1999a, vol. III, pág, 469/470).

90 O capítulo 5 do EIA intitula-se “Planos e Programas de Manejo Ambiental”, apresentando conjuntamente as “Medidas Mitigadoras” e os “Planos de Manejo e Monitoramento”. Cabe lembrar que a estrutura do EIA é de responsabilidade do órgão ambiental licenciador.

O tema seria objeto de controvérsias entre o IBAMA, ao assumir a condução do processo de licenciamento ambiental do Projeto, e o Consórcio Corumbá Concessões.

Outra questão importante com relação à construção de barragens e formação de grandes reservatórios é a que diz respeito ao risco de rápida eutrofização das águas do lago a ser formado. O processo pode prejudicar seriamente a ictiofauna da região e, no caso de previsão de utilização do reservatório para abastecimento, tornar seu aproveitamento técnica ou economicamente inviável. O EIA de Corumbá IV conferiu importância ao tema e alertou que

A possibilidade de eutrofização do futuro lago torna-se elevada em virtude do lançamento de resíduos domésticos e industriais das regiões do Distrito Federal e seu entorno, e da de Anápolis, nos cursos d’água da área de influência, somada ao grande volume de fitomassa que será submerso, caso não ocorra a remoção desse material da área diretamente afetada (CTE, 1999-A, vol. III, pág, 397).

O relatório trata desses dois aspectos fundamentais, que devem ser avaliados e controlados para evitar a eutrofização do lago. Com relação ao primeiro (despejo e esgotos sanitários) assinala que:

Além de atender a padrões de qualidade da água do futuro lago, as soluções de esgotamento sanitário e de drenagem de águas pluviais têm que ser concebidas levando-se em conta razões de saúde pública (poluição patogênica) e a capacidade de autodepuração do corpo receptor (sobretudo, quanto à poluição orgânica). É razoável concluir que, atendendo a esses critérios, as soluções concebidas para a bacia estariam implicitamente atendendo também aos critérios de poluição organoléptica e bacteriológica máxima “permissível” para o futuro lago (CTE, 1999a, vol. III, pág. 403/404).

De fato, a implantação da Estações de Tratamento de Esgotos de Taguatinga e Ceilândia e do Gama, no Distrito Federal, com padrão técnico de tratamento bastante elevado, foi uma ação do Governo do Distrito Federal que veio ao encontro desse alerta, beneficiando uma vasta população nas duas unidades da Federação.

Por outro lado, com relação ao segundo aspecto (necessidade de remoção da fitomassa a ser submersa), assinala-se no EIA que:

A biomassa vegetal presente na área do futuro lago é de pouca significância, em termos quantitativos, particularmente aquela de rápida decomposição (indivíduos finos, rasteiros, gramíneas, folhas, galhos e serapilheora). Assim, o eventual afogamento da vegetação, que em outras circunstânias poderia constituir-se um sério problema, exigindo total ou parcial desmatamento e limpeza da bacia hidráulica, não é, para o caso em foco, motivo de grande preocupação com relação à eutrofização (CTE, 1999a, vol. III, pág. 404).

Embora a FEMAGO não tenha questionado tecnicamente esse argumento, o assunto seria igualmente motivo de controvérsia entre o IBAMA e o empreendedor; desde a assunção do licenciamento pelo órgão federal até o enchimento do reservatório — autorizado pela Justiça sem que as exigências com relação ao desmatamento tivessem sido atendidas, contrariando assim a opinião dos técnicos da área de licenciamento92.

O PBA/PCA

De todo modo, o Plano de Controle Ambiental do empreendimento, reunindo diversos programas socioambientais em um Projeto Básico Ambiental (PBA/PCA), foi apresentado à AGMA ao longo de 2001. Sua análise técnica e aprovação por aquele órgão de meio ambiente ensejou a concessão da licença de instalação (LI) em duas etapas, conforme já referido.

Ressalta-se que o empreendedor, ao solicitar uma licença apenas para a instalação do canteiro (representando um determinado percentual do investimento total, podendo assim apresentar um custo relativamente elevado no caso das grandes obras), assume o risco de incorrer em gastos que podem não se justificar. Isso porque, teoricamente, o projeto pode cair em exigência, postergando e/ou inviabilizando a execução das obras — o que implica, no mínimo, aumento dos custos, pelos gastos extraordinários com manutenção e segurança.

Por outro lado, trata-se de uma prática relativamente comum com relação às grandes obras. Cabe lembrar que a instalação de um canteiro de obras de grande porte tem sempre um forte impacto nas economias locais, pela expectativa que se cria de geração de empregos diretos, dinamização do comércio local, etc. Assim sendo, traduz-se em ganhos de imagem para políticos — desde os tempos em que os Coronéis intermediavam a vinda de benfeitorias ou, ao menos, o lançamento da pedra fundamental dessa ou daquela obra, ainda que a mesma jamais se realizasse. É fato, também, que empreendedores e defensores de grandes obras beneficiam-se de toda e qualquer intervenção formalmente autorizada, ainda que de alcance limitado, pela mobilização social que elas propiciam favor das obras, gerando inclusive certa pressão social em prol dos empreendimentos.

92 A eutrofização das grandes massas de água é um fenômeno natural que, ao longo dos séculos, pode levar à “morte” de lagos e lagoas. Porém, com as atividades antrópicas presentes em suas bacias hidrográficas, mormente quando há um acentuado afluxo de matéria orgânica para os reservatórios naturais ou artificialmente formados, os processos de deterioração da qualidade da água se aceleram. Ao ponto de, em algumas décadas, ou menos, já se fazerem sentir seus efeitos (excesso de algas em suspensão, mau cheiro das águas, mortandade de peixes, etc.). No caso de Corumbá IV, o tempo dirá com quem estava a razão. Importa, por essa razão, assegurar um monitoramento eficaz da qualidade das águas, com vistas à proposição e adoção de medidas corretivas eventualmente aplicáveis.

De todo modo, cumpre destacar que o PBA/PCA contemplou um conjunto de 25 programas, agrupados em 5 caterorias93, referentes ao (à):

• canteiro de obras,

• fase de construção da barragem e usina hidrelétrica,

• fase de enchimento do reservatório,

• fase de operação do reservatório e usina hidrelétrica, e

• programas e planos estratégicos para o empreendimento.

Com relação ao canteiro de obras, o quadro síntese das medidas mitigadoras do EIA/RIMA, acima referido, fazia referência apenas à “Destinação adequada aos resíduos sólidos e tratamento dos efluentes sanitários e de oficinas e lavadores”, como uma ação específica. Essa e outras medidas, no entanto, foram reunidas na forma de um programa, para o controle do acampamento e instalações. Também as medidas relacionadas à saúde e à segurança dos trabalhadores, referidas no quadro de impactos do EIA/RIMA, foram agrupadas em um programa específico. Os programas de educação ambiental e de controle da raiva dos herbívoros já eram explicitados como tais naqueles estudos. A formulação de um programa específico para a remoção da cobertura vegetal da área do canteiro não foi recomendada nos estudos ambientais, constituindo, assim, exigência a mais pelo órgão estadual de meio ambiente de Goiás.

Com relação aos programas das fases de construção, de enchimento do reservatório e de operação, além dos programas estratégicos, nota-se primeiramente a já mencionada ausência de um programa de reassentamento (que seria exigido pelo IBAMA ao assumir o licenciamento).

Além disso, não consta do PBA/PCA programa de manejo da fauna (relacionado no quadro síntese de medidas do EIA/RIMA). Poder-se-ia supor que esse programa estivesse abrangido no outro programa relativo à fauna, o de resgate e aproveitamento científico da fauna e da flora. Porém, de acordo com o EIA, o manejo da fauna não consta como objetivo daquele. Além disso, o texto do relatório prevê um Programa de divulgação de ações para o monitoramento de carnívoros de médio e grande porte, na fase de enchimento do reservatório, e um Programa de monitoramento da fauna, na fase de operação do empreendimento. Esses dois programas seriam possivelmente agrupados em um Programa de manejo da fauna, como registrado no quadro síntese do EIA/RIMA.