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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE CASOS

5 IMPLANTAÇÃO DA BARRAGEM DE CORUMBÁ IV, EM GOIÁS

5.3 PLANEJAMENTO E PROJETO X AIA

Tendo visto como as etapas iniciais do processo decisório levaram à decisão de empreender Corumbá IV e como se deu o processo de licenciamento ambiental do empreendimento, cabe uma reflexão sobre o modo como a AIA se soma ao planejamento e projeto para sua implementação. De acordo com o modelo empírico proposto (parte I, capítulo 4, fig. 4), que refletiria o estado da arte da AIA dos grandes empreendimentos de infra-estrutura no Brasil, Corumbá IV guarda similitude com dois casos extremos: caso n.º 1, que reflete um processo de AIA bem conduzido, sobrepondo-se de modo coerente e consistente ao planejamento, projeto e implantação de um grande empreendimento; e caso n.º 4, que refletiria as maiores distorções que podem ocorrer nesse processo, com manipulações da AIA que denotam, antes da preocupação com as questões socioambientais, conflitos de interesses nem sempre declarados, sobretudo de natureza econômica e política.

Essa aparente contradição é explicada pela interpretação que se dê à legislação ambiental, considerando o licenciamento como de competência do OEMA/GO ou do IBAMA. Embora a primeira hipótese não se sustente, à luz das resoluções do CONAMA que tratam dessa questão (como discutido acima, em 5.1), constituiu a escolha inicial dos empreendedores interessados, em articulação com a ANEEL. Com a concessão da LP para o empreendimento pela AGMA, em 28 de dezembro de 1999, esse órgão estadual de meio ambiente exerceu sua “competência” para monitorar, supervisionar e licenciar o empreendimento até setembro de 2003, quando a liminar concedida pela Justiça, a pedido do Ministério Público Federal, em articulação com o Ministério Público do Estado de Goiás, determinou a paralisação das obras.

Nessa ocasião, as obras da barragem e UHE, que contavam com LI expedida pela AGMA, apresentavam um avanço físico da ordem de 80%. A figura 6, na seqüência, ilustra como, do ponto de vista das etapas do planejamento, projeto e execução das obras, até sua paralisação, o processo de Avaliação de Impactos Ambientais desenvolvia-se consoante com a legislação ambiental aplicável.

Figura 6 – Corumbá IV: Planejamento x AIA Monitor. Ambiental Operação Inventário Hidrelétrico do Alto Corumbá Estudos de Viabilidade EIA/RIMA Projeto Básico Projeto Básico Ambiental

Projeto Executivo / Obras LP LO Corumbá IV: hipótese do OEMA/GO competente ( caso 1) Corumbá IV: reconhecida a competência do IBAMA ( caso 4)

1988 nov/99 nov/00 nov/01 fev/2006

Corumbá Concessões S/A dez/02 set/03abr/04 Ação Civil Pública (MPF e MP/GO) Liminar paralisa as obras T .A .C . LI Reavaliação dos Estudos Ambientais

Essa situação, em princípio, favoreceria a adoção de medidas apropriadas para prevenção, mitigação e/ou compensação dos impactos socioambientais (comparação do caso 1, do modelo proposto, com aquilo que prevaleceu com relação a Corumbá IV até a paralisação das obras, em setembro de 2003).

Entretanto, ao acatar o liminarmente o requerimento do Ministério Público e determinar que o licenciamento e acompanhamento das ações ambientais referentes a Corumbá IV fossem assumidos pelo IBAMA, a Justiça, ainda que tardiamente, fez valer um princípio fundamental do arcabouço legal sobre meio ambiente no Brasil. Aquele que, no que concerne ao planejamento, projeto, implantação e operação de grandes obras de infra-estrutura, assegura a prerrogativa do Estado licenciador de valer-se de uma série de instrumentos (exigência de estudos ambientais e da apresentação de programas de ações, emissão de licenças ambientais condicionadas, monitoramento e fiscalização da adoção de medidas preconizadas e programas propostos) para assegurar uma criteriosa avaliação e o adequado tratamento dos impactos socioambientais diretos e indiretos, de âmbito local e regional.

Nesse caso, já durante a fase de implantação, com as obras entrando em sua fase final, ficou evidenciada a fragilidade do processo de avaliação e licenciamento ambiental até então conduzido pelo OEMA/GO. A negociação entre as partes envolveu o IBAMA, a AGMA, o Ministério Público (Federal e do Estado de Goiás) e o Consórcio Corumbá Concessões S/A. Foram reavaliados os estudos, medidas e programas ambientais propostos, resultando na celebração, em abril de 2004 (mais de seis meses depois da paralisação das obras), de um TAC - Termo de Ajuste de Conduta.

O empreendimento, afinal, estava sendo implantado sem o devido licenciamento ambiental pelo órgão competente, o IBAMA, dado o alcance de seus benefícios e o eminente caráter regional dos impactos sobre o meio ambiente, exigindo ações coordenadas do empreendedor e de concessionárias de serviços públicos em Goiás e no Distrito Federal, a serem fiscalizadas pelo órgão ambiental licenciador88. Mais que isso, o IBAMA identificou,

na condução do processo pelo AGMA, a necessidade de uma série de revisões e ajustes — o que retardou e dificultou as negociações para a celebração do TAC e a concessão da LI pelo órgão federal licenciador.

88 Destaca-se a necessidade de implementação de tratamento dos esgotos para uma população de mais de 1 milhão de habitantes, no Distrito Federal, cujo projeto e cronograma deveriam ser objeto de rigoroso controle pelo órgão ambiental licenciador, condicionando o licenciamento de instalação, face aos riscos de eutrofização da água do reservatório a ser formado. Faltava competência ao OEAMA/GO para atuar, nesse sentido, junto à CAESB.

Segundo o Diretor Técnico do Consórcio Corumbá Concessões, Antônio Bartolomeu Montoril89, a intervenção do Ministério Público, a paralisação das obras pela Justiça e as

negociações que se seguiram, até o equacionamento de todas as exigências do Estado licenciador, para a entrada em operação da UHE Corumbá IV, representaram um atraso de quase 1 ano. O aumento dos custos decorrente, sobretudo em função da valorização das terras em processo de desapropriação, teria sido da ordem de R$ 100 milhões.

Na mesma figura 6 pode ser observado, pela comparação do caso 4 do modelo proposto com a situação do empreendimento em tela, a partir de dezembro de 2002 (ocasião em que o Ministério Público impetrou a Ação Civil Pública pedindo a paralisação das obras e providências quanto aos equívocos do licenciamento ambiental junto à AGMA), como o caso de Corumbá IV recai, nessa condição, na hipótese mais desfavorável formulada, com relação à condução do processo de AIA.

Ademais, durante a fase de implantação, apesar da concessão pelo IBAMA da LI e, posteriormente, da LO, houve um distanciamento não superado entre os interesses econômicos do empreendedor público — privado e o interesse público, com relação aos aspectos socioambientais. Diante de um posicionamento não conclusivo dos técnicos do IBAMA, a Diretoria do Instituto decidiu pela emissão da LO, incorporando à mesma, como condicionantes específicos, todas as exigências não atendidas com relação à LI — as quais, por sua vez, tinham sua origem no TAC, refletindo a falta de providências que deveriam ter sido adotadas na fase preliminar de planejamento e projeto do empreendimento, quando o licenciamento era indevidamente conduzido pelo OEMA/GO.

Em decorrência do exposto, a operação de Corumbá IV, a partir de fevereiro de 2006, devidamente autorizada pelo IBAMA, está condicionada a um extenso rol de exigências, muitas das quais típicas da fase de elaboração do EIA/RIMA, para licenciamento prévio do empreendimento. A prevalecerem os termos da licença exarada (LO n.º 514, de 22/12/2005), é grande o risco de perda da validade do instrumento (com conseqüências inauditas), pela não apresentação, nos prazos estabelecidos, da definição de medidas preventivas, mitigadoras e/ou compensatórias de impactos ambientais e da formulação e/ou revisão de programas de proteção ao meio ambiente e às comunidades afetadas.

Configura-se, assim, um caso inédito em termos de LO condicionada, que exige do IBAMA uma postura incomum em termos de fiscalização durante a fase de operação.

89 Entrevista concedida ao autor do presente trabalho de tese, na sede do Consórcio Corumbá Concessões S/A, em 22/05/2006.

Incomum e carente de procedimentos objetivos, que possam conferir-lhe a transparência que se faz necessária a um efetivo controle social da atuação do Estado em defesa do meio ambiente e da sustentabilidade do empreendimento.