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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE CASOS

5 IMPLANTAÇÃO DA BARRAGEM DE CORUMBÁ IV, EM GOIÁS

5.2 PROCESSO DECISÓRIO, AIA E LICENCIAMENTO AMBIENTAL 1 Corumbá IV: manancial para o abastecimento futuro de água do DF?

5.2.4 A intervenção do Ministério Público

O equívoco do licenciamento ambiental prévio do empreendimento junto ao órgão estadual de meio ambiente de Goiás serviria de base para a intervenção do Ministério Público. Defendendo exigências relativas à identificação e tratamento dos impactos socioambientais, o Ministério Público Federal (MPF), em articulação com o Ministério Público de Goiás, iria requerer e obter, na Justiça, o cancelamento das licenças concedidas pela FEMAGO/AGMA e a assunção do empreendimento pelo IBAMA. A intervenção do MPF representaria, destarte, um grande risco para o empreendedor, com relação ao cronograma de obras e ao prazo previsto para início de operação. Risco de prejuízos financeiros, pela elevação dos custos da obra, no caso de solução de continuidade; e econômicos, pelo não cumprimento do prazo contratualmente previsto para o início da geração comercial de energia em Corumbá IV.

Entretanto, mais seis meses se passaram, desde o início das obras, até que a Procuradoria da República do Distrito Federal, em março de 2002, instaurasse um inquérito civil público, motivado por notícias de danos socioambientais e ao patrimônio público, causados pelo empreendimento (DÉROULÈDE, 2005). A primeira providência do Ministério Público foi solicitar informações ao IBAMA. Assim, finalmente acionado, o IBAMA reagiu, realizando vistorias e exarando informação técnica a respeito. O órgão federal de meio ambiente atestou, como seria de se esperar, o caráter regional dos benefícios e impactos do empreendimento, tendo também apontado falhas consideradas graves na gestão ambiental das

82 Projeto Básico Ambiental, que consiste no Plano de Controle Ambiental para a implantação e operação da barragem e usina hidrelétrica.

obras, sem que houvesse providências por parte da AGMA (que assumira, indevidamente, o licenciamento das obras).

Em vista disso, o IBAMA solicitou à AGMA que remetesse àquele órgão o processo administrativo referente ao licenciamento da UHE, determinando ainda a imediata paralisação das obras, inclusive sob pena de enquadramento dos responsáveis por crime contra o meio ambiente. No entanto, as determinações do IBAMA não foram atendidas. De acordo com reportagem do Correio Braziliense, do dia 6 (seis) de setembro de 2002,

O diretor-presidente da Corumbá, Edmir Madeira, avisa que a obra só vai parar se houver determinação judicial. “Temos um calendário de obras que inclui o desvio do rio neste mês e que só será interrompido por decisão da Justiça” (in DÉROULÈDE, 2005).

Essa informação é corroborada pelas palavras do Diretor da Corumbá Concessões, Antônio B. Montoril83, ao afirmar que a obra “só não parou porque fomos teimosos”.

A essa altura, faltou ao IBAMA e ao Ministério Público o assessoramento de uma equipe técnica abalizada, que pudesse avaliar o conteúdo do EIA/RIMA do empreendimento, que servira de base para o licenciamento ambiental pela AGMA. Faltou o alerta de que, com o desvio do rio, o cronograma de obras tornar-se-ia (como de fato se tornou), praticamente irreversível. Faltou à Justiça informação e agilidade para determinar, face aos questionamentos levantados no inquérito instaurado pelo MP, e com base no princípio da precaução, que não se realizasse o desvio do rio de seu curso natural, até que o mérito das questões fosse julgado. Na prática, isso equivaleria a uma postergação sine die (que poderia, quiçá, ter ensejado uma mudança de postura do empreendedor, com relação à AIA).

Em setembro de 2002, porém, quando o Presidente do Consórcio anunciou o desvio do rio, a Justiça não havia sequer sido acionada pelos procuradores que estudavam o caso. Seguindo o trâmite natural inerente aos processos públicos, ainda que de reconhecida urgência, somente em 8 de dezembro de 2002 foi ajuizada pelo MPF a Ação Civil Pública n.º 2002.35.00.011863-2. Nela, requeria-se liminarmente a paralisação das obras, a cassação das licenças concedidas pela AGMA, e o encaminhamento do processo de licenciamento ambiental do empreendimento ao IBAMA, para que fosse revisto o processo de avaliação de impactos ambientais até então conduzido e sanadas as falhas apontadas (condicionando assim a continuidade da implantação da barragem)

Entretanto, a primeira fase do desvio do rio Corumbá já havia sido ultimada, em 30 de setembro de 2002. Desviado o rio, permitindo o avanço das obras do maciço e a concretagem da Casa de Força, não haveria como postergar, sem prazo certo e limitado, a construção da barragem e usina; não sem comprometer, de modo insensato, a segurança das estruturas de desvio, colocando em risco os investimentos e obras já realizados. O empreendedor bem o sabia, como ficou evidente nas referidas declarações do presidente da Corumbá Concessões; os procuradores, não.

Colocando a defesa dos interesses coletivos da preservação ambiental em situação ainda mais desfavorável, somente em outubro de 2003 foi concedida liminar determinando a paralisação das obras. A Procuradora Federal Ana Paula Mantovani, que assumira a condução da ACP, reconhece que faltou agilidade ao processo, uma vez que, nessa ocasião, a execução física global da obras era avaliada em cerca de 80%84.

Seguiu-se então uma difícil negociação entre as partes, com vistas à assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Em janeiro de 2004 a Justiça manifestou expressamente que só poderiam ser mantidos pelo empreendedor os serviços relativos à manutenção e segurança das obras e instalações. Em março de 2004, diante da demora em se chegar a um consenso, uma audiência na Justiça de cerca de seis horas de duração resultou na prorrogação da LI por 48 horas, numa espécie de ultimato para as negociações do TAC — finalmente assinado em 15 de abril de 2004.

O TAC é um instrumento que tem sido bastante utilizado pelo Ministério Público, mormente na área ambiental. Instituído pela Lei n.º 7.347/85, visa a proteger interesse difuso ou coletivo, podendo ser proposto pelos procuradores aos administradores públicos que tenham desrespeitado preceitos legais e constitucionais, possibilitando a readequação de ações governamentais. Evita-se, assim, um processo judiciário demorado e, por conta disso, muitas vezes inadequado.

Assim sendo, as deficiências do EIA/RIMA e, por conseguinte, as exigências consideradas falhas na fase de licenciamento prévio, bem como aquelas que não haviam sido cumpridas para a obtenção da licença de instalação (considerando o processo de AIA e licenciamento ambiental até então conduzido pela FEMAGO/AGMA), foram incorporadas ao TAC.

84 Conforme declarou em entrevista ao autor deste trabalho de tese, em 18/5/2006, na sede da Procuradoria Geral da República no Distrito Federal.