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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE CASOS

5 IMPLANTAÇÃO DA BARRAGEM DE CORUMBÁ IV, EM GOIÁS

5.2 PROCESSO DECISÓRIO, AIA E LICENCIAMENTO AMBIENTAL 1 Corumbá IV: manancial para o abastecimento futuro de água do DF?

5.2.2 Aspectos da construção de grandes barragens

Apesar da polêmica que se estabeleceu em torno da utilização da água a ser represada em Corumbá IV para o abastecimento futuro de Brasília, o consórcio Corumbá Concessões assinou com a ANEEL, em 8/12/2000, o contrato n.º 93/2000. Assumiu, assim, o papel de empreendedor (em substituição ao Consórcio VIA — RCV), ocupando-se da consecução dos estudos e projetos — elaboração do projeto básico de Engenharia e do projeto básico ambiental (PBA), contemplando programas socioambientais previstos no EIA/RIMA e na LP concedida pelo OEMA/GO — e do licenciamento ambiental para a instalação do empreendimento.

Foi assim que, em janeiro de 2001, o consórcio obteve junto à AGMA licença para a instalação do canteiro central de obras da barragem e usina hidrelétrica. Em abril de 2001 o Projeto Básico de Engenharia seria formalmente aprovado pela ANEEL. A licença de instalação propriamente dita foi exarada pela AGMA em novembro daquele ano (LI n.º 483, de 9 de novembro de 2001. O segundo semestre de 2001 foi marcado pelo início das obras.

De um modo geral, a construção de barragens requer, inicialmente, a locação e limpeza do eixo, para tratamento das fundações. O trabalho nas ombreiras pode ser iniciado desde cedo. O avanço das obras, porém, depende fundamentalmente do desvio do rio de sua calha principal, visando à construção do trecho central do barramento. A segurança das barragens de médio a grande porte exige que o projeto do maciço e vertedouro associado seja feito de modo a assegurar a passagem de uma cheia excepcional — adotando-se normalmente, como no caso de Corumbá IV, a cheia decamilenar (estatisticamente projetada como sendo aquela com probabilidade de ocorrência uma vez, a cada 10 mil anos). As obras de desvio, no entanto, por seu caráter provisório, são projetadas para suportarem a passagem de um evento bem mais comum.

Nos casos em que o cronograma de construção da barragem preveja que rio, desviado de seu curso natural, atravesse um ou mais períodos anuais de cheias, adota-se um tempo de recorrência não inferior a 25 anos para as estruturas de desvio (ensecadeiras, túneis). Embora a recorrência adotada tenha impacto direto nos custos das estruturas de desvio, de caráter provisório, diversos fatores podem determinar a adoção de tempos maiores. No caso de Corumbá IV, as estruturas foram projetadas para suportar, com segurança, a passagem de cheias com até 50 anos de recorrência (ver Ficha Técnica, no Anexo 1). Ou seja, cheias com freqüência de 1/50.

No entanto, a hidrologia, como uma ciência da natureza, não é exata. A recorrência das cheias a que se referem os projetistas são apenas projeções estatísticas, com base no conhecimento de séries históricas de chuvas e vazões em uma dada bacia hidrográfica ou região e no emprego de modelos matemáticos. Destarte, muitos são os fatores que comprometem a segurança, como a disponibilidade de dados ou a adequação dos modelos aos casos concretos.

Por melhor controle que se tenha sobre os diversos fatores intervenientes no projeto de uma obra hidráulica, é preciso ter em vista os conceitos probabilísticos envolvidos na determinação dos parâmetros de projeto (vazões e cotas de segurança). A cheia decamilenar projetada para uma determinada bacia pode ocorrer no momento presente, ainda que não se saiba, ao certo, se um fenômeno dessa magnitude tenha ocorrido antes, e quando. Por outro lado, eventos com tempos de recorrência menores têm maiores probabilidades de ocorrem no momento presente. A cheia com 50 anos de recorrência tem uma chance, em cinqüenta, de ocorrer no próximo período de cheias anual de um rio.

Por tudo isso, o princípio da precaução não recomenda, em hipótese alguma, a extensão do prazo de utilização de uma obra de desvio além daquele estritamente estabelecido para esse fim na formulação de um projeto. Ainda assim, há casos como o da barragem de Tucuruí, construída entre 1976 e 1984, cujas ensecadeiras de desvio precisaram ser alteadas às pressas, durante período chuvoso, já lambidas pelas águas do rio Tocantins, que por muito pouco não provocaram um desastre de proporções catastróficas — inclusive com perda de vidas a jusante.

Essa dinâmica, perfeitamente dominada pelos barrageiros80, nem sempre é bem

compreendida pelos diversos atores presentes nos processos decisórios que concernem à construção de grandes barragens. Mas possui um caráter preponderante sobre tudo o mais. Com o desvio de um rio, o prazo pré-estabelecido para o projeto das estruturas provisórias empregadas constitui argumento tecnicamente bem fundamentado para a mobilização de esforços e recursos que, em outras circunstâncias, não teriam sua alocação garantida.

Tais colocações, diante do caso de Corumbá IV, visam a ressaltar a importância, para os empreendedores das grandes barragens, de se chegar, em condições juridicamente válidas, à condição de desvio dos rios. A partir daí, qualquer atraso ou paralisação, seja por motivos financeiros (dificuldades nas liberações de parcelas dos financiamentos obtidos), ambientais (pendências no cumprimento de exigências do órgão ambiental) ou de outra natureza, têm prazo certo para serem superados: o prazo da sensatez. Até mesmo a Justiça, reconhecidamente morosa, tem, na concessão de liminares, instrumento capaz de responder com a agilidade a argumentações envolvendo o desvio de rios.

Compreende-se, assim, o elevado nível de exigência dos organismos financiadores internacionais para a concessão de empréstimos visando à construção de grandes barragens. O interesse econômico é resguardado mediante um sólido conhecimento técnico dos problemas enfrentados. Não é por acaso que os maiores especialistas em barragens do mundo prestam ou já prestaram consultoria para o Banco Mundial, BID e instituições congêneres. As informações de projeto são filtradas por esses agentes econômicos, de modo a reduzir a um mínimo aceitável as incertezas — e os riscos — durante a fase de implantação.

As barragens de grande porte são obras que demandam investimentos vultosos e que, uma vez iniciadas, asseguram, como poucas obras de infra-estrutura, uma expressiva mobilização de esforços para sua consecução, dentro dos prazos de construção determinados em projeto. Não por acaso, LEDEC (1998), em um trabalho técnico elaborado para o Banco Mundial, destaca a importância da seleção do eixo e escolhas iniciais para a construção de barragens com os menores impactos sociais e ambientais possíveis.

Do ponto de vista da prática ambiental no Brasil, porém, o despreparo de alguns agentes do Estado licenciador podem fazer com que as exigências ambientais se tornem reféns das exigências de projeto. No caso de Corumbá IV, o Ministério Público agiu com muita

80 Apelido comum, em Engenharia, dos especialistas em barragens. Não se tratam, porém, daqueles que possuem notória especialidade (os experts); mas sim, dos engenheiros (hidráulicos, geotécnicos, mecânicos, etc.) que atuam no projeto, construção e operação de barragens e usinas hidrelétricas. O termo, assim, é preferido em relação a “especialistas”, por refletir melhor a idéia de que o referido conhecimento é bastante disseminado.

firmeza na defesa do interesse da sociedade. Todavia, apesar de alguns ganhos significativos em termos socioambientais, houve momentos em que decisões da Justiça contemplaram, como esperado, pleitos do empreendedor, respaldados em argumentos técnicos que tornavam inadiável o cumprimento de determinadas etapas, como se discute a seguir.