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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE CASOS

5 IMPLANTAÇÃO DA BARRAGEM DE CORUMBÁ IV, EM GOIÁS

5.1 HISTÓRICO: ETAPAS INICIAIS DO PROCESSO DECISÓRIO 1 Antecedentes

5.1.5 A decisão de empreender Corumbá

À parte do manifesto interesse do GDF no empreendimento, por conta da problemática do abastecimento de água do Distrito Federal, conforme amplamente noticiado desde 1999, a conclusão dos estudos de inventário pela THEMAG, naquele ano, trouxe importantes informações acerca dos empreendimentos, enquanto destinados ao aproveitamento do potencial hidrelétrico do alto rio Corumbá.

Ambas as usinas interligar-se-iam ao sistema produtor que abastece a região do Distrito Federal e entorno. Corumbá III via a subestação de São Sebastião; e Corumbá IV via a

subestação de Santa Maria. Interessada em diminuir a vulnerabilidade do sistema elétrico da região (diminuindo também sua dependência de Furnas Centrais Elétricas), a CEB, Companhia Energética de Brasília, associar-se-ia à iniciativa privada, formando consórcios para a construção das barragens e operação das usinas (como anunciado pelo GDF em abril de 1999).

No caso de Corumbá IV, os Estudos de Viabilidade (THEMAG, 1999a e 1999b) e o EIA/RIMA (CTE, 1999a e 1999b) ensejaram a obtenção da LP junto à AGMA pelo consórcio Via Engenharia e Construtora RV — preenchendo assim os requisitos necessários para a realização, pela ANEEL, do leilão de concessão do aproveitamento hidrelétrico para produção independente de energia. Por outro lado, no caso de Corumbá III, foi formado o Consórcio Corumbá III, que sucedeu o Consórcio Via Engenharia e Construtora RV, assumindo a contratação dos Estudos Ambientais e dos Estudos de Viabilidade do empreendimento.

Merece destaque, na seqüência, a promulgação do Decreto n.º 3.393 do Executivo Federal, de 28 de março de 2000, determinando a inclusão no PND, Plano Nacional de Desestatização74 de 11 aproveitamentos hidrelétricos, para exploração sob regime de

concessão (a cargo da ANEEL). Entre esses, foram relacionados os aproveitamentos de Corumbá III e IV. Com base nesse instumento, a ANEEL incluiria Corumbá IV no leilão realizado em outubro daquele mesmo ano; e Corumbá III em leilão que seria realizado no ano seguinte.

Cabe aqui uma primeira questão quanto ao processo decisório relativo ao empreendimento: como se deu, e quais os critérios para a opção do poder público pela construção de Corumbá IV, antes de Corumbá III? A que atores coube essa decisão? Teria havido um cotejo entre impactos socioambientais previsíveis em cada uma das hipóteses de escalonamento dos investimentos?

Não havendo, no arcabouço legal brasileiro, o instrumento da avaliação ambiental estratégica — aplicável para políticas setoriais, planos e programas —, ou outro instrumento com objetivos similares, não há, formalmente, registros a esse respeito. A decisão de colocar em leilão esse ou aquele empreendimento é uma prerrogativa da ANEEL; uma agência com relativa autonomia; um órgão eminentemente técnico. No entanto, cabe ressaltar que, no processo que levou à implantação de Corumbá IV, a priorização desse aproveitamento, com relação a Corumbá III, constituiu a decisão fundamental da fase preliminar de planejamento e

74 Instituído no Governo Collor de Melo, pela Lei n.º 8.031, de 12 de abril de 1990, revisto e alerado pela Lei n.º 9.491, de 9 de setembro de 1997.

projeto. Deveria, ter sido objeto do processo de avaliação de impactos ambientais — de acordo com o marco conceitual sobre o tema, discutido no capítulo 3 da parte I.

Todavia, a hipótese central deste presente trabalho de tese refere-se à falta de eficácia da AIA, enquanto instrumento de ajuda ao processo decisório relativo aos grandes empreendimentos de infra-estrutura. Com efeito, o fato de a AIA não alcançar uma decisão como essa, escapa aos mecanismos existentes de controle social sobre o processo.

Não obstante, a análise do processo decisório relativo ao empreendimento, desde seus primórdios, evidencia que não se pode deixar de atribuir peso ao interesse publicamente declarado do Governo do Distrito Federal em viabilizar Corumbá IV, como solução para os problemas de expansão do sistema de abastecimento de água da Capital Federal, no limiar do século XXI. Deve ser lembrado que a barragem de Corumbá III, além de situar-se mais distante de Brasília, não contemplava a previsão de destinação de parte da vazão regularizada para abastecimento público. O GDF, a Via Engenharia e a Construtora RV, a CEB, e a Serveng-Civilsan (outra empresa de Brasília, do ramo de Construção Pesada, que associar-se- ia à CEB para participar do leilão da ANEEL, em 2000), necessariamente entabularam negociações, entre si e com a ANEEL, no sentido de viabilizar a pretensão e o arranjo que já se desenhava na mídia em 1999, para a construção de Corumbá IV — bem antes da opção pela priorização desse empreendimento, para fins dos leilões para produção independente de energia que seriam realizados pela ANEEL nos anos seguintes.

Foi assim que, no segundo semestre de 2000, a concessão para a construção e exploração da barragem e usina de Corumbá IV foi leiloada pela ANEEL, sendo outorgada ao Consórcio Corumbá Concessões S.A., por meio de Decreto do Executivo Federal de 14.11.2000. O Consórcio foi formalmente constituído em 6/9/2000 e a CEB, principal representante do Poder Público do Distrito Federal, tem nesse empreendimento uma participação societária de 45% (conforme divulgado em sua homepage). Atualmente, duas outras empresas públicas do DF integram a Corumbá Concessões: a CAESB e a TERRACAP. A principal associada do GDF, pela iniciativa privada, é a Serveng Civilsan S.A. Empresas Associadas de Engenharia. Completa o Consórcio a C&M Engenharia Ltda., uma constutora de pequeno porte sediada em Goiânia. Nota-se a ausência de participação direta ou indireta do Governo do Estado de Goiás no Consórcio vencedor do leilão de Corumbá IV, apesar do protocolo de intenções assinado com o GDF, em abril de 1999, visando à construção da barragem.

Destarte, o leilão resultou na celebração de contrato de concessão de uso de bem público, para a geração de energia elétrica, entre a União e a Corumbá Concessões S.A.: contrato n.º 93/2000 – ANEEL – AHE Corumbá IV. O Consórcio Corumbá Concessões é, assim, um dos primeiros produtores independentes de energia do País, surgidos com o modelo neo-liberal implementado a partir dos anos 1990. O prazo contratual da concessão é de 35 anos, admitindo-se sua prorrogação, com base em critérios técnicos estabelecidos pela ANEEL.

Ao assumir a concessão do aproveitamento, o Consórcio Corumbá Concessões obrigou- se a ressarcir à Via Engenharia S.A. (líder do consórcio com a Construtora RV Ltda., responsável pelos estudos e projetos desenvolvidos como pré-requisito para o leilão da concessão) os custos incorridos com estudos e projetos — inventário (parcialmente), viabilidade e estudos ambientais. Cabe aqui uma observação quanto ao papel do consórcio Via — RCV. Por cerca de dois anos, essas empresas investiram cerca de R$ 3,9 milhões no planejamento e projeto para a construção de Corumbá IV. Foram ainda responsáveis pela opção equivocada de solicitar à FEMAGO (e não ao IBAMA) a LP para o empreendimento. No entanto, observado o que reza o contrato de concessão do aproveitamento hidrelétrico em questão, teriam sido ressarcidas exclusivamente pelos custos incorridos. Não teria havido, destarte, qualquer espécie de remuneração do tempo e recursos empregados.

Deve-se ter em vista que, enquanto o GDF e o Governo do Estado de Goiás firmavam, em 1999, protocolo de intenções para a construção de Corumbá IV (antecipando uma decisão que a ANEEL tomaria um ano depois), um consórcio entre duas empresas privadas empregava recursos próprios na viabilização do empreendimento. Porém, retirar-se-ia do processo por ocasião do leilão, em 2000, sem inferir ganhos. Com isso, não seria alcançado pelas conseqüências de uma decisão equivocada quanto ao licenciamento ambiental do empreendimento, pela qual, em tese, teria sido responsável.

Com relação à opção da ANEEL de priorizar o leilão de Corumbá IV, realizado em 2000, resta dizer que Corumbá III seria leiloada no ano seguinte, sendo vencedor o consórcio Energética Corumbá III. A CEB participa também desse empreendimento, cujo início de implantação é hoje iminente; porém com um percentual menor do capital societário, de apenas 15%. Outros 15% pertencem à CELG, Companhia Energética de Goiás, empresa controlada pelo Governo do Estado de Goiás. Os restantes 70% do capital, bem como o controle acionário do consórcio, pertencem à iniciativa privada. Ao assumir o empreendimento a Energética Corumbá III obrigou-se a ressarcir o consórico Via — RCV

pelos estudos de inventário do alto Corumbá (parcial) e o consórcio Corumbá III, que sucedeu o primeiro, pelos estudos de viabilidade e ambientais realizados.

Tanto no caso de Corumbá IV como no de Corumbá III, a CEB entra ainda como compradora da energia gerada. A assinatura de contratos de venda da energia a ser gerada é, inclusive, condição de viabilidade financeira do empreendimento para os concessionários.

Cabe ressaltar que os contratos de concessão para a exploração de aproveitamento hidrelétrico prevêem o pagamento pelo uso dos bens públicos, a partir do quinto ano da assinatura. Com isso, e com a venda antecipada da energia a ser produzida, os concessionários obrigam-se ao cumprimento dos cronogramas previstos para a conclusão dos estudos e projetos (ainda na fase de planejamento e projeto), construção e início de operação dos aproveitamentos; além da obtenção, em tempo hábil, das licenças ambientais para a construção da barragem e usina hidrelétrica (LI) e sua operação (LO). Atrasos nesses cronogramas representam, portanto, prejuízos econômicos e financeiros para as empresas públicas e privadas participantes dos consórcios para a produção independente de energia.

Que dizer então da hipótese de não concessão de licença ambiental para instalação ou operação? Embora teoricamente possível, não há registro de um empreendimento de grande porte que tenha tido sua viabilidade ambiental irremediavelmente comprometida, após a obtenção da LP.

No caso de Corumbá IV, tendo vencido o leilão da ANEEL e assinado o contrato de concessão (em 8 de dezembro de 2000), o Consórcio Corumbá Concessões S.A. passou a trabalhar para a conclusão do Projeto Básico de Engenharia, dos Programas Ambientais exigidos pela AGMA, a obtenção da LI junto àquele órgão e o início das obras, no mais curto prazo possível. A própria Serveng-Civilsan, sócia da CEB no consórcio, encarregou-se da construção da barragem e usina, iniciada em 2001, com prazo de execução previsto de até 3 anos. Embora outras empresas públicas e privadas participem do consórcio, é patente que a condução do processo e as principais decisões relativas ao empreendimento estavam a cargo dos dois parceiros majoritários.

Segundo Antônio B. Montoril, diretor técnico da Corumbá Concessões, a CEB exerce, de fato, papel preponderante com relação a essa liderança75. Sendo a CEB, hoje, um grupo

empresarial com 92% de seu capital pertencente ao Poder Público do Distrito Federal, trata- se, ainda que sob o manto de uma parceria entre o setor público e a iniciativa privada, de um

75 Diretor Técnico da Corumbá Concessões desde a fase de implantação do empreendimento, tendo concedio entrevista concedida ao autor deste trabalho de tese em 22/05/2006, na sede da Corumbá Concessões S.A.

empreendimento no qual prevalece o interesse público; sendo dependente, na prática, da vontade política dos mandatários do GDF.

5.2 PROCESSO DECISÓRIO, AIA E LICENCIAMENTO AMBIENTAL