• Nenhum resultado encontrado

3 REFERÊNCIAS CONCEITUAIS

EIA/RIMA

4.4 REFLEXÕES E CRÍTICAS

Muitos autores, não só no Brasil, têm discutido a efetividade dos procedimentos usuais para Avaliação de Impactos Ambientais e os problemas estruturais que podem limitar seus resultados potenciais.

O Processo Decisório e a AIA

Segundo BIRD (1999, capítulo 4, parágrafo 64), “a incorporação dos efeitos da degradação ambiental no processo de decisões públicas é um passo essencial para se alcançar uma gestão economicamente eficiente dos recursos naturais e para se formular uma estratégia efetiva para o desenvolvimento sustentável”65. Nesse sentido justifica-se a adoção de um

Manual de Avaliação de Impactos pela Instituição, cuja versão inicial data de 1991. O Manual ressalta a importância, em termos de planejamento das ações, de os impactos ambientais negativos serem identificados e tratados o mais cedo possível. O objetivo geral da política e procedimentos do Banco referentes à avaliação de impactos é o de assegurar que (1) as opções de desenvolvimento consideradas sejam ambientalmente bem embasadas e sustentáveis e (2) que toda e qualquer conseqüência ambiental seja identificada precocemente, e levada em consideração no desenvolvimento dos projetos.

Decorre daí a importância que se confere à revisão ambiental, abrangendo todo o ciclo de projeto considerado pelo Banco, que vai da fase de preparação e proposição, pelos governos locais dos países que pleiteiam empréstimos, até a conclusão da implementação e início de operação dos empreendimentos. Esse processo pode conduzir à exigência de

Avaliações de Impactos Ambientais completas ou simplificadas, dependendo dos resultados parciais. Procedimentos similares são empregados por outros organismos financiadores internacionais (CANTER, 1996).

Todavia, como assinalado em EGLER (1998), diversos estudos internacionais e autores em diferentes países apontam o modo tardio como a AIA se insere no processo de planejamento dos empreendimentos como uma de suas principais deficiências, pela limitação das possibilidades de considerar e estudar adequadamente todas as alternativas relevantes. Observa-se também uma falta de integração da Avaliação de Impactos Ambientais com o processo de tomada de decisão.

As críticas aplicam-se igualmente ao caso brasileiro. A AIA no Brasil, inegavelmente bem concebida como instrumento de gestão, buscando assegurar mecanismos de participação pública no processo de tomada de decisão quanto à administração dos recursos ambientais, apresenta resultados aquém de seu potencial. Com relação aos grandes empreendimentos de infra-estrutura, um longo investimento prévio no desenvolvimento dos projetos dificulta a proposição de alternativas que o modifiquem substancialmente e, como resultado, os estudos ambientais limitam-se a um grande esforço para minimizar os impactos negativos previsíveis.

Nesse sentido, ZHOURI et al. (2005), em uma análise dos projetos de hidrelétricas em Minas Gerais, sustentam que

não é realizada uma avaliação, de fato, sobre a viabilidade socioambiental do projeto. Em uma inversão da ordem, as medidas de compensação e de mitigação, na verdade, destinam-se tão-somente a descobrir maneiras pelas quais o meio ambiente e suas complexidades socioculturais e naturais serão adequadas ao projeto técnico a fim de que este seja aprovado (ZHOURI et al., 2005, p.100).

Os autores referem-se assim ao “paradigma da adequação” que, em sua visão, enseja uma lógica contrária às funções precípuas da AIA e do licenciamento ambiental, de serem instrumentos da sustentabilidade socioambiental das obras. Além disso, destacando que os estudos de impactos ambientais deveriam, de acordo com as diretrizes gerais da lei da PNMA, contemplar todas as alternativas tecnológicas e locacionais dos projetos, confrontando-as com a hipótese de não execução, e, além disso, proceder à análise dos impactos ambientais dos projetos e de suas alternativas, opinam que

para tornar esse artigo eficaz seria necessário iniciar, antes de qualquer planejamento, uma ampla consulta à população local, para discutir em todos os seus aspectos a “necessidade essencial” da obra que justifique os graves impactos no local (ZHOURI et al., 2005, p.104).

Essa constatação, na verdade, reflete que, 20 anos após a regulamentação da AIA, ainda hoje não logramos implementar processos de avaliação de impactos que, utilizando-se desse instrumento, possam estar integrados ao planejamento e projeto dos empreendimentos, desde sua fase inicial. BURSTYN (1994) já afirmava que somente assim a AIA poderia interferir na concepção do projeto; ao invés de se restringir a uma pesquisa de medidas preventivas e mitigadoras para soluções de projeto cuja obtenção já tenha demandado tempo e recursos. Críticas nessa mesma linha marcavam, nessa época, debates dentro e fora da Academia sobre o tema66. Uma década depois as discussões sobre o “paradigma da adequação” mostram que

pouco evoluímos nesse sentido.

Aspectos Metodológicos

Além disso, do ponto de vista metodológico, verifica-se comumente nas AIA referentes a empreendimentos de infra-estrutura, marcadamente para empreendimentos complexos e de grande porte, uma tendência a se desenvolver com grande nível de detalhes a descrição dos elementos ambientais a serem afetados pela intervenção proposta — etapa de diagnóstico. Por outro lado, privilegia-se pouco a etapa de identificação e valoração dos impactos — prognóstico. Segundo BURSZTYN (1994), essa é uma falha que se observa não apenas no Brasil, mas em diversos outros países estudados. A autora assinala que a divulgação de guias temáticos e manuais de elaboração para certas categorias de projetos, que vem sendo amplamente adotada em outros países, pode contribuir para melhorar a qualidade dos estudos, conferindo-lhes uma abordagem mais analítica e menos enciclopédica. De todo modo, faz-se necessária uma melhor definição do conteúdo dos termos de referência para os estudos ambientais.

Outra crítica ao processo de AIA, ressaltando igualmente a fragilidade dos termos de referência para a elaboração do EIA/RIMA, pode ser encontrada em ABSY, ASSUNÇÃO e FARIA (1995).

Outro aspecto metodológico que deve ser notado, acerca da experiência brasileira na elaboração de estudos ambientais, é que, de um modo geral, faz-se amplo uso das matrizes de interação de impactos, com ênfase na proposição de medidas preventivas e mitigadoras. De acordo com as observações de CANTER (1996), essa opção metodológica, por si só, já seria

66 Para citar apenas alguns exemplos, BRITO (1995) afirmava que a AIA apresentava resultados aquém de seu potencial; ORTH (1995) assinalava que os estudos para definição da locação de obras de infra-estrutura era sempre anterior ao licenciamento ambiental prévio dos empreendimentos; em FEAM (1995), registra-se debate acerca da pouca interferência que os EIA/RIMA geralmente tinham na modificação das plantas originais dos projetos, dado que longos períodos de investimentos prévios dificultavam a proposição de alternativas propondo modificações substanciais.

um indicativo de que a formulação e seleção de alternativas não é priorizada na elaboração do EIA. Fato, aliás, evidenciado em estudo de casos conduzido por AGRA Filho (1993), referido na introdução deste trabalho. Em suas conclusões, o autor salienta que “a inexistência de alternativas torna prejudicial a tomada de decisão, pela imposição da avaliação do tipo Sim/Não resultante, como também pelo impedimento que acarreta na identificação e seleção de alternativas sustentáveis em termos sociais e políticos”.

Convergência das Críticas e Possíveis Soluções

O que muitas dessas críticas ao processo evidenciam é que a adoção da AIA, mormente com relação aos grandes empreendimentos de infra-estrutura, não tem a eficácia pretendida, prestando-se sim como um mecanismo de legitimação de decisões prévias, com base em critérios técnicos, econômicos e políticos. É o que enfatizam, com relação ao caso brasileiro, trabalhos como os de NASCIMENTO Júnior (1999) e NEIVA (2001).

A AIA e o licenciamento ambiental constituem importantes instrumentos da PNMA. Não obstante, caracterizam procedimentos dentro de um processo maior de avaliação de impactos, que tem sido negligenciado em nosso País. Quando esse processo só é reconhecido a partir da exigência de elaboração do EIA/RIMA, como condição para o licenciamento ambiental prévio dos empreendimentos, e só nesse momento é propiciada a participação social, por meio da realização de audiências públicas legalmente exigidas, reduzem-se os instrumentos a um meio de legitimar decisões adrede tomadas; assim como se reduzem as audiências a uma tentativa de cooptar a opinião pública, em favor dos projetos.

EGLER (1998), cotejando a experiência internacional e o estado da arte em AIA no Brasil, destaca, em suas conclusões finais, a capacidade de evolução e consolidação do processo que, em muitos casos, chega a superar essa limitação67; sobretudo quando as críticas

são de natureza técnica e/ou metodológica. Contudo, o autor coloca algumas questões que merecem mais atenção, constituindo causas estruturais para as deficiências apontadas com relação à AIA dos grandes empreendimentos: (1) a incompatibilidade, em termos da dinâmica dos processos, com o planejamento — desenvolvimento dos estudos e projetos de Engenharia; (2) o caráter reativo da AIA, com relação aos projetos; e (3) os condicionantes políticos dos processos decisórios relativos às ações e projetos de desenvolvimento.

67 “Outro aspecto explorado neste trabalho foi a capacidade do processo de AIA para evoluir e consolidar-se, mesmo em situações nas quais que tenha sido inicialmente adotado apenas como um mecanismo para legitimar decisões previamente tomadas” (EGLER, 1998, p.508. Tradução deste autor).

A primeira questão está baseada no fato de o planejamento de um empreendimento poder ser descrito como um processo convergente, no qual um determinado conjunto de informações serve de base para decisões de caráter geral, as quais conduzem, progressivamente, a novas decisões, mais específicas e demandando um nível cada vez mais detalhado de informações fornecidas pelos estudos e projetos desenvolvidos. A AIA, por outro lado, deve ser, em princípio, um processo que contemple um grande número de opções para a implantação de um grande empreendimento (alternativas locacionais, tecnológicas, de porte, faseamento, etc.), as quais devem ser estudadas em um mesmo nível, suficientemente detalhado para permitir escolhas fundamentadas em avaliações comparativas.

A segunda questão decorre do necessário embasamento que a AIA deve ter nos estudos e projetos de Engenharia, particularmente imprescindível no caso dos grandes empreendimentos de infra-estrutura. Assim concebida, a AIA adquire características de um processo de avaliação ex post — caráter reativo.

A terceira questão abrange aspectos institucionais e de formulação de políticas de desenvolvimento os quais, evidentemente, não são alcançados por processos específicos de AIA com relação a este ou aquele empreendimento. As limitações decorrentes para a eficácia desses processos, muitas vezes, só podem ser superadas com mudanças no contexto institucional ou intervenções políticas.

Segundo EGLER (1998) essas seriam as principais razões pelas quais muitos autores e especialistas em Avaliações de Impactos Ambientais têm enfatizado a necessidade de se adotar a Avaliação Ambiental Estratégica, aplicada a planos, políticas e programas (conforme referido em 3.3). No caso brasileiro essa é a principal medida proposta por aquele autor para superar as limitações que contribuem para a falta de eficácia da AIA — não sem alertar e discutir os riscos de essas limitações tornarem-se ainda mais significantes, com relação ao planejamento e processos decisórios em nível estratégico.

O presente trabalho, no entanto, sem deixar de levar em conta essa proposta, mas tendo como referência as teorias e experiência internacional com relação à Avaliação de Impactos Ambientais, e considerando todos os aspectos aqui levantados do planejamento e da AIA dos grandes empreendimentos de infra-estrutura no Brasil, propõe um aprofundamento da discussão sobre essas limitações e como superá-las, caso a caso.

Tratamos, neste quarto e último capítulo do marco referencial teórico e analítico do presente trabalho, do estado da arte em AIA relativa aos grandes empreendimentos de infra- estrutura no Brasil. Ao examinar o modo como esse instrumento se soma ou se contrapõe ao planejamento e projeto para a implantação de grandes obras, propôs-se um modelo empírico, composto por quatro casos que refletiriam, em nossa opinião, os processos relativos aos empreendimentos de infra-estrutura — dos mais favoráveis (que apresentam algumas limitações), aos que mais freqüentemente se verificam, com sérias distorções.

Na parte II deste trabalho, a seguir, partimos de uma seleção de casos, dentro de um universo restrito de grandes empreendimentos, recém implantados ou em fase final de planejamento e projeto, incorporando os procedimentos e condicionantes mais atuais da AIA no Brasil. Reconstituindo o processo decisório referente aos três casos estudados, procedemos à sua classificação, de acordo com aquele modelo. Com esse embasamento, discutimos o processo de avaliação de impactos de cada caso, à luz das questões orientadoras inicialmente formuladas (vide Introdução). Apresentam-se, a título de conclusões parciais, os principais aspectos positivos e negativos da AIA — que conduzem às conclusões finais da tese ora defendida.