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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE CASOS

5 IMPLANTAÇÃO DA BARRAGEM DE CORUMBÁ IV, EM GOIÁS

5.1 HISTÓRICO: ETAPAS INICIAIS DO PROCESSO DECISÓRIO 1 Antecedentes

5.1.4 Interesse do estado de GO ou regional?

A apresentação do EIA destaca ainda o caráter de aproveitamento múltiplo do empreendimento, com previsão de captação de água para abastecimento.

Esse estudo ganha especial realce por se constituir em um empreendimento de uso múltiplo, estando previsto além da geração de energia elétrica, o uso

da água para abastecimento de uma vasta área de Goiás, abrangida pelo Entorno, onde as atuais condições de saneamento básico e ambiental merecem destaque (CTE, 1999-A, vol. I, pág. 2).

Nesse caso, porém, é feita referência apenas aos municípios goianos do entorno de Brasília. Sem dúvida, qualquer referência explícita à previsão de reforço do abastecimento de núcleos urbanos do Distrito Federal tornaria insustentável o “pressuposto” do licenciamento junto à FEMAGO, acima referido naquele relatório. Mas como deixar de mencionar essa concepção se, em 1999, época da elaboração do EIA/RIMA, o empreendimento já vinha sendo publicamente defendido por representantes do Governo do Distrito Federal, como a solução definitiva para o abastecimento de água do DF?

O Jornal de Brasília, de grande circulação no Distrito Federal, noticiou, em sua edição de 21 de março de 1999, um acordo entre os Governos do Distrito Fedeal e de Goiás, visando à construção de Corumbá IV: “Sai acordo para Corumbá IV. Goiás e DF assinam terça-feira protocolo para construir a barragem que deve garantir água nos próximos 90 anos” (ANDRADE, 1999). A reportagem alertava a população para o risco de desabastecimento de água, informando que, segundo a CAESB, o abastecimento de água do Distrito Federal estaria assegurado apenas até 2002, podendo estender-se até 2006, com a conclusão da barragem do Pipiripau, para atender Sobradinho e Planaltina, entre outros núcleos urbanos. A saída seria a implantação de Corumbá IV, com a qual a oferta de água para o DF seria decuplicada, ficando garantido o abastecimento até o ano de 2090. Outro dado importante fornecido pela reportagem foi a determinação do Palácio do Buriti de se buscar viabilizar a implantação do empreendimento via parceria com a iniciativa privada.

A notícia da assinatura do protocolo de intenções foi também destaque em vários outros órgãos da mídia. Em 7 de abril de 1999, o Jornal da Comunidade (veículo de circulação semanal em Brasília, com distribuição gratuita) trouxe uma reportagem de página inteira sobre o tema. Foi noticiada a intenção de se formar um consórcio entre empresas públicas das duas unidades da federação e a iniciativa privada. Havia uma previsão de conclusão dos estudos em desenvolvimento (incluindo o estudo de impactos ambientais) e encaminhamento à ANEEL até outubro daquele ano, para a realização de licitação com vistas à concessão para construção da barragem e exploração da usina hidrelétrica. A reportagem informava ainda que

De acordo com o Protocolo de Intenções, o GDF vai elaborar os estudos necessários sobre a definição do aproveitamento múltiplo da área a ser alagada, a viabilidade econômica e financeira, fazer um inventário do rio e elaborar um plano diretor de saneamento do Distrito Federal e das cidades abrangidas pela usina.

Ao Governo de Goiás compete promover gestões junto aos órgãos federais e estaduais, incluindo os de meio ambiente e recursos hídricos, disponibilizar recursos humanos, técnicos e materiais para a elaboração de um outro plano de saneamento do DF e cidade do Entorno (MESSIAS, 1999).

Em vista disso, o EIA/RIMA do empreendimento, que seria concluído e apresentado à FEMAGO, no segundo semestre de 1999, apresenta uma redação esmerada para não denunciar o caráter regional do empreendimento e seus impactos. Do EIA, documento completo e detalhado com relação aos estudos ambientais, sujeito aos rigores da análise técnica que for feita pelos técnicos do órgão de meio ambiente, consta apenas uma referência ao abastecimento futuro do Distrito Federal. Quase um ato falho, uma vez que não há menção à vazão assegurada para tanto, amplamente divulgada na mídia de Brasília, de 10 m3/s.

O sistema que atualmente a SANEAGO implanta para atendimento ao abastecimento de Luziânia e outras localidades do Entorno, a serem servidos

pelo mesmo sistema de tratamento, prevê 0,55m3/seg, no horizonte do ano

2000, devendo atingir a 1,1m3/seg, no ano 2010 até atingir 1,7m3/seg, no ano

2015 [...]

A demanda de água prevista, pode ainda ser expandida num horizonte futuro, se considerarmos a eventualidade do suprimento atingir a outras áreas do Distrito Federal, ampliando esta demanda que deverá atingir até 2,0m3/seg, no ano 2020 (CTE, 1999-A, vol I, pág. 34).

Já o RIMA, documento sintético, em linguagem não técnica, destinado à divulgação do empreendimento e seus impactos, como descritos no EIA, para o público em geral, a referência ao abastecimento futuro de água de Brasília é explícita, como impacto positivo do empreendimento.

Impactos Positivos [...]

• Reservação e suplementação ao abastecimento de água para o Distrito

Federal e cidades do Entorno. Para Luziânia a necessidade futura seria de 2m3/s e para o Distrito Federal a estimativa da CAESB é de que até o

ano de 2.015 sejam necesários mais 10m3/s (CTE, 1999-B, pág. 52). O fato não passou despercebido ao Ministério Público, ao impetrar Ação Civil Pública pedindo o reconhecimento da nulidade das licenças concedidas pela AGMA, com a conseqüente paralisação das obras até o licenciamento pelo IBAMA.

Além disso, cabe registrar que o Governo de Goiás, ao que tudo indica, deixou de promover qualquer gestão junto ao IBAMA, como previa o protocolo de intenções assinado. Prevaleceu a decisão de se licenciar o empreendimento em Goiás, ignorando-se o caráter regional dos benefícios esperados, tão propalados na mídia desde aquele ano de 1999. Decisão que não se pode, hoje, imputar senão ao consórcio Via Engenharia e Construtora RV, cujo

interesse no empreendimento resumiu-se a viabilizar a realização do leilão de concessão sendo, com isso, ressarcido pelos gastos incorridos (atuando como uma espécie de investidor).

É evidente, no entanto, a responsabilidade do autor dos estudos ambientais, carente de justificativas fundamentadas para a indicação de licenciamento junto à FEMAGO. É evidente, também, a responsabilidade dos Governos do Distrito Federal e de Goiás, que firmaram protocolo de intenções para a construção da barragem, mas silenciaram diante da opção, supostamente técnica, de tratar o empreendimento, do ponto de vista socioambiental, como de interesse exclusivamente estadual, no âmbito do território goiano. É evidente a responsabilidade do IBAMA, cujo corpo técnico, diante do destaque dado pela mídia de Brasília ao empreendimento localizado no entorno da Capital, enfatizando o alcance de seus benefícios para o Distrito Federal, manteve-se distante do processo, até que fosse acionado pelo Ministério Público, em 2001.

A respeito da postura do IBAMA, atuando burocraticamente, de acordo com suas competências, cabe registrar a opinião do Diretor de Licenciamento do órgão, Luiz Felippe Kuns73, que interagiu com o Ministério Público durante a fase de implantação do

empreendimento, como Coordenador de Licenciamento, desde 2003. Questionado sobre a falta de intervenção do IBAMA na fase de planejamento e projeto, quando o empreendimento, amplamente divulgado em Brasília, era avaliado e licenciado pela FEMAGO/AGMA, ele destacou não ser da competência do IBAMA fiscalizar ou intervir nos órgãos estaduais de meio ambiente. Assim sendo, ele considera que intervir em Corumbá IV, sem que tivesse havido consulta das partes ou provocação do Ministério Público, seria provocar um conflito de competências. Justifica-se, assim, a atuação do órgão federal, neste caso, com um caráter eminentemente reativo.