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6 PROJETO DE INTEGRAÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO COM BACIAS HIDROGRÁFICAS DO NORDESTE SETENTRIONAL

6.1 HISTÓRICO: ETAPAS INICIAIS DO PROCESSO DECISÓRIO 1 As secas do Nordeste e o rio São Francisco

6.1.3 Da Transposição à Integração de Bacias

Com base em um modelo de planejamento e projeto consagrado no setor elétrico, a SEPRE contratou inicialmente estudos para avaliação da inserção regional do Projeto São Francisco. Esses estudos consideraram as disponibilidades hídricas efetivas e as demandas hídricas projetadas para o ano 2025, nas principais bacias dos rios intermitentes do Nordeste Setentrional. Paralelamente, três outras frentes de ação foram deslanchadas pela SEPRE ao assumir o Projeto: a elaboração das bases cartográficas para o desenvolvimento do projeto de Engenharia, a contratação dos estudos de Viabilidade Técnico-Econômica, seguida do Projeto Básico, e também a contratação dos Estudos Ambientais. Possibilitava-se assim, de modo inédito com relação ao desenvolvimento de estudos e projetos na fase inicial de planejamento de um grande empreendimento, a interação das equipes de especialistas em Meio Ambiente e de Engenharia e projetos.

Os estudos de Inserção Regional, realizados para avaliação da oportunidade de realizar a Transposição de Águas do Rio São Francisco, mostraram que, ainda que se alcance uma gestão eficaz dos recursos hídricos locais e se realize sua potencialização, por meio da construção de poços e açudes — considerando que o ciclo da açudagem na área receptora estará praticamente esgotado, a curto prazo —, haverá déficit hídrico na região de influência do Projeto antes do ano 2010; em algumas sub-bacias ele já é uma realidade.

A SEPRE foi sucedida, em 1999, pelo Ministério da Integração Nacional, criado em agosto daquele ano, tendo como missão o desenvolvimento nacional integrado, alicerçado na redução das desigualdades regionais, com forte ênfase na demanda por infra-estrutura hídrica.

A condução do empreendimento resistiu, inclusive, à constante troca de dirigentes da Pasta, no período entre sua criação e o final do segundo Governo Fernando Henrique Cardoso, em 2002. Foram quatro diferentes titulares e, a cada exoneração, a mídia dava destaque às disputas partidárias pela nomeação do Ministro, sob cuja supervisão estariam DNOCS, CODEVASF, ADENE e ADA — mantendo-se vivas, ainda hoje, propostas para recriação da SUDENE e SUDAM. Em função disso, o Projeto conheceu altos e baixos, em termos das prioridades de Governo — com reflexos diretos na alocação de recursos orçamentários ano a ano, além de dificuldades em termos da falta de envolvimento e compromisso, desde o início, de outras áreas de governo, especialmente do Ministério do Meio Ambiente.

Ressalta-se ainda que, com relação aos grandes empreendimentos de infra-estrutura de que o País necessita, muitos deles fruto de políticas de desenvolvimento cuja formulação e implantação está a cargo do Ministério da Integração Nacional, não há elementos suficientes para julgarmos o nível de patrimonialismo e clientelismo que ainda prevalece no trato da coisa pública. Ressalta-se, porém, que o Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva trouxe, ao menos, estabilidade política para a Pasta, conduzida, desde o início, por Ciro Gomes101 — político do Nordeste, ex-governador do Ceará e ex-candidato à Presidência da

República, em 2002, com bastante prestígio no meio político e na sociedade em geral.

O Projeto da Transposição do São Francisco, como era ainda conhecido em 2003, no início do atual Governo, constituía então uma forte polêmica nacional, como ficou claro no processo de licenciamento ambiental prévio que se tentou levar a cabo em 2000/2001, de modo já tardio (conforme discutido na seção 6.1.5, na seqüência). Na visão dos defensores do Projeto, somente o perene e próximo São Francisco — com uma transferência hídrica controlada pelo homem — seria capaz de compensar os efeitos danosos que essa inescapável periodicidade natural das secas sempre trouxe aos semi-áridos nordestinos; principalmente àqueles situados mais ao norte, onde vivem atualmente cerca de 12 milhões de pessoas.

Essa visão foi fortemente incorporada ao discurso de campanha e de governo do Presidente Lula no período 2003/2006. As referências públicas do Chefe de Governo ao Projeto; sua inclusão na pauta de entendimentos políticos do Vice-Presidente José Alencar, em suas viagens iniciais aos estados doadores e receptores; a presença de um Ministro

101 Ciro Gomes somente se afastou do Ministério da Integração Nacional em 2006, desimcompatibilizando-se, tendo em vista a intenção de concorrer a um cargo eletivo nas eleições gerais deste ano. Ainda assim, não houve rupturas, pois seu antigo Chefe de Gabinete, Pedro Brito, foi confirmado como titular da Pasta. Pedro Brito, ademais, havia sido pessoalmente encarregado por Ciro Gomes da condução do Projeto São Francisco.

prestigiado e com credibilidade pública à frente da pasta da Integração Nacional — tudo isso contribuiu para uma melhor e mais segura condução do Projeto pelos técnicos responsáveis. Face ao compromisso político, houve, desde o início do atual Governo, uma diretriz da Presidência para que houvesse um permanente diálogo transversal acerca do Projeto, capitaneado pela Integração Nacional e pelo Meio Ambiente (este último, em articulação com a ANA e o CNRH), envolvendo-se o Ministério do Meio Ambiente (em articulação com o IBAMA).

Foi assim que, com base em estudos técnicos com maior nível de detalhamento, chegou- se, em 2003/2004, a algumas importantes mudanças conceituais, que demandavam a revisão e ampliação dos estudos de meio ambiente — que haviam servido de base para uma série de audiências públicas, apenas parcialmente realizada, em 2000/2001, com vistas a um licenciamento ambiental prévio que não se logrou obter naquela ocasião (inclusive por força de decisões judiciais que paralisaram o processo). Essas mudanças resultaram, de acordo com o Ministro Ciro Gomes, em um “Projeto de Segurança Hídrica para a Região”102, no lugar de

um típico projeto de captação e adução de água para fins econômicos. Segurança que provém da garantia da oferta de água, mercê de um sistema hídrico interligado, aduzindo uma vazão que pode chegar a 127 m3/s, nos períodos em que Sobradinho estiver com excesso de água.

Possibilita-se, assim, uma operação mais eficiente dos reservatórios e da infra-estrutura hídrica existente na região beneficiada, com garantia de oferta de água para abastecimento e sua liberação para outros usos.

O Ministério da Integração Nacional, a partir de então, rebatizou o projeto da Transposição (como até hoje conhecido pela sociedade em geral), que passou a ser referido como Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional.

Não obstante, a vazão média de bombeamento conjunto dos eixos Norte e Leste, de 63,5 m3/s, dos quais apenas 49,3 m3/s destinados para áreas de bacias ao norte da do rio São

Francisco, representa hoje apenas 2,3% da vazão firme do rio São Francisco em sua foz. Ou seja, não se trata mais, na concepção atual do Projeto, de uma transposição propriamente dita, mas sim de uma derivação de água para outras regiões. Derivação essa que, por sua magnitude, é compatível com a oferta de água assegurada, em bases sustentáveis, pela bacia do rio São Francisco (conforme assinalado em Parecer da ANA, Agência Nacional de Águas,

102 Conforme enfatizou o Ministro publicamente em 2005, em diversas ocasiões, inclusive no programa de entrevistas “Roda Viva”, da Rede Nacional, veiculado em 14/2/2005.

que serviu de base para a concessão da Outorga Preventiva, instrumento auxiliar de gestão dos recursos hídricos preconizado na PNRH). Os impactos para a bacia doadora são, destarte, passíveis de prevenção, mitigação ou compensação, como destacado no RIMA do empreendimento.

Por outro lado, são grandes os impactos positivos dessa água para a região do Semi- árido setentrional. Mormente pela interligação dos grandes reservatórios existentes na região, com reforço da infra-estrutura existente para a distribuição da água, e integração de diversas iniciativas e soluções regionais para a convivência com as secas, tais como o uso de cisternas, poços, pequenos açudes, etc. Justifica-se, assim, a valorização dos aspectos da Integração de Bacias, contraposta à idéia original de Transposição, como defende o empreendedor — numa iniciativa freqüentemente ironizada pelos opositores do Projeto, que rejeitam a mudança no nome, como que para negar as mudanças de conceito.

Cumpre ainda destacar que, passo a passo, foram exaustivamente avaliadas as condições técnicas, econômicas e socioambientais relativas às alternativas de Projeto pré-selecionadas, a ponto de se contar, pouco mais de 10 anos depois do resgate das propostas do extinto DNOS, a um custo total que supera já os R$ 50,0 milhões, com um expressivo acervo técnico. Esse acervo inclui, entre outros: bases cartográficas em escalas adequadas para o desenvolvimento de estudos de viabilidade e dos projetos de Engenharia, trecho a trecho; estudo de inserção regional; estudo de viabilidade técnica e econômica; estudo de impactos ambientais (EIA/RIMA); estudos prévios de alternativas para o reforço da oferta hídrica na bacia do rio São Francisco, via transposição de águas da bacia do Rio Tocantins; e projetos básicos de Engenharia, por trechos, com indicação de prioridades para implantação, mercê dos indicadores de viabilidade técnica e de retorno dos investimentos necessários no médio e longo prazos.