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2 DESENVOLVIMENTISMO E OBRAS DE INFRA-ESTRUTURA

2.5 RETOMADA DOS INVESTIMENTOS EM INFRA-ESTRUTURA?

A partir da segunda metade da década de 1990, o País conheceu um período de relativa estabilidade econômica, que perdura até os dias de hoje (sem, no entanto, obter avanços significativos com relação ao grave problema da distribuição de renda29). Essa estabilidade

deve permitir a retomada gradual dos investimentos públicos em infra-estrutura. Existem, no

27 A propósito dessa última assertiva, há diversos trabalhos e artigos técnicos da mesma época (anos 1990) alertando para os riscos da falta de ação do Estado. Mesmo com a superação da crise econômica, o poder público mostrou-se insensível a esses alertas. No caso do setor energético brasileiro, cuja carência de investimentos é citada como exemplo por BURSZTYN (1990), a inércia do Estado, aliada a um açodado plano de privatizações na onda neo-liberal que assolou o País no período de governo de Fernando Henrique Cardoso, teve como conseqüência previsível o racionamento de 2001/2002 (em função do qual a sociedade brasileira teve ainda de arcar, entre 2002 e 2006, com o “Encargo de Capacidade Emergencial”, conhecido como “seguro apagão”). 28 Enfoque já identificável na Conferência de Estocolmo, 1972, e que seria retomado na Conferência do Milênio, em Nova York, 2000, e na Rio + 10, em Joanesburgo, 2002, quando se enfatizou, por exemplo, a imperativa necessidade de universalização dos serviços de Saneamento Básico nas metrópoles, cidades e vilas.

29 Medido pelo IBGE, o índice de Gini, (que reflete o grau de concentração de renda, variando de 0, para uma distribuição igualitária, a 1, para desigualdade extrema) vem apresentando uma lenta e gradual redução, desde a implantação do Plano Real, em 1994. De 0,603 em 1993, o País alcançou, em 2004, o patamar mínimo de 0,559. Entretanto, “No Relatório de Desenvolvimento Humano 2004, elaborado pelo PNUD, o Brasil aparece com Índice de 0,576, quase no final da lista de 127 países. Apenas sete nações apresentam maior concentração de renda” (WOLFFENBÜTTEL, 2004).

entanto, amarras difíceis de remover para que se possa assistir a um ansiado “espetáculo de crescimento”30.

Segundo ABDIB (2004)31 o Brasil deu um importante passo para o aporte de

investimentos privados no setor de infra-estrutura com a aprovação da Lei de Concessões de Serviços Públicos, em 1995. Outras questões, no entanto, precisavam e ainda precisam ser enfrentadas para assegurar um fluxo expressivo de recursos, nos níveis de que o País necessita, sem aumento da dívida pública.

Os investimentos em infra-estrutura podem ser enquadrados em grandes áreas de interesse, tais como Urbanismo, Saneamento, Comunicações, Recursos Hídricos, Energia e Transportes. Cada uma dessas áreas demanda, ano a ano, a viabilização de projetos de Engenharia, envolvendo um determinado número de grandes obras, que podem ser implementadas em períodos que podem variar de 2 a 10 anos, ou mais. Constituem, ademais, a base para a definição das funções que compõem os orçamentos públicos. De acordo com o que determina a Constituição Federal de 1988, a elaboração dos orçamentos públicos anuais é feita de acordo com um planejamento de médio prazo, visando ao crescimento econômico, consubstanciado em um Plano Plurianual de Investimentos. Os PPA são elaborados no primeiro ano de cada governo, abrangendo os três anos seguintes e o primeiro ano do governo subseqüente.

No primeiro período de governo de Fernando Henrique Cardoso (1995/1998) o PPA, abrangendo o período de 1996 a 1999, destacou um determinado número de empreendimentos tidos como prioritários, sob a denominação de Brasil em Ação. Tratava-se de uma espécie de divisão nos orçamentos anuais da União, em que os projetos e ações sob essa bandeira tinham execução privilegiada32.

No segundo governo de Fernando Henrique (1999-2002), o PPA, abrangendo o período de 2000 a 2003, recebeu o nome de Avança Brasil. No lançamento do programa, em 1999, quando o executivo encaminhou ao Congresso Nacional sua proposta para o Plano, o

30 Expressão cunhada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2003, com grande repercussão na mídia, refletindo mais uma meta de governo do que a realidade presente do País.

31 homepage da Associação Brasileira da Infra-estrutura e Indústrias de Base, que reúne cerca de 160 grupos empresariais das áreas de Energia Elétrica, Petróleo, Gás e Derivados, Transporte, Construção e Engenharia, Saneamento Ambiental, Telecomunicações, Indústrias de Base (Mineração/Cimento, Siderurgia, Papel e Celulose), além de Bancos de Investimentos e outras empresas de serviços, que se relacionem com o setor de Infra-estrutura.

32 Deve ser lembrado que o Orçamento Nacional é apenas um indicativo de gastos, estimando receitas e fixando despesas. Com isso, ao menor sinal de crise econômica, investimentos deixam de ser realizados. Decorre disso a grande vantagem das obras “carimbadas” com prioridade mais elevada.

Presidente da República assinalou que, contemplando os projetos e ações por concluir do Brasil em Ação e os novos investimentos previstos em infra-estrutura e demais áreas, o Avança Brasil estendia as regras de execução daquele primeiro programa a todo o Orçamento Geral União, ano a ano.

Deve ser notado, porém, que tanto o PPA, como os quatro OGU subseqüentes que permitem sua execução ano a ano, são amplamente discutidos e votados no Congresso, havendo inclusive uma comissão permanente mista, da Câmara e do Senado, para tratar dos assuntos orçamentários33. Assim, faz-se distinção entre projetos e atividades oriundos da proposta do executivo e aqueles provenientes de emendas parlamentares, de autoria das bancadas estaduais e/ou dos senadores e deputados, individualmente34. Muitas dessas

emendas, mormente as de bancada, contemplam grandes empreendimentos de infra-estrutura. No OGU/2000, era comum a referência aos projetos como pertencentes ao Avança Brasil ou aos Demais Projetos (isto é, os de emendas parlamentares). Posteriormente, os projetos constantes de cada OGU receberam a denominação de Estratégico ou Não Estratégico, uma vez que todo projeto constante do OGU deve provir do PPA, e que o PPA 2000-2003 era referido, sem distinção de projetos e atividades, como Avança Brasil.

A mudança de governo em 2003, com a chegada do Partido dos Trabalhadores (PT) à presidência, caracterizando uma expressiva mudança na cúpula dirigente do País, colocou em evidência outros graves defeitos do processo de planejamento do setor público, com vistas ao desenvolvimento nacional. Determinado a assegurar a credibilidade no cenário internacional (ameaçada desde o crescimento nas pesquisas e a vitória nas urnas em 2002), o governo do PT manteve uma política austera quanto aos gastos públicos — aí enquadrados, por força de acordos históricos com o Fundo Monetário Internacional, os investimentos em infra-estrutura.

Se a estabilidade econômica, inaugurada com o Real em 1994, havia custado ao governo anterior contingenciamentos anuais do Orçamento Geral da União, visando à geração de superávit primário para o pagamento da dívida externa brasileira, o quadro pouco se alterou com a mudança de governo. Grande parte dos investimentos previstos no Avança Brasil em projetos estratégicos de infra-estrutura foram relegados para o último ano do Plano — o primeiro do governo do PT. Os compromissos do novo governo, porém, não eram

33 Comissão que foi palco do conhecido “escândalo dos anões do orçamento”, em 1993 — um fabuloso esquema de corrupção que envolvia, inclusive, subornos para favorecimento de empreiteiras na realização de obras públicas.

34 A respeito da apresentação de emendas parlamentares ao projeto de lei anual do OGU, ver comentário na seção anterior, abordando as práticas patrimonialistas e clientelistas no trato da coisa pública no Brasil (subseção 1.1.5 O Brasil da modernidade, p.38).

necessariamente com a realização de investimentos previstos no OGU de 2003, aprovado no último ano de seu antecessor, contemplando a consecução de um plano quadrienal de investimentos por ele traçado. Ademais, para continuar gerando superávit primário, a maior parte desses investimentos foi alvo de novo contingenciamento.

O pouco que se logrou executar, em termos de grandes empreendimentos de infra- estrutura, contemplando, em 2003, projetos estratégicos ou não, resultou sobretudo de barganhas políticas, com governos estaduais e bancadas parlamentares, convenientes à aprovação de um amplo programa de reformas políticas.

Não bastasse esse final “abortado” de um plano quadrienal, ocupou-se o novo governo da elaboração do atual PPA, abrangendo o período 2004/2007, com previsão de recursos muito aquém das conhecidas carências do País em termos de infra-estrutura. Um plano “natimorto” em seu primeiro ano de execução que, em virtude da norma constitucional vigente, teve seu orçamento aprovado antes daquele (PPA 2004/2007 aprovado pela lei n.º 10.933, de 11 de agosto de 2004).

Neste processo distorcido, a análise do PPA vigente mostra que projetos antes considerados “estratégicos”, mas com implantação incipiente até o final de 2003, foram transpostos de um para outro plano, porém com recursos muito aquém do necessário à sua consecução35 — ou seja, sem compromisso de fato com o planejamento. Trata-se de um

artifício utilizado para se “manter uma rubrica aberta”36. Posteriormente, o lobby de

empreiteiros junto às bancadas parlamentares e/ou a priorização política das obras encarrega- se de dotar os empreendimentos de vultosos recursos nos orçamentos anuais, forçando a revisão dos valores previstos no PPA (que deveria servir de balizamento para os orçamentos, e não o contrário).

À parte dessas considerações sobre o processo político, uma breve referência aos números do PPA 2004/2007 dá a medida do peso dos grandes empreendimentos de infra- estrutura no contexto do desenvolvimento almejado para o País na atualidade.

35 O PPA 2004/2007 está repleto de grandes obras cujos valores previstos no texto legal aprovado são muito inferiores aos investimentos necessários para sua completa implantação; ou mesmo inferiores aos saldos contratuais das obras em andamento, ainda que, supostamente, os prazos para sua execução fossem inferiores aos quatro anos de vigência do Plano. Tomando-se como exemplo o setor de irrigação, a cargo do Ministério da Integração Nacional, para obras com valores que superam os R$ 100 milhões, podem ser citados o Projeto de Irrigação Luís Alves do Araguaia, em Goiás, com 13.000 ha previstos, e o Projeto de Irrigação Sampaio, na região do Bico-do-Papagaio, no norte do Tocantins, com 12.000 ha previstos.

36 Expressão que faz parte do jargão da área orçamentária, sobretudo em ministérios e órgãos públicos federais que se caracterizam como balcões de obras públicas, que servem de moeda de troca nas negociações entre Executivo e Legislativo.

Para alcançar metas de crescimento econômico anual variando de 3,5% a 5% do PIB37, o montante de recursos previsto para ser aplicado nos quatro anos de execução do Plano era de R$ 1,7 trilhão, distribuídos em 374 programas. De acordo com a análise conjunta da Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado Federal e da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados, CONORF/COFF (2003), excluindo-se os gastos previdenciários, o montante para investimentos e demais aplicações sociais era da ordem de R$ 981,5 bilhões. Desse total, aproximadamente um quarto, ou R$ 248,3 bilhões, corresponderiam a investimentos em infra-estrutura e meio ambiente.

Quanto às fontes de fincanciamento, a maior parte dos recursos provêm de arrecadação pública (dos orçamentos fiscal e da seguridade social), totalizando R$ 1,4 trilhão. São também previstos investimentos da ordem de R$ 195 bilhões mediante financiamentos, a serem concedidos pelas agências oficiais de crédito (BNDES, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e outras). O orçamento das estatais, que se soma ao Orçamento Geral da União a cada exercício, responde por recursos da ordem de R$ 143 bilhões. Há também recursos previstos à conta dos fundos públicos (FGTS, FAT, etc.) e de outras fontes de recursos. Destaca-se a previsão de alocação de R$ 55 bilhões à conta de parcerias.