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5. A imunidade material

5.3. Alcance subjetivo (co-autoria), temporal e objetivo

Quanto ao subjetivo, Aníbal Bruno96 ressalva que a imunidade material não protege eventuais co-autores que tenham praticado crime contra a honra com o parlamen- tar. A imunidade material não alcança as pessoas que, porventura, participem dos trabalhos legislativos, mas não sejam detentoras de mandato eletivo, nem protege as manifestações do suplente de congressista97.

Do mesmo modo, não dá guarida a seus familiares nem à sua residência, pois não evita que a polícia ingresse no domicílio do deputado, para investigações criminais, desde que portando mandato judicial e dentro do horário permitido em lei, conforme escólio de Meroveu de Mendonça98.

Segundo o Supremo Tribunal Federal, a imunidade material protege a publi- cidade dos debates parlamentares, tornando irresponsável o jornalista que as tenha reproduzi- do, desde que se limite a reproduzir a íntegra ou em extrato fiel o que se passou no Congresso Nacional. Este é também o entendimento de Alexandre de Moraes (Direito..., 2003, p. 403). ––––––––––––––

96 BRUNO, Aníbal. Direito Penal: parte geral - tomo I. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 250. Para esse

penalista a inviolabilidade é causa pessoal (funcional) de isenção de pena.

97 Informativo STF n. 251 (19 a 23/11/01), Inq. 1.684/PR, rel. Min. Celso de Mello, j. 22/11/01.

98 MENDONÇA, Meroveu de. Imunidades parlamentares. Rio de Janeiro: Revista Forense n. 158,

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Sob o aspecto temporal, a inviolabilidade agasalha o parlamentar, desde

a diplomação até o fim da legislatura. Para os atos cometidos nesse intervalo, garantia é perpétua, pois protege o político, mesmo depois de findo o mandato, por toda a sua vida. Os atos praticados nesse período não cominarão reparo penal, cível, administrativo ou po- lítico.

Não incide a imunidade material antes do deputado federal tornar-se parla- mentar99, devendo responder pelo crime de palavra cometido.

Assim, concluímos que a inviolabilidade atinge um dos elementos constitu- tivos do crime (a ilicitude) e não ocorre a situação delituosa. Portanto, não há que se cogitar em limite temporal da garantia.

Geograficamente, senadores e deputados (federais, estaduais e distritais)

podem gozar da franquia fora do parlamento, em qualquer local, desde que dentro do Territó- rio Nacional. Para os vereadores, limita-se à circunscrição do respectivo município.

O alcance objetivo é definido pelo nexo causal, o qual se faz necessário en-

tre a fala do legislador e sua atividade parlamentar. Ou seja: a garantia restringe-se aos assun- tos da atividade do congressista, ainda que fora do exercício do mandato, desde que relativo a ele, ao menos indiretamente100.

Não pode o senador acordar mal-humorado e, ao sair de casa ofender seu vizinho impunemente: exige-se que o fato seja cometido no exercício do mandato e que tenha ligação com a atividade parlamentar. Assim decidem nossos tribunais regionais e a Suprema Corte101. Vale apontar, conforme observamos na jurisprudência do STF, que é muito mais freqüente a inviolabilidade ser invocada para esquiva de ofensas de um modo geral, e não pa- ra justificar denúncias ou para auxílio das tarefas inerentes aoLegislativo.

Assim, referindo-se a Damásio Evangelista de Jesus e a Paulo Brossard no Inquérito n. 396-3/DF, assevera Kuranaka (2002, p. 129):

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99 Informativo STF n. 291 (18 a 22/11/02), Inq. 1.024/PR, rel. Min. Celso de Mello, j. 21/11/02.

100 Nesse sentido, Inq. 510-0/DF, rel. Min. Celso de Mello, Pleno, RTJ 135-02/509, j. 1°/2/1991, DJ 19/4/1991,

p. 4581; Inq. 390-5/RO, questão de ordem, rel. Min. Sepúlveda Pertence, Pleno, RT 648/318; Inq. 396-4/DF, questão de ordem, rel. Min. Octávio Gallotti, Pleno, RTJ 131/1039.

101 Casos em que não se reconheceu a inviolabilidade por falta de nexo causal entre a fala do parlamentar e sua

atividade (não foi no exercício do mandato ou em razão dele): TACrimSP, rec. sentido estrito 581.869-2, RT 648/309; informativos STF n. 355 (2 a 6/8/2004), RE 226.643/SP), rel. Min. Carlos Velloso, j. 3/8/2004 e n. 353 (21 a 25/6/2004), Inq. 2.036/PA, rel. Min. Carlos Britto, j. 23/6/2004.

112 [...] "O art. 32, caput, da Constituição de 1969, ao disciplinar a imunidade parlamen- tar material dos Deputados e Senadores, exigia que o fato tivesse sido cometido" no exercício do mandato. "A atual Constituição Federal não repetiu a locução no art. 53, caput. Não obstante cremos que a exigência deve ser mantida, a prerrogativa alcançando somente as manifestações escritas ou orais, as exposições em comissões, etc., desde que guardem relação com o exercício da função (fora ou dentro do recin- to da Casa), não compreendendo as manifestações particulares (privadas), desligadas da atividade oficial de legislador". [...]

O entendimento mais elástico não encontra ressonância na lição de Paulo Brossard, para quem "não precisava dizer que era no exercício do mandato, porque a imunida- de é exatamente para proteger o mandato parlamentar".

O STF deliberou que a imunidade material constitui garantia inerente ao de- sempenho da função parlamentar (não traduzindo, assim, privilégio de ordem pessoal) e, por essa razão não se estende às palavras e manifestações do congressista que nenhuma relação tenham com o exercício do mandato legislativo102. Vejamos o pensamento do Ministro Celso de Mello, em voto como relator na queixa-crime n. 681/SP:

Queixa-crime. Deputado Federal. Imputação de delito contra a honra. Expressões ofensivas constantes de depoimento do congressista perante comissão parlamentar de inquérito.

O Supremo Tribunal Federal tem acentuado que a prerrogativa constitucional da i- munidade parlamentar em sentido material protege o congressista em todas as suas manifestações que guardem relação com o exercício do mandato, ainda que produzi- das fora do recinto da própria Casa Legislativa (RTJ 131/1039; RTJ 135/509; RT 648/318), ou, com maior razão, quando exteriorizadas no âmbito do Congresso Na- cional (RTJ 133/90).

O depoimento prestado por membro do Congresso Nacional a uma Comissão Par- lamentar de Inquérito está protegido pela cláusula de inviolabilidade que tutela o le- gislador no desempenho do seu mandato, especialmente quando a narração dos fatos – ainda que veiculadora de supostas ofensas morais – guarda íntima conexão com o exercício do ofício legislativo e com a necessidade de esclarecer os episódios objeto da investigação parlamentar.

[...]

A imunidade parlamentar material só protege o congressista nos atos, palavras, opi- niões e votos proferidos no exercício do ofício congressual, sendo passíveis dessa tutela jurídico-constitucional apenas os comportamentos parlamentares cuja prática possa ser imputável ao exercício do mandato legislativo. A garantia da imunidade material estende-se ao desempenho das funções de representante do Poder Legislati- vo, qualquer que seja o âmbito dessa atuação – parlamentar ou extraparlamentar – desde que exercida ratione muneris.

Inq. 681/SP, j. 9/3/1994, Pleno, rel. Min. Celso de Mello, publicado no DJ de 22/4/1994, p. 8941. RTJ 155/96.

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102 Conforme informativos STF n. 258 (25/2 a 1º/3/2002 Inquérito n. 1.710/DF, rel. Min. Sydney Sanches, j.

27/2/2002); n. 275 (1º a 2/8/2002, Inq. 617/RR, rel. Min. Celso de Mello, j. 28/6/2002); n. 276 (5 a 8/8/2002, STF, Pleno, Inq. n. 1.344/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 7/8/2002) e RTJ 155/397.

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Caso esteja em campanha política, não há que se cogitar na inviolabilidade do parlamentar, pois essa atividade não possui vínculo com o mandato em si, porém esse en- tendimento não é remansoso. Vejamos um aresto a respeito do tema103:

Agravo de instrumento. Deputado Estadual candidato a Governador. Condenação por crime tipificado nos artigos 325, 326, com agravante do 327, III, CE. Pretensão de amparo da imunidade parlamentar. Alegada inépcia da denúncia.

Não pode prosperar o argumento do recorrente, ao pretender amparo da imunidade parlamentar, já que a conduta delituosa não foi praticada no exercício das funções de parlamentar, mas em campanha eleitoral, através de propaganda eleitoral gratuita. Não há que se falar em inépcia da denúncia nem violação do artigo 41 do CPP. Indemonstrados os pressupostos essenciais de admissibilidade do Recurso Especial. Agravo a que se nega provimento.

Ag. n. 9.698/BA, TSE, votação por maioria, 30/9/1993, rel. Min. Flaquer Scartezzini, DJU 22/10/1993, p. 22.306 e RJTSE - Revista de Jurisprudência do TSE, v. 6, t. 1, p. 144104.

Juridicamente, a interpretação teleológica da expressão quaisquer no caput

do art. 53 da Constituição ("Art. 53. Os deputados e senadores são invioláveis, civil e penal- mente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. [...]") não pode ser tomada ao pé da letra para avalizar o desfrute do Parlamentar105. Pois, como já o dissemos, as imunidades exis- tem em prol do Legislativo.

Politicamente, é esperada pela população uma conduta dos políticos condi-

zente com sua responsabilidade, com o cargo que ocupam e com os salários que recebem. Destarte, deve a palavra ou opinião guardar vínculo com a atividade parla- mentar, ainda que indireta ou meramente político-partidária, sem o que não prevalecerá a pro- teção constitucional, podendo ser julgado perante a Casa ou o Judiciário, inclusive, porque es- ta é a tradição do direito pátrio, já que as Constituições de 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e a Emenda 1/69 limitaram a proteção ao exercício da atividade parlamentar.

Os votos, pareceres, relatórios e discursos, em reuniões, jantares, entrevis- tas, meetings, jornais, revistas, livros, rádio, televisão, internet ou qualquer outro meio de comunicação estarão no âmbito da imunidade material

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103 Veja-se também informativo STF n. 293 (2 a 6/12/02), Inq. 1.400/PR, rel. Min. Celso de Mello, j. 4/12/02. 104 Disponível em: <http://www.tse.gov.br/sadJudSjur>. Acesso em: 19/6/2007.

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Asseveram Joseph-Barthélemy e Paul Duez106 que:

a) Le membre du Parlement est irresponsable pour tous les actes de la fonction par- lementaire, sans exception. Ainsi, l'irresponsabilité parlementaire possède un champ d'application très étendu. Elle vise les discours prononcés en séance publique ou en commission, les votes divers, les actes accomplis dans une commission d'enquête parlementaire, les rapports rédigés par le député, etc.

Os gestos e atos obscenos se forem maneira de manifestar opinião, estarão garantidos pela imunidade; mas se objetivarem a injúria, aí não (MEROVEU DE MENDON- ÇA, 1955, p. 445). Já as agressões físicas, vias de fato e injúrias reais (como cuspir no desafe- to, mordidas, puxão de cabelo) não estão na seara da franquia, pois não são formas de mani- festar pensamento, mas, simplesmente, de deixar desabrochar ódio e desrespeito.

Vale ponderar, porém, que a doutrina é dispersa, havendo aqueles mais flexíveis e os mais severos. O Judiciário, também, oscila entre julgados mais ampliativos ou restritivos, valendo sempre a apreciação para o caso concreto, a gravidade da acusação, o liame com a atividade parlamentar, a pessoa da vítima e as demais circunstâncias do fa- to.

A liberdade versus a ordem: não podemos olvidar que a Câmara possui

513 deputados e o Senado, 81 membros. Com um Congresso tão numeroso e eclético, as dis- cussões, em especial, das leis e notadamente dos assuntos mais relevantes ou polêmicos preci- sam ser rigidamente disciplinados, sob pena de não se lograr êxito nos trabalhos.

Há todo um regramento, com momentos certos, prazos e formas para ter a palavra nas sessões. Essa organização é tarefa do Presidente da Casa, respaldado pelo Regi- mento Interno da Câmara (artigos 73, 74, 87, 95, 171, 172, 174, 175, 176 e outros), do Senado (RI/SF, artigos 14 a 25) e do Congresso Nacional (artigos 22 e seguintes do Regimento Co- mum do Congresso Nacional).

Pode a própria Casa deter o membro que, levianamente, utiliza a prerrogati- va como um privilégio, em espírito de emulação, por decisão política, cassando seu mandato, nos termos do respectivo Regimento Interno ou do § 1º do artigo 55 da Carta.

Este assunto será melhor estudado, a seguir.

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106 BARTHÉLEMY, Joseph-; DUEZ, Paul. Traité Élémentaire de Droit Constitutionnel. Paris: Librairie Dalloz,

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